Palhinha, Matheus e o mercado
O Sporting geriu o dossier-Palhinha com os olhos nos objetivos desportivos e deve fazer a mesma coisa com Matheus. O mercado não é um fim. É um meio de chegar a resultados.
João Palhinha já trocou o Sporting pelo Fulham AFC e os jornais continuam a encher-se de notícias acerca do interesse estrangeiro por Matheus Nunes. É certo que o que define estas coisas é o dinheiro que se tem em casa, na conta bancária, e as contas que há para pagar nos tempos mais próximos, mas a não ser que o clube esteja muito necessitado de liquidez – o que não deve ser o caso, porque tem continuado ativo no plano das compras –, ou que pelo jogador apareça um colosso europeu, a saída de Matheus Nunes neste mercado será um erro. Do clube e, embora aqui as coisas já não sejam tão claras, porque nunca se sabe o que aí vem, do jogador também.
Mais uma vez, a questão aqui é aquela que tantas vezes divide dirigentes e adeptos de futebol por cá. O mercado é uma necessidade, uma razão de existência, ou uma inevitabilidade, uma forma de atingir outros objetivos? Os clubes vivem para comprar e vender ou compram e vendem para viver? Há muita gente que se encaixa naquela primeira categoria e que continua a achar que estes dois meses são a razão de tudo. Mas não são. Foi por pensar assim que, em 2003, o Sporting vendeu no mesmo Verão Quaresma e Ronaldo, acabando a fazer maus negócios com um e, sobretudo, com o outro. É certo que aí teve a desculpa da vontade dos jogadores e do nome dos clubes que por eles vieram – o FC Barcelona e o Manchester United da altura não equivalem minimamente ao Fulham AFC e ao Wolverhampton WFC de hoje – mas também não é menos certo que entre Quaresma e Ronaldo e Palhinha e Matheus vai um Mundo de diferenças também e que não é fácil que por eles surjam os gigantes que se interessaram pelos gémeos do drible burilados no pré-Alcochete.
A questão é que, como disse, estas coisas do mercado são quase tão incertas como o são os resultados desportivos, eles sim a verdadeira razão para a existência dos clubes. Veja-se como foi gerido o caso Palhinha. O jogador chegou de Braga tendo sido um dos melhores médios defensivos do campeonato de 2019/20 e logo houve pressão para o transferir, nem que fosse para a Rússia. Na altura, considerei que isso seria um erro, porque estava a pensar nos tais nove meses em que não há mercado e a antever duas coisas: que Palhinha era o melhor 6 do Sporting e que para o substituir, provavelmente com perda de qualidade, o clube teria de gastar boa parte do que iria receber por ele. E se calhar manter o dinheiro a mexer até era o objetivo de quem queria fazer o negócio logo na altura.
Seja porque quem decide pensou como eu ou porque nem da Rússia tenham vindo propostas interessantes, Palhinha ficou no Sporting e foi fundamental na conquista do título. Em 2021, estava em alta, até pela presença na fase final do Europeu, mas voltou a ficar, não sei se mais uma vez pela falta de uma boa proposta ou só porque o clube percebeu que ainda não tinha como o substituir. Foi para isso que veio Ugarte, que entretanto passou a jogar mais – e fico com a ideia de que se mais não jogou foi porque a dada altura era importante para o clube voltar a ter Palhinha na seleção nacional, precisamente para poder colocá-lo no mercado nesta janela de transferências de 2022.
Palhinha saiu agora, para o Fulham AFC, por 20 milhões de euros (eventualmente mais dois em objetivos). O Sporting vendeu já em baixa? É verdade. Mas não se pode ter o sol na eira e a chuva no nabal. Não é possível salvaguardar interesses desportivos, assegurando e testando um substituto, e ao mesmo tempo vender em alta, quando o jogador ainda é fundamental - o que pressupõe que não dá espaço a nenhum potencial substituto de forma consistente. As vendas em alta fazem-se quando os jogadores “rebentam” e por eles aparece um tubarão disposto a pagar muito, tal como aconteceu com o negócio de Darwin que o Benfica fez com o Liverpool FC, ou a bater a cláusula de rescisão, como aconteceu com a saída de Vitinha do FC Porto para o Paris Saint-Germain. Nos outros casos, o objetivo fundamental dos clubes deve ser terem as contas saudáveis a ponto de não terem de vender jogadores que lhes fazem falta para sítios que não serão um passo em frente para eles.
Palhinha não saiu porque o mercado estivesse louco por ele. Saiu porque o Sporting já tinha quem lhe calçasse as botas na zona de meio-campo. Então e Matheus Nunes? Lá está, o Sporting contratou Morita, mas ainda ninguém é capaz de dizer se a coisa vai funcionar ou não – tal como há um ano ninguém saberia se Ugarte iria funcionar em vez de Palhinha. A não ser que se faça para um dos tais tubarões, dispostos a pagar valores próximos da cláusula de rescisão, a venda de Matheus neste mercado será um erro desportivo. “Ah, mas ele já tem 23 anos”, dizem, como se de um dia para o outro o miúdo se tivesse transformado em veterano. O vício do mercado subverte muitas coisas, entre elas a forma como olhamos para a idade dos jogadores. Quem diz que Matheus Nunes “já tem 23 anos” devia pensar antes que ele “ainda tem 23 anos”. A cada ano que passa pode até ser mais dificilmente vendável com grande margem de lucro, mas cada um desses anos é também um ano em que ele pode ganhar coisas.
Vendo a coisa do lado do jogador, é também mais um ano que ele passa longe dos grandes campeonatos, de salários mais ricos? Sim. E esse é o perigo desta forma de ver o mercado. Pode até dar-se o caso de Matheus olhar para o que se passou com Palhinha e não querer correr o risco de acabar por ir parar a um Fulham AFC com 27 anos ou até de nunca chegar a poder sair para um campeonato como é a Premier League. Mas, se ele tiver essas dúvidas, é aí que alguém deve explicar-lhe – ou já devia tê-lo feito, no limite – que as diferenças entre a possibilidade de jogar a Liga dos Campeões por um grande em Portugal ou jogar para não descer na Premier League não são só de salário. Essa é a parte da formação que os clubes portugueses ainda não estão a fazer bem – provavelmente porque, lá está, eles próprios já olham para o mercado como um objetivo e não como uma forma de chegar ao que deviam ser os seus verdadeiros objetivos. No fundo, é toda esta forma de pensar que está em causa.
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