É para já ou para embrulhar?
A Liga dos Campeões regressou com os dois maiores favoritos em momentos diferentes: em modo-Exterminador o Manchester City, em fase de sobrevivência o Real Madrid. A vitória só se serve em Junho.
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Ditou o sorteio que o regresso da Liga dos Campeões depois da pausa de Natal e Ano Novo se desse, logo no primeiro dia, com os dois principais favoritos à conquista da prova em campo. E nenhum dos dois defraudou. Aliás, ambos deram passos importantes para garantirem uma vaga nos quartos-de-final, ganhando nos terrenos dos opositores e encarando a segunda mão com uma dose suplementar de tranquilidade e confiança. O Manchester City mostrou mais evidências de que se encontra em modo-exterminador, atropelando o FC Copenhaga no Parken – o 3-1 final foi lisonjeiro para os dinamarqueses – a caminho da 11ª vitória seguida desde que pôs termo às hesitações com que viajou para a Arábia Saudita, em Dezembro. À entrada para o Mundial de clubes, a equipa de Guardiola tinha vencido apenas seis dos seus últimos 11 jogos, deixara avolumar as dúvidas acerca até da sua candidatura à Premier League com uma série de nulos comprometedores, mas ali, naquele estágio do qual saiu campeã do Mundo, encontrou tudo aquilo de que precisava. Aliás, desde então encontrou mais: reencontrou um extraordinário Kevin De Bruyne, recentemente regressado de lesão e ainda ontem fundamental, com um golo e duas assistências. A grande dúvida que se coloca acerca do City é que a Liga dos Campeões não é para comer já, é para embrulhar e usufruir no dia 1 de Junho. Conseguirá a equipa aguentar este momento até lá? Ora, estes três meses e meio até à decisão de Wembley são aquilo que mais enche de esperança o Real Madrid, que ontem precisou de uma demonstração de grande qualidade daquele que era suposto ser o seu terceiro guarda-redes (Lunin) para sair de Leipzig com uma vitória por 1-0, graças a um golo marcado por um Brahim Díaz que também não faria parte dos planos dos mais acirrados madridistas. Ancelotti não tem Courtois, não tem Militão, não tem Alaba, não tem Rudiger e, a ajudar à festa, ontem também não teve Bellingham. São demasiadas ausências – e há que reconhecer que aquela equipa que subiu ontem ao relvado na Alemanha não ganharia a Champions. Mas aquela é uma equipa com enorme margem de progressão, quando os lesionados voltarem, mais ainda porque, ao contrário do City, tem a sua Liga controlada, com um par de demonstrações (duas vitórias e um score global de 7-0) a meterem o acento tónico em cima dos cinco pontos que leva de avanço para o Girona FC. Ao contrário do City, o Real Madrid está muito longe do auge. E se, numa competição que viesse premiar a regularidade isso certamente lhe seria fatal, numa prova a eliminar é tantas vezes aquilo que marca a diferença entre a melhor equipa da Europa e o campeão europeu.
Coucou, é o Mbappé. Não vejo muitas mais possibilidades para levantar a orelhuda no final da época. Como está o futebol europeu, na sua organização, governação e finanças, há que ter a noção de que esta prova não é senão para os grandes clubes dos grandes campeonatos. Porque fora das Big Five não há dinheiro para chegar lá e dentro delas o efeito surpresa acaba por se esgotar antes de fazer efeito – o presente apodrece no embrulho. Este Leverkusen seria capaz de ganhar uma Champions? É possível que sim. Mas não está em prova. E veremos que equipa lá estará daqui por um ano, se lá fica Xabi Alonso, por exemplo. Porque a Lei de Pareto também se aplica ali. Assim sendo, fica estabelecido que a Champions é coisa para os que são grandes entre os maiores. E, entre estes, não será muito arriscado excluir desde já o Bayern Munique e o FC Barcelona, que até ao Verão só terão caminho para baixo. Podem um Atlético Madrid ou um Inter Milão ganhar a Champions? Podem, sendo uma prova a eliminar. Seriam exemplos puros da tal dualidade entre melhor equipa da Europa, que não são, nem de perto nem de longe, e campeão europeu, que numa conjugação improvável de eventos poderiam ser. O Inter esteve na final de 2023 e era menos equipa do que é hoje... O Atlético tem história a este nível com Simeone. Mas ainda assim quem vejo com mais hipóteses de contrariar esta supremacia dos dois favoritos é o Paris Saint-Germain. Porque tem a Liga ganha, continua a ter equipa, continua a ter Mbappé – o que ajuda bastante –, já não tem a pressão de anos anteriores, porque parece que já ninguém acredita que será possível chegar lá, naquele que é o ano de despedida da sua maior estrela, e tem um treinador com uma ideia. Luis Enrique sabe bem ao que joga e é um daqueles teimosos (ou convictos) que jogará assim até ganhar ou perder. E isso tanto pode levá-lo a ser eliminado já pela sólida Real Sociedad de Imanol Alguacil como a ganhar a final de Wembley.
Os encaixes portugueses. Uma pessoa começa a ler os jornais e a ver os programas de TV acerca de futebol e fica na dúvida: ainda haverá jogadores na nossa Liga a seguir ao Verão? Já se fazem as contas às saídas de Gonçalo Inácio, Gyökeres, Diomande, Edwards e até Trincão no Sporting. A isso, somam-se as vendas de João Neves, António Silva, Morato e quem sabe se até de Trubin pelo Benfica. Adiciona-se a necessidade, que se avolumará se a equipa não se apurar para a próxima Liga dos Campeões, de o FC Porto vender as suas principais estrelas, por razões financeiras: Diogo Costa seguramente, Pepê, Evanilson ou Galeno se as seleções ou a eliminatória que aí vem, contra o Arsenal, derem uma ajuda. E até o SC Braga já começa a meter etiqueta de preço em Djaló, que a perda de fulgor de Ruiz atrás dos golos de Banza pode ter provocado alguma desvalorização no espanhol, à partida o jogador mais atrativo do seu plantel, porque tem escola. Ontem, a FIFA revelou que Portugal foi o segundo país do Mundo que mais milhões faturou neste mercado de Janeiro, apenas atrás do Brasil. Foram 123,4 milhões de euros na saída de 118 jogadores. E a informação estranha-se, porque não se viram por cá grandes operações, enquanto que os clubes brasileiros faturaram 100 milhões só nas quatro vendas que meteram no top 10 (Vítor Roque, Beraldo, Moscardo e Leonardo) desta janela. É claro que há maneiras diferentes de fazer a coisa – o Ajax, por exemplo, referência de mercado, prefere deixar sair gerações inteiras de uma só vez e assumir uma travessia do deserto enquanto espera pela maturação de uma nova fornada. É claro que há sempre fatores que os clubes não controlam. Uns que deviam controlar (os seus próprios custos) e outros porque são mesmo incontroláveis (a vontade dos jogadores ou a necessidade de quem os aconselha). Mas o sucesso dos nossos clubes passa pela inversão deste paradigma e por uma clara identificação das operações de venda a cumprir em cada ano. Uma transferência de topo por ano chega para equilibrar as contas e garante que a equipa continua competitiva mesmo que não encontre um substituto perfeito. Explicar isso a quem fica à espera de vez e garantir que a mensagem é bem compreendida é, hoje, a mais importante das missões de quem tem de gerir um clube em Portugal.
You’ll never walk alone. Nunca cheguei a privar com Sven-Goran Eriksson, mas sabia bem da admiração que o sueco tinha pelo Liverpool FC, não só porque à passagem por Portugal ele já a tinha confessado mas porque as referências estilísticas eram evidentes nas suas equipas. Comecei a ver futebol no final da década de 70 e desde então pude identificar três revoluções no jogo em Portugal. A primeira, a revolução-Pedroto, deu-se ao nível das mentalidades – e já só lhe apanhei a reta final, que ela estava em curso desde que o Mestre tinha sido despedido do FC Porto, no final da década de 60, mostrou a cara no Vitória FC europeu, teve continuação no Boavistão e a coroa de glória no FC Porto de Morais e Artur Jorge. A terceira, a revolução-Mourinho, deu-se mais no plano da metodologia, foi uma cientificação do treino, da tática, da estratégia e das relações interpessoais, tudo encarado de uma forma global e com reflexos na prática do jogo. Pelo meio, houve Eriksson. No campo, a sua adoção do pressing zonal puro, em linha com a escola Liedholm que depois gerou Sacchi, foi uma machadada no que por cá se fazia. A essa atitude defensiva, aquele Benfica sueco juntava uma forma de encarar a posse muito similar à do Liverpool FC de Paisley – ou do Ipswich Town de Robson –, por sua vez um revolucionário numas ilhas britânicas muito mais habituadas a um jogo mais direto. “Como eles mantinham a posse, faziam tudo de forma simples, era muito difícil atacá-los”, lembrou há dias o sueco, a propósito da sua admiração pelo jogo dos Reds e do desejo que tinha de um dia os comandar. Sabendo do cancro terminal de que sofre Eriksson, Jürgen Klopp, que é um sentimentalão, colocou logo o gabinete à disposição. “[Eriksson] será bem-vindo. Pode vir sentar-se no meu lugar e fazer o meu trabalho por um dia, se quiser”, disse o alemão. Mas não era isso que fazia sentido. As referências de Eriksson não são van Dijk, Szoboslai, Salah, Jota, Darwin ou Díaz. São Rush, Barnes, Souness, Dalglish ou Keegan. Estes é que têm de estar lá – como vão estar – no dia em que o Kop lhe cantar o “You’ll Never Walk Alone”.