Pedroto e o fortnite
Conceição iguala hoje Pedroto como treinador com mais jogos à frente do FC Porto. Há pontos de contacto e diferenças entre os dois. Como a reação aos tempos modernos. “O tempora! O mores!"
Sérgio Conceição só tem 48 anos mas é ele próprio que, em momentos mais descontraídos, admite que está sempre rezingão e maldisposto, o que faz com que às vezes pareça um velho, sobretudo aos olhos dos mais novos. Ontem, na véspera de um jogo que será histórico para ele, porque hoje, contra o FC Famalicão, na segunda mão da meia-final da Taça de Portugal, igualará José Maria Pedroto no total de jogos aos comandos do clube (322), Conceição voltou a aprumar a catilinária contra as novas gerações – o que, como todos sabemos, é outro traço caraterístico dos, chamemos-lhes assim, mais antigos. E, na condenação da geração Fortnite – que já tinha feito após um empate arrancado a ferros ao Boavista, há um par de anos, então juntando as selfies nas redes sociais como faceta negativa do comportamento desses “miúdos de hoje” –, Conceição marcou aquela que me parece ser a diferença fundamental entre ele e o mestre. Porque, à exceção da definição dos destinatários da pressão pública que exercem, os dois são idênticos em quase tudo o resto. Conceição é, como Pedroto também foi, uma figura polémica, que não tem papas na língua nem hesita em colocar-se à frente do combate do FC Porto contra o Mundo, esse inimigo externo muitas vezes sem rosto que continua a cumprir o requisito fundamental que é favorecer a união do balneário. Mas enquanto Pedroto mandava a pressão toda para fora, metendo-a sobretudo na luta contra o centralismo, no efeito dissuasor que tinha na sua equipa o ato de passar a ponte sobre o Douro ou naquilo a que chamava os “roubos de catedral”, Conceição sente também a necessidade de espicaçar quem tem dentro de portas, os rapazolas que não mostram o empenho de Pepe porque estão a pensar no Fortnite em vez de sentirem o compromisso com o emblema como a coisa mais importante das suas existências. Nestes 40 anos, muita coisa mudou. A começar pela perceção do que é um velho – um homem de 50 anos não é hoje um velho. Olha-se para Conceição, barba fashion, sapatilha no pé, camisolas justas a um tronco seco pelo hábito da corrida e vê-se um jovem que, se necessário fosse, ainda poderia fazer uma perninha no relvado. Pedroto, que tinha apenas 53 anos quando voltou ao clube para a etapa final, ano e meio antes de o cancro que o mataria lhe forçar a retirada para casa, já era nessa altura um decano dos bancos, com o boné xadrez, os casacos formais, os óculos grossos e o cigarro quase permanentemente na boca. Certo é que, além de já figurarem, a par, um de cada lado de Pinto da Costa, num mural de arte urbana que está nas imediações do Dragão, os dois ficarão igualmente lado a lado na história do FC Porto 2.0, o FC Porto que teve de superar anos de subalternização e se fez vencedor. Pedroto chegou às Antas, para uma segunda etapa como treinador, em 1976, com a missão de pôr fim a um jejum de títulos que já ia em 17 anos – e que acabaria aos 18, com a conquista da I Divisão em 1978. As táticas de guerrilha levaram-no a sair – com Pinto da Costa – em 1980 e a regressar, também com o ainda presidente, em 1982, mas a doença privou-o da primeira final europeia do clube, a final para a qual ele trabalhou e que os dragões abordaram, em 1984, já com o seu escudeiro no banco. Era António Morais o Vítor Hugo da década de 80. Conceição foi campeão à primeira, em 2018, mas também tinha um jejum mais curto para combater – eram só quatro anos, os do primeiro tetra da história do Benfica. Falta-lhe a afirmação internacional que o clube não conhece desde Mourinho, em 2003 e 2004, ou na melhor das hipóteses, um patamar abaixo, desde Villas-Boas, em 2011. E aí a culpa também é dos novos tempos. Não é dos jogadores que entram em campo a pensar no Fornite, mas do que mudou no Mundo, que foi muito mais do que a troca da lerpa pelos jogos-vídeo ou pelas redes sociais enquanto entretém dos futebolistas. Esta é a maior batalha do FC Porto 3.0 – e dificilmente pode ser ganha por um treinador.
Big old Sam. Sam Allardyce tem mais 20 anos do que Conceição e, ele sim, reconheceu ontem que é velho. “Posso ter 68 anos, ser velho, mas não vejo ninguém à minha frente em termos de futebol. Nem Pep [Guardiola], nem Klopp, nem Arteta”, disse o novo treinador do Leeds United no dia em que assumiu o clube, em vez de Javi Gracia, a quatro jogos do fim da época, sendo que três deles serão contra equipas que estão neste momento em lugares europeus. A luta para evitar a descida de divisão vai ser complicada e muito provavelmente malsucedida – mas a verdade é que eu escreveria o mesmo com o espanhol aos comandos. O bluff do Big Old Sam pode parecer ridículo, porque é claro que o cérebro futebolístico dos treinadores mais conceituados da Premier League está umas léguas valentes à frente do dele, mas será neste momento a única forma que ele encontra de dar a volta à situação e arrebanhar os dois milhões de libras que Radrizzani lhe prometeu caso consiga a salvação. É o equivalente ao “Vamos a eles que nem Tarzões” que foi celebrizado por Fernando Cabrita na década de 80. O que é um elogio para o antigo treinador algarvio, que teria feito 100 anos esta semana se ainda estivesse entre nós. Ele sim, era um precursor.
Deco, Alemany, Granovskaia... Vai ferver o mercado dos diretores desportivos neste Verão, a relançar o debate acerca de quem é que deve, afinal, mandar no mercado dos clubes. Há uma série de boas possibilidades – os treinadores, os diretores desportivos... – e uma má – os donos ou presidentes. Mateu Alemany já anunciou que vai deixar o FC Barcelona, para assinar pelo Aston Villa, e Laporta quer convidar Deco para o substituir. Fico curioso, porque são raros os casos de empresários a conseguirem fazer a ponte para o outro lado com sucesso. Mas o que mais curiosidade me motiva é mesmo o Chelsea, onde Todd Boehly ainda não superou a partida de gente como Marina Granovskaia, a Dama de Ferro que geria o mercado em nome de Abramovich. Olho para a lista hoje publicada pelo The Guardian a propósito do mercado do Chelsea neste final de época – 13 jogadores para manter, cinco em dúvida e outros 13 para vender – e não consigo perceber quem teve a culpa da desorientação que levou os novos donos a gastar mais de 600 milhões de euros para ter a equipa mais perto de descer do que de um lugar europeu. Foi porque Thomas Tuchel não quis juntar-se à task-force? Foi porque Cech e Granovskaia saíram com o antigo dono? Foi porque Graham Potter quis demais ou nem quis saber? Foi por incompetência de Laurence Stewart e Paul Winstanley, os dois co-diretores desportivos de Boehly? Foi por interferência dos novos donos, sempre ansiosos por mostrar serviço? Da identificação das razões para o fracasso pode nascer a reconstrução do Chelsea. Mas o trabalho é hercúleo.
Falando de directores desportivos
, parece que Hugo Viana também pode sair do Sporting, em desacordo com Frederico Varandas.