Porque é que o Sporting sofre golos
Em duas jornadas, o campeão sofreu tantos golos como nas 15 primeiras. Razões? Fadiga, sobranceria, rotatividade? Talvez. Mas sobretudo tática, com aproveitamento inteligente dos adversários.
O Sporting joga hoje em Paços de Ferreira, com o Leça FC, às 20h45, um desafio crucial na sua permanente afirmação como equipa, não só porque pode valer a entrada nas meias-finais na Taça de Portugal, mas também porque surge na sequência da primeira derrota interna da época e de uma partida em que deixou fugir o FC Porto para três pontos de distância na Liga. A conferência de imprensa dada ontem por Carlos Fernandes, o adjunto que ocupou o lugar de Rúben Amorim nos Açores, serviu para tornar público o aviso feito pelo treinador principal à equipa, que apareceu contra o Santa Clara mais permissiva do que é habitual. No Futebol de Verdade de ontem, eu próprio já tinha dito que o Sporting esteve menos intenso do que é a sua imagem de marca – e, aliás, alarguei essa análise à vitória obtida à tangente frente ao Portimonense. A questão é a de se perceber porquê. E as razões, no meu ponto de vista, são sobretudo táticas.
As quebras são normais ao longo de uma época. É praticamente impossível manter os níveis de concentração no topo durante dez meses e, mesmo na histórica época passada, terminada com a quebra de um jejum de 19 anos sem ganhar o campeonato, os leões tiveram oscilações. Aconteceu-lhes também no início de Janeiro, igualmente com a primeira derrota interna da temporada – 0-2 no Funchal com o Marítimo, em jogo da Taça de Portugal, faz hoje um ano – seguida de um empate caseiro contra o Rio Ave (1-1), que os impediu de aproveitar o facto de o FC Porto e o Benfica se defrontarem na mesma ronda. Voltou a acontecer em Abril, com os dois empates seguidos frente a Moreirense e FC Famalicão a reduzirem a vantagem que então tinham para o segundo classificado de dez para seis pontos, levando os mais ansiosos duvidar da conquista do título. Até o facto de somarem três jogos seguidos a sofrer golos – na presente série João Virgínia e Adán foram batidos sucessivamente por Casa Pia, Portimonense e Santa Clara – já lhe tinha acontecido por três vezes, em Outubro de 2020, em Novembro de 2020 e em Agosto e Setembro de 2021.
Tudo normal, então? Não. Nem pouco mais ou menos. Em 29 jogos que leva esta época, o Sporting esteve sete vezes em desvantagem no marcador, três delas na Liga dos Campeões (as duas partidas com o Ajax e a deslocação a Dortmund, todas perdidas). As quatro restantes aconteceram em Famalicão, em finais de Agosto (empatou), e nas últimas três partidas, as vitórias contra o Casa Pia e o Portimonense e agora a derrota com o Santa Clara. A somar ao facto de ter encarreirado três desafios seguidos em que passou pela situação de desvantagem – novidade absoluta desde que Rúben Amorim chegou ao Sporting – aparece mais um motivo de preocupação: em duas jornadas da Liga, os 3-2 ao Portimonense e o 2-3 com o Santa Clara, os leões sofreram tantos golos como os que haviam encaixado nas primeiras 15 – cinco. E se é consensual que isso não deve ser encarado com ligeireza, o que é mais discutível são os motivos para esta quebra de rendimento. Já se falou de cansaço, de sobranceria, de rotação nas opções e todos esses fatores terão algum peso, mas a razão principal, a mim, parece-me ser tática.
Faz sentido falar de desgaste, porque mesmo tendo em conta que a época passada começara apenas em final de Setembro de 2020, há um ano, por esta altura, o Sporting tinha feito menos onze jogos do que os que já completou em 2021/22. Pode fazer sentido falar também de alguma sobranceria de um grupo que foi campeão, que conseguiu seguir para os oitavos-de-final da Liga dos Campeões, para a Final Four da Taça da Liga e que continua em prova na Taça de Portugal – tratando-se de um grupo de base jovem, é natural a tendência para achar que o Mundo lhe pertence. Daí que, quanto mais não seja para o acicatar, a mensagem de Amorim possa ser útil. A rotação nascida do desgaste e das ausências por Covid19 também terá tido alguma influência, porque não é a mesma coisa ter um trio de trás tão estável como aconteceu na época passada ou andar sempre a mudar, como tem sido caso ultimamente. Mas a observação dos últimos jogos do Sporting leva-me a valorizar mais o aspeto tático e a forma como os adversários têm conseguido libertar o criativo do meio-campo sobre o lado de Esgaio e Sarabia – aconteceu com Nakajima (Portimonense) e voltou a suceder com Lincoln (Santa Clara).
Aquilo que se viu à vista desarmada nos Açores – muitos duelos perdidos pelos leões, que foram bastante menos agressivos do que o adversário, cometendo quase um terço das faltas (12/32) – tem explicação evidente na grande distância entre sectores. Pode dar-se o caso de o baixo total de faltas cometidas não ter sido tanto devido a uma falta de agressividade mas ao facto de os jogadores estarem tão longe uns dos outros que nem chegavam a tempo para cometer infrações. Esta distância, no entanto, é habitual na forma de defender do campeão nacional – geralmente defende em 5x2x3, com grande distância entre os três da frente e o resto da equipa, mantendo-os sempre projetados para potenciar situações de transição ofensiva. O Sporting foi mais frágil nos últimos dois jogos devido a uma conjugação de dois outros fatores. Um é estratégico: a variação no 3x4x3 que leva a ter Sarabia mais exterior e Esgaio mais interior nos momentos com bola não está a ser tão bem conseguida em transição defensiva como era na época anterior entre Nuno Mendes e Nuno Santos. O outro até pode ter origem neste, mas tem sido muito bem provocado pelos adversários – que também jogam. É que Pedro Sá e Ewerton (Portimonense) e agora Anderson Carvalho e Morita (do Santa Clara) souberam sempre atrair Matheus Nunes e Palhinha para fora da sua zona de conforto, libertando Nakajima e Lincoln com espaço para criarem – e esse foi o principal problema do leão a defender.Aqui entra a continuação do texto
É que, mais coisa menos coisa, um campo de futebol tem sempre 105 por 70 metros, mas o que conta é o espaço que se escolhe para travar os duelos. E nos últimos dois jogos os dois médios do Sporting fizeram piores escolhas.
Simples, sofre golos porque os adversários marcam. Que também têm merito 😉 eu sei que diz isso no texto e bem explicado (nao precisa de me mandar ler).
Eu acho que pode haver ainda uma outra "meia-razao" que é o facto do conhecimento cada vez maior que os adversarios têm do sistema de jogo, movimentos característicos. E aquelas dinâmicas de atrair para atacar nas costas ou do outro lado com o ala bem aberto, para alem de os intervenientes andarem sempre a mudar, tambem aqui começam a ser mais conhecidores da maneira como nao cair nessa tentação.
Abraco, bom trabalho e ate ja 👍
O Sporting deve ser dos clubes mais escrutinados, pelo menos entre os três grandes. Na época passada apontaram-se múltiplas razões: equipa jovem, sem competições europeias, sem covid, sem o público exigente de Alvalade, etc, etc. E mesmo assim foi campeão. E agora? Perante a primeira derrota outras teorias: cansaço, covid, etc, etc. Confesso que não gosto quando um treinador, seja ele quem for, adopta um destro à direita e vice-versa. Cada um na sua posição. O que aconteceu no Açores foi, para além da tática, falta de agressividade, no bom sentido, na saída da bola do Santa Clara. E, sim, problemas defensivos: não é a mesma coisa jogar sem um dos dois Coates e Gonçalo Inácio + Feddal.