A diferença da experiência
O Arsenal tem uma super-equipa e tem vindo a desfazer a oposição jogo após jogo. O FC Porto deixa dúvidas nalguns sectores e não está a fazer uma boa temporada. Mas o pedigree é azul e branco.
Palavras: 1427. Tempo de leitura: 7 minutos
Se o que preocupava Mikel Arteta era a suspeita de que a equipa do Arsenal pudesse encarar a eliminatória da Liga dos Campeões contra o FC Porto com alguma sobranceria, assim como fez há um ano na Liga Europa contra o Sporting – e nessa altura foi eliminado... –, o treinador espanhol deixou uma boa resposta na conferência de imprensa de ontem. “A verdade é que nós não temos experiência. Noventa e cinco por cento destes jogadores não estiveram nesta fase da Liga dos Campeões. Eu, por exemplo, nunca lá estive”, afirmou Arteta, como que a deitar água bem gelada em cima da euforia que os ingleses sentem sempre que lhes surge oposição de Portugal ou de qualquer outro país a que eles não reconhecem um pedigree perto do que julgam ver quando se olham ao espelho. Não é uma questão de baixar a exigência ou as expectativas, assim reduzindo o impacto de um eventual falhanço. Trata-se de manter toda a gente em alerta. Porque que o Arsenal tem meios mais imponentes do que o FC Porto nem é preciso recordar o que disse ontem Sérgio Conceição para o sublinhar. “É uma equipa que está no Top-3 em valor de mercado”, lembrou o treinador português. Ainda por cima é uma equipa em bom momento. O Arsenal entra no Dragão embalado por cinco vitórias seguidas, após um período mais sombrio ali entre o Natal e o Ano Novo. Nestes cinco jogos, todos a contar para a Premier League, alguns contra adversários mais frágeis, mas um contra o West Ham europeu e outro contra o Liverpool FC, que é líder, os gunners marcaram 21 golos e só sofreram dois. Saka e Trossard meteram o nome na ficha dos marcadores nos três últimos, que ainda por cima Arteta enfrentou com muita estabilidade nos seis da frente do seu 4x3x3. Só contra o Liverpool FC é que chamou o mais seguro Jorginho para emparelhar com Rice a meio-campo, abdicando de Trossard e avançando Havertz para a frente. Mas manteve sempre Rice como âncora de estabilidade, Odegaard como farol de criação e Saka e Martinelli como extremos perfuradores, a jogarem bem abertos mas de pé trocado, o canhoto à direita e o destro à esquerda. A questão é que, dos sete nomes que citei, só dois jogaram no “mata-mata” da Champions. E desses dois – Jorginho e Havertz foram campeões no Dragão, com o Chelsea, na final de 2021 – só um deve jogar hoje. No onze previsível do FC Porto, só Otávio, Varela e Nico González não sabem o que é ouvir o hino da Champions antes de uma partida a eliminar. E, por isso, para saber que o FC Porto tem uma equipa com muito mais experiência destas ocasiões também nem é necessário lembrar que Pepe se tornará hoje o jogador mais velho a marcar presença nesta fase, superando Giggs e Costacurta. A questão é a de perceber se isso chega para este embate entre dois 4x3x3, mais clássico e baseado no tradicional jogo de triângulos, a usar sobretudo largura, o do Arsenal; mais elaborado e dependente de contra-movimentos entre corredores e espaço interior o do FC Porto. A história da eliminatória não será tanto a refletida nas palavras de Diogo Costa, que soaram muito a basófia que se deita da boca para fora para impressionar mas que não se pensa na realidade, mas muito nas que Arteta disse depois do primeiro alerta. “Vejo neles [os jogadores] muita energia e entusiasmo para jogarem bem”, disse. Arteta sabe que isso será fundamental. Porque apesar de os meios estarem mais do lado dele, o pedigree desta vez está no campo do adversário. E terão de ser os milionários a esfarrapar-se para levar a melhor.
Arnautovic à terceira. Não defraudou, o Inter-Atlético de ontem. São duas equipas plenas, o Inter de Inzaghi na sua complexidade tática, que começa nos centrais construtores e acaba no papel dúplice dos médios, ora a segurar ora a soltar os alas, o Atlético de Simeone na forma como tornou o seu futebol mais atrativo integrando, por exemplo, Samuel Lino no papel de ala criativo. O jogo foi sempre mais italiano, ainda assim, que a segunda mão será em Madrid e nestas coisas de confrontos europeus entre grandes a tradição ainda é o que era. Lautaro pediu três boas defesas a Oblak, as duas primeiras em cabeceamentos, a terceira num lance em que se escapou atrás da linha colchonera. Arnautovic já tinha perdido duas boas situações, falhando sempre o alvo, mas quando viu a bola que sobrou da terceira daquelas defesas do esloveno à sua frente deu-lhe de primeira e meteu-a nas redes. Esta vai ser uma eliminatória à antiga, entre duas equipas que saberão ser merecedoras de um papel na Liga dos Campeões.
O regresso de Bruma. Tanta coisa se disse da profundidade do plantel do SC Braga no ataque a esta época, que depois espanta a diferença que fez a ausência de um jogador nem sempre devidamente valorizado, como é Bruma. Artur Jorge tinha opções de sobra para as alas, tanto em Bruma, como em Ronny Lopes, Ricardo Horta ou Djaló, aos quais se somava ainda Roger, um extremo emergente que ainda brilha nos sub19 na UEFA Youth League. E, no entanto, como Horta ganha mais preponderância quanto mais aparece por dentro, Djaló parece em processo de cedência às sirenes do mercado e Ronny nunca deixou ver o potencial que anunciava, nota-se ainda mais a ausência de Bruma, jogador com velocidade, objetividade e golo. A boa notícia para Artur Jorge nas vésperas da decisiva partida no Azerbaijão é que Bruma está outra vez disponível. Se tirarmos do lote a vitória (2-1) em Famalicão, conseguida no final, com Bruma já em campo, protagonizando um regresso porventura demasiado apressado que depois lhe custou uma ausência mais longa, o SC Braga ganhou apenas três dos dez jogos que fez sem o extremo em 2024. E a lição a tirar da constatação é a de que não basta somar muitas opções para cada posição para fazer um bom plantel. Há que escolhê-los de acordo com caraterísticas específicas e perceber de que forma se complementam. E, ainda que haja esperança no que pode vir a dar Ndour, a forma como os bracarenses lidaram com o dossier dos médios neste mercado de Janeiro – saíram os mais progressivos, como André Horta e Al Musrati, ficaram os mais conservadores, como Vítor Carvalho e João Moutinho – não parece indicar que a lição tenha sido aprendida.
Licença de jardinagem de 20 milhões. Os ingleses têm uma figura extraordinária no mercado de trabalho, que é a da “licença de jardinagem”. Sempre que um funcionário dá um pré-aviso de não renovação de um contrato, pode ser colocado pela entidade patronal sob “licença de jardinagem” – gardening leave, no original. Continua a receber o salário por inteiro mas é-lhe negado o acesso ao local ou às ferramentas de trabalho, que é a melhor maneira de poder ficar em casa a aparar as sebes do jardim. Foi o que o Newcastle United fez com Dan Ashworth, o diretor de futebol que quer deixar o clube do dinheiro saudita para se mudar em direção ao oeste, para o Manchester United do dinheiro anglo-americano, e por isso foi mandado para casa, sem poder sequer aceder ao seu próprio computador. Os nordestinos não fazem as coisas por menos e, mesmo não tendo ainda um contacto formal de Old Trafford, anunciaram que se o United quiser levar Ashworth terá de pagar 20 milhões de libras, coisa que em euros são quase 23 milhões e meio e chega para fazer muitos jardins. E a questão é que Ashworth não é o único a fazer títulos de jornal por estes dias, que depois das transferências milionárias de jogadores e treinadores, a Premier League agora especializa-se na transferência de dirigentes. O Chelsea está fixado em Brighton e, depois de ter ido lá buscar o diretor de recrutamento, no caso Paul Winstanley, em Novembro de 2022, já acertou a contratação do jovem Sam Jewell, temendo que Ashworth quisesse levá-lo com ele para o United. Jewell é o antigo olheiro que, em 2017, esteve por trás da contratação de Gyökeres ao Brommapojkarna e que foi promovido ao lugar de Winstanley quando este saiu para Londres. E o que está a fazer Jewell por estes dias? Se anda por Lisboa é seguramente em busca de produtos hortícolas, que também já está a gozar a sua licença de jardinagem.