O Benfica e a "gestão de ativos"
Começa a tardar o corte no plantel do Benfica, que vai levar quase 40 jogadores para estágio em Inglaterra. A gestão de ativos, vista na perspetiva do mercado para quem é excedentário, é um empecilho.
O Benfica segue daqui a pouco para estágio em Inglaterra e Roger Schmidt vai levar com ele quase 40 jogadores, porque aos 28 com quem tem trabalhado vão juntar-se João Vítor, os sete internacionais que voltaram mais tarde de férias e, quem sabe se até Enzo Fernández, entretanto já eliminado da Libertadores e aparentemente livre para deixar o River Plate. A questão pode ser problemática para o trabalho quotidiano, mas nem é esse o problema, que o início de época a doer ainda vem relativamente longe, há tempo para afinar o grupo e até pode fazer algum sentido que o treinador alemão queira ver pessoalmente todos os que só chegaram agora, mesmo aqueles em quem acredita pouco ou nada. O que deve preocupar os benfiquistas é que a lógica de atuação que presidiu à criação de grupos demasiado vastos nas últimas temporadas se mantém e começa a haver razões para que se desconfie que, afinal, ela não era só mania do treinador. E se o que ali esteve em causa foi sempre aquilo que conhecemos como “gestão de ativos”?
Há muitas maneiras razoáveis de justificar a opção de não ostracizar ninguém, nem mesmo os jogadores que aparentemente não contam. Uma, a de Jorge Jesus, é que queria ter sempre mais uma opção, caso viesse a fazer-lhe falta. Mas até Jesus há-de ter deixado claro que havia ali jogadores com os quais não contava, sobretudo à medida que convencia a administração da dar-lhe novas alternativas. Ora se também esses foram ficando, eis que entram em campo as outras justificações, também elas muito aceitáveis, tanto no plano dos negócios como no aspeto humano. Ou porque não seria correto colocar jogadores a treinar à parte – e houve até tempos em que o Sindicato dos Futebolistas embirrava seriamente com isso – ou porque, ao colocá-los fora do lote dos que contam para o plantel, o Benfica estaria a desvalorizar os ativos que quer vender, a dizer ao mercado que seria possível obtê-los em baixa. Só que nenhuma destas justificações faz grande sentido. Primeiro, porque desrespeitar um jogador é mantê-lo num grupo do qual ele não faz nem tem hipóteses de vir a fazer parte. E sobretudo porque o mercado não é estúpido e, da mesma maneira que não paga mais por um jogador só porque ele apareceu na primeira página de um jornal, também não vai deixar de pensar apanhar em desconto outro que toda a gente sabe que não conta.
Há pouco mais de um mês, antes de ir de férias, deixei aqui uma reflexão acerca daquele que eu pensava que iria ser o primeiro desafio de Roger Schmidt. A saber: a clareza na definição do grupo com o qual vai trabalhar. Se nem o treinador alemão, que declarou querer ter um grupo curto de jogadores, conseguir ser claro neste particular, haverá razões para que se ache que o defeito está a montante. E que, empolgado pelas transferências que tem conseguido com os seus melhores jogadores – João Félix, Rúben Dias, agora Darwin... – é o Benfica que parece achar que consegue vender em alta tudo o que tem a sua chancela e que essa coisa de libertar jogadores a custo zero é para fracos. Não é. Há alturas em que é preciso desapego, deixar ir o que já não nos serve, assumir até os custos da separação, como parece ter de ser o caso com muitos dos excedentários da Luz, só para poder ter a tranquilidade necessária para encarar o futuro com outros olhos. O Benfica fez isso, por exemplo, com Everton, que até é um dos jogadores de cujo fracasso em Portugal nunca fiquei convencido. E fê-lo por uma razão: o ala brasileiro foi aquele por quem, ainda assim, teve uma proposta minimamente aceitável, mesmo que em perda face ao que tinha pago. Nos outros, se ninguém lhes pega, não é seguramente por eles irem agora para estágio que de repente vão surgir propostas entusiasmantes.
E é pena, porque o Benfica até tem feito um mercado muito interessante. João Vítor foi um dos melhores defesas-centrais do último Brasileirão e acrescenta velocidade a um setor que parecia curto para jogar tão alto como gosta Schmidt. Enzo Fernández é um médio enérgico, daqueles que preenche muito espaço, exatamente o que tem faltado ao Benfica dos últimos anos. Mesmo sem jogar a sério há muito tempo, talvez Neres recupere o nível que o fez brilhar há uns anos na ponta direita do Ajax. Bah pode ser uma boa surpresa e Yaremchuk vai seguramente beneficiar do facto de vir a ser incontestável na frente, porque a qualidade está lá. Das necessidades que foram identificadas, ficam a faltar o guarda-redes forte no jogo com os pés e o segundo avançado, mas à medida que se aproxima o início da competição começa a parecer que afinal Vlachodimos não é assim tão mau e que Gonçalo Ramos tem inteligência e golo suficientes para ser o tal 10 do sistema de Schmidt – já a João Mário ou a Taarabt me parece que lhes falta golo para jogar ali. Agora, alguém vai ter de tomar decisões para que se suba um patamar no nível do trabalho. E essas decisões quem tem de as tomar é sempre o treinador.
Sempre fui um defensor da primazia das ideias dos treinadores na definição dos plantéis. Se eles é que sabem de futebol, se eles é que sabem como querem jogar, eles é que sabem quem lhes dá jeito e quem só está lá para atrapalhar. Os projetos mais bem sucedidos dos últimos tempos têm-se regido por este princípio: os dirigentes, ali, têm de afastar e encontrar solução para os jogadores que não contam, contratar os que o treinador pede, se se enquadrarem na política orçamental do clube, ou, se tal não for possível, dizer ao treinador: “Este não dá. Qual é a sua segunda opção?” Geralmente, quando os treinadores cedem um bocadinho nesta forma de atuar, acabam por perder todo o poder. O resultado são grupos dependentes de outro tipo de interesses – é a “gestão de ativos”, expressão tão celebrizada nos anos em que o futebol passou a misturar-se com negócio em Portugal. E isso é tudo aquilo de que o Benfica não precisa neste momento.
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