O valor de Gyökeres
Apesar das debilidades que tem, o sueco é o melhor jogador da Liga, porque cria as suas próprias situações de finalização com uma frequência estapafúrdia. Sairá um dia e ninguém festejará o negócio.
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Gyökeres não é um jogador ideal e, para o demonstrar, nem é preciso recorrer ao falhanço mais escandaloso desta Liga, aquela bola que ele mandou com violência à barra da baliza do FC Vizela, ontem, quando a recebeu no pé direito, a dois metros da linha, rasteirinha, já sem guarda-redes nem nada pela frente. O momento faz as delícias dos ‘haters’ nas redes sociais, mas seria desnecessário para expor as fraquezas do sueco – até porque, apesar do que nos diz esse momento, a finalização com os dois pés não é uma delas. Se a ideia é desmerecer o futebol de Gyökeres vale muito mais a pena lembrar a falta de esclarecimento que ele mostra em algumas ações de jogo, forçando a finalização quando deve passar, por exemplo. Na última jornada, em Chaves, viram-se lances suficientes para produzir um pequeno vídeo capaz de afugentar quem pensasse em bater os 100 milhões de euros da cláusula de rescisão para o levar já. Contudo, Gyökeres tem sido, a boa distância, o melhor jogador da Liga Portuguesa, pela possibilidade que dá à equipa do Sporting de encontrar sempre uma via de saída de qualquer situação de jogo. O lance do primeiro golo leonino ontem não é fantástico só pela forma como, na área, com Hugo Oliveira em cima dele, ele consegue encontrar o espaço para se virar e dar na bola de pé esquerdo – o seu pior –, fazendo-a entrar junto ao poste mais distante, a bater na rede lateral, lá onde é mais difícil de apanhar pelos guarda-redes. O lance é fantástico sobretudo pelo modo como, com o cronómetro a aproximar-se do final da primeira parte, num momento em que a generalidade dos atacantes acharia que já era altura de esperar pelo apito do árbitro, ele consegue tornar um passe vertical de Nuno Santos ao qual acorreu em disputa direta com Escoval, na esquerda e com o central do FC Vizela a defender a parte interior do campo, numa situação de finalização. Esta energia inesgotável, que lhe permite meter piques iguais àquele até aos segundos finais dos jogos, quando os defesas adversários já sonham é com o banho e o repouso, é que faz dele um jogador único. Os melhores atacantes do Sporting deste século, Jardel e Bas Dost, por exemplo, jogavam pouco com a equipa, mas destacavam-se depois pela inteligência subtil na movimentação, pela facilidade com que a equipa os metia em zonas de finalização – altura em que eram letais, quase sempre a um toque só. Gyökeres marcou 22 golos (e tem nove assistências) em 25 jogos pelos leões, muitos deles em situações que ele próprio criou através dessa energia inesgotável e da capacidade para seguir sempre em direção à baliza. Não é o “Pinheiro” de que falava um dos muitos treinadores que passou por Alvalade nos últimos anos, não fará os 55 golos por ano que fez o “Cabeção” em 2001/02, talvez chegue aos 37 do neerlandês em 2016/17, mas apresenta uma enorme vantagem: é que a equipa não tem de fazer muita coisa para o pôr em situação de finalizar. Ele cria essas situações. E fá-lo vezes sem conta num jogo. É por isso que, depois de ter contribuído para o impasse no jogo ofensivo da equipa com o tal falhanço escandaloso ao qual se seguiram o reagrupar atrás dos vizelenses, conscientes do problema que tinham pela frente se continuassem a jogar à grande, e um período de maior dificuldade para o Sporting criar desequilíbrios de uma forma coletiva, Gyökeres resolveu o problema de modo individual. Depois, sim, tenta fazê-lo tantas vezes que em alguns jogos sacrifica o discernimento ao volume. E é quando se discute se algum clube vai aparecer com os 100 milhões de euros que custa levar daqui o sueco que essa questão ganha força: Gyökeres já tem 25 anos, faz 26 no final da época, e haverá princípios que dificilmente introduzirá no seu DNA futebolístico. A clarividência tática, a facilidade com que se lê um jogo, os adversários e os companheiros, é das coisas que se adquire mais cedo no cérebro de um jogador e que, no caso de Gyökeres, nunca foi um ponto forte – mas também se o fosse a verdade é que ele não teria chegado aos 25 anos sem jogar numa I Divisão nem estaria agora no Sporting. Gyökeres acabará por sair de Alvalade, talvez no Verão, por uma soma muito superior aos 20 milhões de euros que os leões pagaram por ele (e possivelmente não pelos 100 milhões da cláusula). E o mínimo que pode dizer-se é que, ao contrário do que chega a ser habitual, não veremos adeptos satisfeitos com essa vitória no “campeonato das transferências”. Porque este é um daqueles que, de tão difícil de substituir, deixará sempre saudades.
Sempre a dar avanço. O SC Braga obteve ontem, em Famalicão, a 11ª vitória na Liga, a sexta de virada. António Salvador e Artur Jorge acharam que, depois de terem conseguido superar o Sporting na luta por uma vaga na Champions deste ano, esta seria a altura para assumir essa vontade de chegar um patamar mais acima, de ser campeão. De caminho, não convenceram foi disso a equipa, que continua a demonstrar alguma fragilidade competitiva, refletida na facilidade com que dá avanço: o SC Braga sofreu o primeiro golo em nove das 18 jornadas que já disputou. Há três teorias para o explicar. A primeira parte da fragilidade da sua linha mais atrasada e terá como resposta a chegada de jogadores – e já está aí a tentativa de contratar Gustavo Martins, um promissor defesa central brasileiro do Grêmio. A segunda parte de uma tentativa do técnico responder a essa fragilidade com um jogo mais seguro mas menos ofensivo a meio-campo, colocando os conservadores Moutinho e Vítor Carvalho lado a lado e contribuindo para o ostracismo a gente como Al Musrati ou André Horta e para a necessidade de encaixar Zalazar mais à frente, onde ele vê menos campo. A terceira é a mais complicada de resolver, porque nasce da falta de sanha competitiva de um grupo de jogadores que, vai-se a ver, e ainda acha natural estar em quarto lugar. Foi para resolver esta que Salvador dotou o plantel de jogadores experientes e com histórico de títulos, como Fonte, Moutinho ou Pizzi. Pelos vistos, ainda não chega.
Pedroto como decisor. Pinto da Costa discursou ontem, recorrendo a algumas verdades – os oito títulos em 16 nos últimos quatro anos, mostrando que começou finalmente a valorizar a Taça da Liga –, a meias-verdades descontextualizadas – como a opção por retardar a venda de Otávio a servir de justificação para os mais de 170 milhões de capitais próprios negativos – e a uma diabolização do inimigo externo enquanto maior razão de ser para uma recandidatura que ainda não anunciou mas que se adivinha no horizonte. Já não foi só o prémio que o Record lhe prometeu há dois anos e nunca lhe entregou, foi até uma conversa de Cândido de Oliveira com Vítor Santos no início da década de 50, na qual o então treinador do FC Porto e fundador de A Bola terá dado ordens para que se aumentasse a tiragem do jornal no caso de vitória do Benfica. Numa altura em que os jornalistas discutem o futuro da sua atividade em congresso, mas em que parece mais ou menos consensual que isso das tiragens e do papel impresso já não tem relevância na sociedade e foi substituído pela pegada digital, afinal entende-se que tem, porque ainda serve para justificar uma desigualdade de tratamento em nome da qual o FC Porto precisa de se unir para atacar esse inimigo externo que é a comunicação social. Há 50 anos, esta era uma das ideias base do pedrotismo, filosofia que continua a ser seguida por Pinto da Costa enquanto fator agregador. Só que Pedroto era uma personalidade tão complexa como luminosa – e basta dizer que, seguindo uma lógica completamente diferente, de que vos falei aqui ontem, Villas-Boas abriu a sua intervenção com uma frase do mesmo Pedroto, em que este reclamava modernização face a estruturas e ideias ultrapassadas. Há muito José Maria Pedroto nas eleições do FC Porto que aí vêm e caberá aos sócios decidir que Pedroto adotar, o modernizador ou o combatente. À partida, nenhum tem de ser melhor que o outro, mas o resultado final nos dirá onde está o clube por estes dias.
O momento Griezmann. O que vale hoje um dérbi de Madrid está bem à vista no que sucedeu ao minuto 100 do jogo que, ontem, com prolongamento, como tinha acontecido na Supertaça, na semana passada, valeu ao Atlético eliminar o Real da Taça do Rei. Vini Júnior controlou mal uma bola na zona de meio-campo e esta foi parar aos pés de Griezmann. O francês pegou nela junto à lateral, olhou para a área e acelerou. O brasileiro perseguiu-o até à linha de fundo, de onde admitiu que ele pudesse cruzar. Mas Griezmann pensou outra coisa: olhou para a baliza e, quase sem ângulo, meteu um balázio ali entre a cabeça e o ombro direito de Lunin, fazendo o 3-2. Foi um golaço, em cima do qual Riquelme ainda construiria o 4-2 final, confirmando o atacante que recentemente destronou Luis Aragonés enquanto melhor marcador da história dos colchoneros como uma lenda do atual futebol mundial. Um jogo como o de ontem, com tantas oportunidades de golo, com emoção e alternância, deita ao lixo quaisquer ideias feitas acerca do defensivismo de Simeone ou do superior manejo dos jogos por Ancelotti. O dérbi de ontem, como o da semana passada – 14 golos em quatro horas de futebol – vem, isso sim, dizer-nos que o futebol, quando é a sério, vale sempre a pena.