Na alvorada do alirón
Alba significa alvorada, a claridade que precede o nascer do sol a cada novo dia. Alba foi ainda o capitão que deu a ordem para que comecem as celebrações de mais um título em Barcelona. Simbólico.
Já cheira a alirón em Barcelona. O sucesso de ontem, contra um Osasuna desde cedo reduzido a dez homens e remetido à defesa solidária da sua baliza, somado à derrota posterior do Real Madrid em San Sebastian, contra uma Real Sociedad digna de Champions, deixou os catalães a uma vitória do título. Pode até ser já na próxima jornada, no dérbi com um Espanyol aflito para fugir à descida de divisão. Os três pontos de ontem foram emblemáticos de uma época de vitórias curtas – foi o 11º 1-0 em 33 jornadas – e daquilo que é o sentimento culé. Porque o golo da vitória, obtido a cinco minutos do fim, não veio da frieza clínica de Lewandoski, que joga de bisturi em punho, da técnica obtusa de Raphinha, capaz de remates com trajetórias sempre surpreendentes, da finta selvagem de Dembelé, do voluntarismo de Ferran Torres ou da soma de todas estas caraterísticas no jogador total que pode vir a ser Ansu Fati. Veio do fundo do coração de Jordi Alba, servido pela inteligência de De Jong – e a soma do fervor à inteligência, a adição de Rexach a Cruijff, é a melhor definição do que é ser Barça nos últimos 40 anos. Jordi Alba, 34 anos, jogador do FC Barcelona desde os sete – ainda que com passagens posteriores por Valência e Tarragona até regressar para se fixar na equipa – tinha entrado em campo dez minutos antes, herdando a braçadeira de capitão do antebraço de Busquets, um caso raro de simbiose entre fervor e inteligência neste Barça simultaneamente catalão e neerlandês. Baldé, que este ano se fez titular indiscutível na lateral esquerda, até estava a fazer um bom jogo, mas ao abdicar do capitão para forçar mais na frente, com a entrada de Ferran, Xavi terá entendido que não podia deixar cair os níveis de sentimento de pertença e de sangue culé no relvado e lançou a carta Alba. E o lateral respondeu com várias subidas e descidas no relvado, a dar simultaneamente largura e profundidade, culminando a exibição com um remate enrolado, feliz, é certo, mas a fazer a bola entrar entre o poste e a mão direita de Aitor Fernández, depois de esta lhe ter sido entregue em bandeja de prata pela cabeça de De Jong, rápido a perceber que estava em boa posição para rematar mas havia quem estivesse melhor. Quando Alba viu a bola no fundo da baliza e se deixou ficar, deitado de costas no relvado, braços abertos para trás, sorriso largo no rosto, a receber as felicitações dos companheiros, sabia bem o que aí vinha. Para ele, será um sexto título de campeão, o primeiro desde 2019 e de uma travessia no deserto a que poucos puderam resistir, fosse por não terem o nível necessário, por terem acabado as carreiras ou por ganharem dinheiro a mais para um clube que se viu afogado em dívida. Além de Alba e Busquets, restam em Camp Nou o guarda-redes Ter Stegen, o defesa-médio Sergi Roberto e o extremo Dembelé. E Xavi, claro, porque por algum lado o dia tem de renascer e pontos de contacto como ele não se desperdiçam.
O futuro de Messi. O castigo do Paris Saint-Germain a Leo Messi enfatizou as dúvidas e deixou uma certeza. Não se sabe onde jogará o argentino na próxima época, mas sabe-se uma coisa: não será no PSG. Em causa esteve a falta a um treino, na manhã seguinte à derrota caseira com o FC Lorient, de forma a aproveitar a folga que se seguia para cumprir compromissos com um dos seus principais patrocinadores. E o maior espanto é que as núpcias tenham durando tanto tempo, tendo em conta que o clube parisiense pertence ao estado do Qatar e Messi é um dos embaixadores do turismo da Arábia Saudita. O que está aqui em causa não é apenas uma questão de vizinhança. Não: o Qatar é a Al Jazeera e a beIN Sports; a Arábia Saudita é a rede de retransmissores que difundiam o futebol internacional de forma pirata por todo o Golfo Pérsico só por uma questão de influência e de pirraça, que dinheiro é coisa que não falta por ali. Apesar do esforço de convivência que teve como ponto alto o derradeiro Mundial, isto tinha tudo para dar errado. Como deu. E agora? O que se segue para Messi, 35 para 36 anos, mas ainda bem dentro do prazo de validade, como se vê pelos 20 golos e 19 assistências que protagonizou esta época? Só há uma saída boa – e não é o Al-Hilal, para voltar a ser a nemesis de Cristiano Ronaldo, agora num universo paralelo, nem a MLS, igualmente vista como misto de exílio com reforma dourada. É o regresso a Barcelona, para uma última viagem e até, quem sabe, um ataque à tão desejada quinta Liga dos Campeões. Isso num Mundo de sonho. Porque a realidade financeira que lhe forçou a saída ainda não foi invertida por Joan Laporta – e não se vê como pode vir a ser, por mais demonstrações de sentimento que Alba, Busquets e companhia venham a dar.
As contingências de Amorim. O barulho mediático em torno de Rúben Amorim é coisa que me confunde cada vez mais – e não, não falo da multa por excesso de velocidade na A1, que até deu direito a foto nas TVs. Se o Sporting perde pontos e é eliminado da UEFA, enfatizam-se os erros de planificação indiscutíveis, que ele certamente partilhará com a administração, e põe-se em dúvida que ele possa cumprir até o primeiro dos três anos de contrato que ainda lhe faltam. Se o Sporting ganha dois jogos seguidos, volta a ser o mais promissor dos jovens treinadores europeus e já está nas cogitações do Tottenham, como estava do Chelsea e há-de estar de todos os clubes que de repente decidam mudar de treinador e vivam um contexto que lhes permita pagar os 20 milhões de euros da cláusula de rescisão. Rúben Amorim está a fazer no Sporting um trabalho reiteradamente extraordinário, apesar do provável quarto lugar desta época. Mas as contingências particulares que vivem tanto ele como o clube não ajudam em nada uma missão que precisa de estabilidade. Desconheço se a responsabilidade é dos jornalistas, dos agentes de mercado, a começar pelo que representa o próprio Amorim, ou até do treinador, que continua a alimentar as incertezas a cada conferência de imprensa com uma mensagem de humildade que também já aborrece. Mas sei uma coisa: ao Sporting convém acabar com o circo e transformar esta crise em oportunidade de ganhar avanço para 2023/24. Se mais ninguém o faz, é Frederico Varandas quem tem de o fazer. Na primeira pessoa do plural e sem margem para dúvidas.