As bombas de Villas-Boas
A candidatura de Villas-Boas assenta em dois pilares e largou quatro bombas atómicas, que no entanto se recusou a armadilhar. Pode ganhar? Pode, sim. E mudará as coisas? Veremos.
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André Villas-Boas confirmou ontem, na apresentação da sua candidatura à presidência do FC Porto, aquilo que já toda a gente sabia. Que assenta a sua preparação para o desafio em cima de dois pilares fundamentais: a modernização, da gestão mas também das mentalidades, e a transparência. O candidato manteve sempre o respeito institucional para com o legado de 42 anos de Pinto da Costa, que ainda não assumiu que avançará mas que provavelmente o fará, mas não se coibiu de sobre ele largar quatro bombas atómicas. A primeira, mais impactante e ao mesmo tempo mais difícil de defender, é a gestão financeira calamitosa, que conduziu o FC Porto até à apresentação das piores contas de sempre no último exercício, depois de anos de muita faturação. A segunda é o impacto da má gestão desportiva na primeira, revelado por exemplo na grande quantidade de jogadores que o clube tem ultimamente perdido a custo zero e nos elevados valores depois gastos na contratação de substitutos que não se impõem aos olhos do treinador. A terceira é a captura da gestão por interesses obscuros, “alheios ao FC Porto”, à vista na inadequação entre o investimento feito e a utilidade revelada, bem como na proposta para reduzir remunerações fixas e indexar as variáveis ao sucesso tanto no plano desportivo como no financeiro. E a quarta é a admissão de que o medo de decidir pode ser fator relevante na votação marcada para a Primavera. Era tão fácil desenrolar este novelo e relacionar as quatro bombas numa só, de potencial destrutivo muito mais elevado, que chega a ser intrigante que André Villas-Boas não tenha feito mais do que deixar esse encadeamento subentendido. E essa torna-se uma das perguntas que é mais importante fazer-lhe nas sessões abertas que ele anunciou para esclarecimento dos sócios. O medo de que fala é instigado pelos tais interesses alheios ao FC Porto, temendo a perda de privilégios que estão na base da má gestão desportiva e, por sua vez, dinamitaram a gestão financeira? E o facto de esse novelo não ter sido efetivamente desenrolado deveu-se a quê? Ao receio de vir a chamuscar o legado de Pinto da Costa, afastando potenciais eleitores que não se reveriam nessa recusa de um passado de glória do qual faz parte até o próprio Villas-Boas, enquanto treinador? À falta de vontade de identificar o momento em que isso começou a suceder? Foi com o envelhecimento do presidente? É que relatos de agressões a jornalistas, por exemplo, já datam da década de 80, do momento em que o pai do jovem Villas-Boas lhe inculcou as primeiras memórias do clube, falando-lhe “de um homem de boné”. Ao temor de que isso possa contribuir para baixar o nível da campanha, para tal bastando que do outro lado venham acusações de também esta ser uma candidatura patrocinada por interesses alheios ao FC Porto – o sempre ouvido mas nunca abertamente falado apoio de Antero Henrique, por exemplo –, mesmo que em seu favor estes possam alegar que não precisam do clube e do dinheiro que ele move para manter o atual nível de vida? Visto daqui, a recusa do combate baixo, revelada por exemplo também no facto de, em meia-hora de discurso, nunca o candidato se ter referido ao “inimigo externo”, ao Benfica, ao Sporting, ao centralismo lisboeta, é um ponto a favor de Villas-Boas. A minha dúvida é se também o será para quem vota. Porque se é verdade que, como diz o lema da candidatura, “só há um Porto”, o FC Porto que eu conheço desde Pedroto foi sempre um FC Porto combativo, contestatário e muito mais confortável no papel de ‘underdog’ do que de referência. “Se estiver aqui uma bomba, eu espero que ela expluda”, gritou Pinto da Costa em 1994, no auge das suas faculdades, a uma plateia de jornalistas convenientemente ‘reforçada’ por centenas de adeptos ‘espontâneos’ numa conferência de imprensa marcada para o antigo Pavilhão das Antas. Estas bombas de Villas-Boas, porém, ainda alguém terá de as armadilhar.
E Villas-Boas pode ganhar? A grande questão gerada pelo profissionalismo da apresentação de ontem é esta: Villas-Boas pode ganhar estas eleições? Pode, claro. A análise do passado recente do clube tê-lo-á levado, a ele e a quem com ele está nesta empreitada, à convicção – correta, na minha avaliação – de que é possível ganhar já em 2024 sem ter de esperar pela posição de Pinto da Costa. Não quer dizer que ganhe, mas pode ganhar, pode ser o primeiro a fazer alguma sombra ao eterno presidente em eleições. Foi por isso que avançou. Se José Fernando Rio, que não tinha um décimo do peso institucional e mediático de André Villas-Boas – nem certamente um décimo do investimento que este terá na campanha – chegou em 2020 a 26 por cento dos votos, o agora candidato poderá certamente melhorar esses números. Até porque se em 2020 o FC Porto atravessava no futebol uma espécie de travessia do deserto pouco habitual nos então trinta e tal anos de Pinto da Costa, pois só tinha ganho um dos cinco últimos campeonatos, e se deixara cair nas limitações do fair-play financeiro da UEFA, em 2024 também só ganhou dois dos últimos cinco títulos e, tendo deixado o grupo de clubes mais diretamente vigiados, parece ter muito menos potencial valorizável no plantel. De então para cá, o clube deixou escapar boa parte dos miúdos que em 2019 ganharam a UEFA Youth League e, se comparado com o manancial de jogadores transferíveis por valores que serão topo de mercado europeu neste momento existentes nos grupos de Benfica e Sporting, parece em clara desvantagem. A construção de uma academia de alto rendimento para a formação nos terrenos do Olival onde está o futebol profissional é, evidentemente, uma boa medida, mas a descapitalização crescente do plantel não se resolve com dois telefonemas. Nem com bolsos sem fundo, que senão vem aí a UEFA outra vez.
As eleições do Gil Vicente. Ontem foi também dia de apresentação da candidatura de Hugo Vieira às eleições do Gil Vicente, clube que pela primeira vez vai ter dois nomes a lutar pela liderança. Falei um par de vezes com Hugo Vieira, a propósito da série de vídeos O Mundial Vai ao Bar, que produzi antes do Mundial de 2022, e fiquei sempre com a impressão de ser um tipo com vocação para a gestão, mas nem sequer é isso que está aqui em causa. O que quero aplaudir é a tendência de modernização do tecido dirigente dos nossos clubes. Ter ex-jogadores a assumir a vontade de dirigir os clubes de que gostam é um excelente sintoma. Não garante nada, como é evidente, que depois também eles podem vir a cair reféns desses tais interesses alheios, mas pelo menos garantem a presença de uma visão um pouco mais desempoeirada e, chamemos-lhe futebolcêntrica, das coisas.
E está aí a segunda volta. Começa já hoje a segunda volta da Liga. O dia não é o ideal, uma quinta-feira, véspera de dia de trabalho, mas a isso aconselha a realização da Final Four da Taça da Liga, que abre na terça-feira que vem. A ordem dos jogos também não, pois o dérbi regional entre FC Famalicão e SC Braga obrigaria certamente a movimentações menos longas de adeptos e podia ficar para depois do confronto entre FC Vizela e Sporting, mas os desígnios do operador televisivo são, como sempre, não digo insondáveis, mas suportáveis. Mais vale, por isso, que nos centremos no futebol. E as razões são boas. Serão a segurança da equipa do FC Famalicão e o seu ainda assim razoável potencial atacante suficientes para confirmar que o SC Braga quebrou ou estarão os guerreiros de Artur Jorge em condições de contrariar isso e a derrota caseira com que abriram o campeonato? Estará este FC Vizela, o pior ataque da Liga, mas aparentemente com um decalque “dezerbista” a prometer retoma, em condições de se impor a um Sporting que até aqui não acusou as deserções para a CAN e a Taça de Ásia? Vamos ter resposta mais logo.