O vazio de Evanilson
Claro que há questões associadas ao negócio que são relevantes, mas o tema crucial após a saída de Evanilson para o Bournemouth é quem vai fazer o trabalho que ele fazia no FC Porto. Difícil...
Palavras: 1249. Tempo de leitura: 6 minutos (áudio no meu Telegram)
Evanilson vai seguir para o Bournemouth, deixando o FC Porto por 37 milhões de euros, mais uns eventuais dez milhões por objetivos, e a conversa é sempre a mesma. Bom negócio? Mau negócio? Aliás, minto. É mais do que isso. O melhor negócio? O pior negócio? O mundo, hoje, exige o recurso constante ao grau comparativo, os portistas precisam de se gabar de o seu clube ter feito uma operação mais rentável do que as dos rivais com os seus talentos, os benfiquistas e os sportinguistas de sustentar o exato contrário. E mesmo entre dragões a discussão é forte, entre defensores da anterior e da atual administração, com os primeiros a agitarem páginas de propaganda mascarada de jornalismo onde se elencavam os muitos mais milhões que já tinham sido recusados por este mesmo jogador e os segundos a fixarem-se no pormenor de agora, ao menos, não terem sido pagas comissões na venda. No meio disso tudo, que não é que não seja importante, mas que pelo menos não é a única coisa importante, esquecem-se de pensar no que me parece mais interessante no imediato: como é que fica o FC Porto sem Evanilson? E a resposta é preocupante: fica curto.
Embora as comparações sejam quase sempre fruto exclusivo da necessidade de alimentar a toxicidade das redes sociais, elas baseiam-se em pressupostos que são relevantes. A questão é que o mercado se move de uma maneira tão impossível de controlar que qualquer debate a esse respeito será sempre superficial. Se vendes por pouco, mas não pagas comissões, talvez seja caso de pensares que vendes por pouco porque não pagas comissões. Mas se vendes por muito e achas que é só porque pagas comissões, então bem podes tirar o cavalinho da chuva, que a dependência de quem te consegue esses valores dificilmente fica por aí – a seguir terás de comprar por muito também, para manter a máquina em andamento e o dinheiro a circular. Uma das ideias-chave da nova administração do FC Porto era o combate a interesses obscuros de mercado que identificava como sendo padrão na sua antecessora, pelo que é normal que os novos dirigentes tenham tido mais cuidado com a necessidade de dizerem que neste seu primeiro negócio havia comissão-zero do que em obter valores artificialmente inchados com os esteroides anabolizantes do mercado, que são os agentes comissionistas. Mas como tem necessidade de liquidez e este negócio não foi assim de encher as medidas – nem os cofres – ao nível de que necessitava para depois se reforçar a contento, o FC Porto terá provavelmente de recorrer aos agentes na mesma para substituir Evanilson. Porque Namaso, Toni Martínez e Fran Navarro são de menos para as exigências do emblema.
Para ser franco, nunca achei Evanilson um avançado de top-mundial. É tecnicamente bastante interessante, entende bem o jogo de ligação, mas falta-lhe a dimensão física – e vai precisar dela na Premier League, mais ainda num ano em que os responsáveis pela arbitragem inglesa já anunciaram que vão “permitir um pouco mais de fisicalidade antes de cada interrupção, se comparado com o que acontece nas Ligas ultramarinas, ainda que protegendo sempre a segurança dos jogadores”, conforme explicado por Tom Morgan no Telegraph. “Lá estás tu com o físico! O físico nunca fez falta ao Messi”, respondem-me logo os que entendem o futebol como poesia pura e exclusiva. Mas nem Evanilson tem o talento aproximado ao de Messi nem é propriamente desprovido de físico. O ZeroZero diz que ele tem 1,80m por 83kgs, o que não sendo muito, o deixa a apenas quatro centímetros de altura e sete quilos de peso de Gyökeres, espécie de “benchmark” para a posição em Portugal hoje em dia. A questão é que, sendo mais dotado tecnicamente e no entendimento do jogo do que o sueco (que é dois anos mais velho), o brasileiro nunca fez do físico uma prioridade a não ser para mostrar que é frágil, ganhando faltas sempre que pode. Na última Liga, Evanilson andou basicamente na metade dos números de Gyökeres. Fez 13 golos contra 29 do sueco e quatro assistências face às nove creditadas ao leão. Jogou menos tempo? Verdade. Mas nos números da Opta Sports, registou 1.71 posses progressivas por 90 minutos contra 3.52 de Gyökeres, tentou 2.02 dribles contra os 4.81 do sueco... E sofreu 2.94 faltas contra as 2.41 de Gyökeres, cuja efetividade vem muito da sua capacidade para ficar em pé. Algo que Evanilson, aparentemente, despreza.
Entre os jogadores que estiveram em pelo menos metade dos minutos da última Liga, só dois – os famalicenses Chiquinho e Gustavo Sá – sofreram mais faltas por 90 minutos do que Evanilson. Mas não é disso que o FC Porto pode sentir falta. Evanilson é um excelente projeto de avançado, que a Premier League poderá apurar ou arrumar de vez – depende mais dele – mas era um oásis de classe no centro do ataque do FC Porto. O jogo da equipa mudou com a subida no terreno de Nico González, como pode mudar se por ali jogar Pepê, recuando outra vez o espanhol para o meio-campo, mas a verdade é que não há no plantel um jogador capaz de meter uma gota de futebol diferenciado a partir da posição de ponta-de-lança. Namaso é um trabalhador, o mais forte de todos no plano defensivo, e é talvez o que mais se aproxima de Evanilson, na medida em que é móvel e se predispõe a combinar em zonas mais recuadas ou lateralizadas do campo, mas já tem 23 anos. Poucos se aperceberão de que o inglês só é dez meses mais jovem do que Evanilson. Crescerá ele tão rapidamente a ponto de justificar a aposta? Talvez, se a equipa absorver no plano coletivo a necessidade de fazer aquilo que cabia ao brasileiro. Ainda assim, parece mais fácil que venha a ser ele a fazê-lo do que o façam os espanhóis Toni Martínez e Fran Navarro. O primeiro é mais interessante numa ideia de ataque permanente à profundidade, lá está, por ser o que apresenta os índices físicos mais elevados, mas mostra carências evidentes nos aspetos técnico e tático do jogo. O segundo é, de todos, o que mais se destaca enquanto jogador de área, mas além de também não ser excelente na visão coletiva do jogo, desde o primeiro ano no Gil Vicente (2021/22) que não consegue mais golos na Liga do que os que os seus remates justificariam (3.8 negativos em 2022/23 e 1.2 negativos em 2023/24, entre os golos marcados e os esperados).
Há alturas na vida de um clube em que o dinheiro fala mais alto. O FC Porto precisava mesmo de transferir um jogador neste mercado, mas de todos aqueles que tem em casa suscetíveis de gerar apetite internacional, só Diogo Costa seria mais difícil de substituir no quadro atual do plantel. Evanilson não era, no meu ponto de vista, o futebolista mais valioso do FC Porto – acho Pepê, Varela, Conceição e Diogo Costa mais fortes – mas ao contrário do que sucederia com outros, a sua saída provavelmente deixa a SAD ante a necessidade de contratar quem o possa substituir. E perceber isso é mais importante do que discutir o sexo dos anjos ou quem é que faz melhores negócios no mercado.