Os Amigos do CR7
Ronaldo volta a jogar hoje e fá-lo logo contra Messi. A pompa está assegurada, a circunstância é que nem por isso: é um amigável, uma espécie de Amigos do CR7 contra os Amigos do LM10.
Cristiano Ronaldo volta hoje a jogar, na Arábia Saudita, e nada podia ser mais apropriado do que tê-lo contra Messi, o outro craque de dimensão planetária que deixou marcas nos últimos 15 anos do futebol mundial. É o reencontro de Sherlock Holmes com o Professor Moriarty, de Batman com o Joker, de Flash Gordon com o Imperador Ming, ainda que neste caso sem essa dimensão maniqueísta, porque só os fanáticos de um e do outro serão incapazes de entender o que ambos fizeram pelo jogo neste século das consolas. Nunca o futebol havia visto uma rivalidade assim, nunca tinha havido uma tão acérrima disputa pelo domínio universal dos relvados como a que foi personificada por Cristiano e Messi. O jovem Pelé apareceu aos 18 anos, no Mundial da Suécia, quando Di Stéfano já passara dos 30 e era uma espécie de rei no exílio. Mesmo tendo ganho duas Taças dos Campeões Europeus depois da eclosão do novo rei, nunca mais a Seta Loura lhe ameaçou a coroa. O jovem Maradona começou a maravilhar-nos em 1978, um ano depois de Pelé ter posto fim à carreira, no Cosmos. Ronaldo e Messi não, disputaram o trono semana após semana, golo após golo, proeza após proeza. Foram arregimentando partidários capazes de garantir que era aquele e só aquele que mandava. No momento em que se aproximam do final, Messi com o cetro de campeão do Mundo, Ronaldo com a frustração nascida da forma como saiu deste último Mundial, encontram-se em Riade, como que a sublimar a cedência dos governantes ao dinheiro do novo-riquismo futebolístico que já os capturou aos dois. A pompa está assegurada, a circunstância nem por isso, que o jogo é amigável, coloca frente a frente um misto do Al-Nassr com o Al-Hilal e um PSG a fazer horas para o próximo compromisso competitivo. É uma espécie de Amigos do CR7 contra os Amigos do LM10. Do mal o menos: ao fim de tantos anos a reinar, aos dois ainda sobram amigos.
Dia de golaços. Foram um regalo para os olhos os golaços a que tivemos direito ontem. O livre ao ângulo de Olise, a valer um ponto ao Crystal Palace, arrancado no minuto 90 do jogo com o Manchester United, fechou com chave de ouro uma noite em que tinha sido o azul e negro do Inter a merecer destaque. Não canso de me surpreender quando vejo um avançado possante como Dzeko a marcar como ele marcou na Supertaça italiana: inesperado corte para dentro a sentar Tonali e remate seco para as redes. Lautaro Martínez superou-o, ainda assim, quando bateu Tomori no momento em que se virou para a baliza e, sem pensar muito, deu uma trivelada de pé esquerdo na bola a fazer com classe o 3-0 no dérbi transferido para Riade. O Milan, campeão, caiu ali. A Supertaça diz que o primeiro adversário para o SSC Nápoles na corrida ao scudetto é a equipa de Simone Inzaghi. A rivalidade estava lá, ainda assim, mesmo que a milhares de quilómetros do Duomo, mesmo sem se centrar em capitalistas tradicionais da sociedade italiana, em gente que fez a história do futebol no país, como os Moratti, pai e filho, ou Berlusconi. Ontem, quem recolheu os louros foi Zhang Kangyang, o filho do dono da Suning e do Inter e o mais aberto a falar da recuperação na Série A, para dizer que ela “não é impossível”. “Enquanto eu aqui estiver, teremos um projeto vencedor”, sentenciou. Ficou toda a gente mais descansada.
Money League. A Deloitte revelou ontem as conclusões do relatório Football Money League relativo a 2023 – e elas são deveras assustadoras para quem não pense centrar a militância futebolística em torno da Premier League. Pela primeira vez nas 26 edições que já leva este relatório, mais de metade (onze) dos clubes presentes no Top20 dos que mais receita geraram em todo o Mundo são ingleses. Estão lá o Manchester City (primeiro), o Liverpool FC (3º), o Manchester United (4º), o Chelsea (8º), o Tottenham (9º), o Arsenal (10º), o West Ham (15º), o Leicester City (17º), o Leeds United (18º), o Everton (19º) e o Newcastle United (20º). Se alargarmos a pesquisa aos 30 mais ricos, de maneira a aparecerem clubes vindos de fora das Big Five – o Benfica é 24º e o Ajax 27º – encontramos mais cinco clubes ingleses. Quer dizer que 16 dos 20 clubes que participam na Premier League, que recebem as receitas de televisão da Premier League e beneficiam da propagação global da Premier League para impor o seu merchandising, estão nos 30 mais ricos do Mundo. Há quem já tenha percebido que é altura de acordar, mas ao mesmo tempo continua a haver quem se esconda debaixo da cama com medo da SuperLiga. Os velhos do Restelo continuam a dominar o panorama – até mediático – e temo que quando perceberem o logro com o qual estão alinhados já seja demasiado tarde. O Brexit não ajudou, porque isolou ainda mais os ingleses – e no futebol, além de estarem sós e de valerem por si só, vulnerabilizaram-se ao capital internacional, que nos leva a militância e o dinheiro. Este neo-colonialismo é um dos fenómenos mais preocupantes do futebol de hoje. Mas, hei, o importante é que não avance a SuperLiga. Tolices!