Os desafios desta jornada
Esta jornada dupla da Liga das Nações tem de ser enfrentada com óculos bifocais, ora a olhar para os objetivos imediatos, ora a olhar para o Mundial, que vai ser jogado sem estágio de preparação.
Há uma série de desafios interessantes para a seleção nacional nesta jornada dupla da Liga das Nações. O primeiro passa pela definição da própria jornada. Para que serve? É competição ou é a última fase de preparação para o Mundial que aí vem? Este vai ser um Mundial muito especial, com a libertação dos jogadores por parte dos clubes menos de uma semana antes da partida inaugural, pelo que esta semana e meia que eles estão a passar juntos agora, a dois meses da fase final, será ouro. E deveria ser aproveitada pelos selecionadores para tirar dúvidas e aperfeiçoar processos, para operacionalizar conceitos, razão pela qual me parece que poucos nomes divergirão da lista atual para a que Fernando Santos vai fazer em meados de Novembro e que se ele tivesse dúvidas acerca de algumas posições chamaria agora os que não o convenceram ainda.
É claro que Portugal não pode dar-se ao luxo de fazer coisas que fazem algumas seleções que não vão estar no Mundial e que disputam estes jogos já como parte integrante de um novo ciclo, o que nos levará ao Europeu de 2024. O olhar estará no Mundial do Catar, mas usando uma espécie de óculos bifocais, porque antes disso também terá de estar na própria Liga das Nações. A substituição dos jogos particulares, muitos deles autênticos soporíferos para o espectador, por uma competição nivelada, interessante e onde a derrota não é tão bem aceite, veio trazer interesse a quem vê, recompensa a quem financia – pelas audiências – mas uma dificuldade acrescida para os selecionadores. Caber-lhes-á a eles agora estabelecer os novos equilíbrios, perceber até que ponto podem mirar um pouco mais à frente e quais são os jogos em que isso lhes é permitido. Fernando Santos até fez isso na edição inaugural desta competição, quando abordou a fase de grupos sem Ronaldo, por exemplo, que estava a tratar de se adaptar à vida na Juventus.
A questão é que, não me canso de o dizer, uma seleção é muito mais do que um quadro de honra. Como se viu nesse caso, as convocatórias extravasam em muito a listagem dos que mais se destacaram na sua atividade durante um determinado período – Ronaldo não tinha deixado de ser um dos melhores, mas o contexto não favorecia a sua chamada. Não se trata nunca só de escolher os melhores. É preciso escolher, entre os melhores, aqueles que melhor casam com determinada ideia e uns com os outros. E aqui não me refiro apenas ao plano futebolístico, ainda que este seja, como é evidente, fundamental. De que serve escolher um guarda-redes que seja forte no controlo da profundidade e no jogo com os pés se o plano é jogar com a linha defensiva baixa e sair a bater largo na frente desde o primeiro minuto? Ou chamar um lateral cujo ponto forte é o cruzamento por alto para a área se vamos jogar com avançados baixotes e inábeis no jogo de cabeça?
Mas não é só. Muitas convocatórias que os selecionadores fazem destinam-se sobretudo a ver como os jogadores interagem uns com os outros, se são bem ou mal-aceites pelo grupo e pelos seus líderes, se se libertam de amarras psicológicas quando se veem neste ambiente, necessariamente diferente do que têm nos clubes. Se treinam bem, se se integram... E não é uma questão de haver boicotes de gente de um determinado clube a gente de outros clubes – ainda que isso já tenha sido tema, por exemplo, em 1984, quando os blocos do Benfica e do FC Porto se enfrentavam na seleção – ou de o selecionador preferir chamar jogadores de uma cor e não de outra. Já conheci e interagi com muitos selecionadores, desde Juca, que estava no cargo quando comecei a trabalhar, em 1988, a Fernando Santos, e até hoje não falei com nenhum cujo objetivo não fosse fazer os melhores resultados possíveis de acordo com as suas convicções. As deles, não as nossas.
Ainda assim, olhando para esta jornada dupla, que integra a visita à Chéquia, amanhã, e a receção à Espanha, em Braga, na terça-feira, a dúvida que mais me assalta não tem que ver com a lista – que a minha, de acordo com as minhas convicções e sem ter conhecimento do aspeto social e de interação dentro da equipa seria necessariamente diferente, mas, lá está, seria a minha, não a de Fernando Santos. A minha primeira dúvida tem a ver com uma questão tão simples como a gestão dos amarelos, pois na lista de Santos há vários jogadores fulcrais entre os que estão a uma advertência da suspensão. A saber, neste caso encontram-se Danilo, William, Ronaldo, Rafael Leão, Bruno Fernandes e Bernardo Silva, além de outros que nem foram agora convocados. Sabendo que tem de ganhar amanhã para discutir a vitória no grupo frente à Espanha, como vai Portugal encarar o jogo com a Chéquia? Como vai gerir, por exemplo, um Ronaldo que estará sedento de futebol de alto nível, tendo em conta a sua passagem recente para o banco no Manchester United?
E a questão aqui, lá está, extravasa em muito a dimensão futebolística pura, a definição de quem é melhor ou pior. Irá Santos apostar em Ronaldo amanhã, arriscando ficar sem ele no jogo decisivo – tendo em conta até que no desafio de Sevilha ele ficou no banco, pelo que é natural que o selecionador entenda que as caraterísticas dele neste momento o indicam mais para jogar com outras seleções que não a Espanha? Ou vai “poupá-lo”, sabendo que nesse caso ajudará a avolumar a discussão em volta do momento dele, porque é natural que se o CR7 ficar no banco em Praga essas imagens se juntem a outras, recentes, de Old Trafford, e venham contribuir para dar mais um golpe no mito? E Danilo? O que fará Santos se, já tendo perdido Pepe, perder o central com um amarelo em Praga? Vai chamar outro, de emergência – o mesmo que inexplicavelmente não quis chamar agora – para jogar com a Espanha? Não faria mais sentido tê-lo já no grupo, até para olhar para os fatores sociais (a tal integração) a tempo de estar precavido quando chegar o Mundial se, por alguma razão – mais suscetível de acontecer em jogadores próximos dos 40 anos – Pepe voltar a não poder dar o contributo à equipa?
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