O sucesso do futebol feminino
Portugal está a um jogo da fase final do Mundial de futebol feminino. É o resultado de uma política de desenvolvimento que vem de fora, mas que está a ser seguida com interesse e vontade cá dentro.
A seleção nacional está a um jogo apenas da fase final do Mundial de futebol feminino, o que deve ser visto como uma proeza assinalável, fruto do trabalho do selecionador, Francisco Neto, mas sobretudo do alinhamento da Federação Portuguesa de Futebol com a aposta que a FIFA e a UEFA têm feito nas senhoras. Discutir se as instituições dominantes estão a trilhar este caminho em nome da luta pela igualdade de género ou porque perceberam que era por ali ainda havia muito espaço para fazer crescer o negócio pode ser relevante para avaliar o caráter de quem nelas manda, mas acaba por ser insignificante no resultado do processo: há cada vez mais mulheres a jogar futebol e mais gente a vê-las. E isso é bom. Por muitas razões, entre as quais a constatação de que o sucesso desportivo vem a seguir ou a noção de que se está a caminhar para uma maior justiça.
Portugal ocupava em Agosto a 27ª posição no ranking FIFA de futebol feminino, oito lugares abaixo da Bélgica, que eliminou na semana passada, e 13 abaixo da Islândia, a quem ganhou ontem. O primeiro triunfo (2-1) foi conseguido com um golo no último minuto, o segundo (4-1) após prolongamento. Os dois jogos disputaram-se em Portugal, o que foi uma vantagem para uma seleção que já no último Europeu, ao qual acedera em função da desqualificação da Rússia, mostrara bons valores individuais e excelentes princípios coletivos, mas que sofrera do mesmo mal nos dois primeiros desafios: desconcentração, a refletir-se nos resultados (0-2 aos 15’ contra a Suíça e os Países Baixos). A equipa parece ter crescido em maturidade e capacidade para se centrar no objetivo, como se viu nas quatro vitórias seguidas que obteve neste início de época, todas elas entre a espada e a parede. É que antes dos desafios do play-off, Portugal já tinha ganho na Sérvia (2-1, num jogo em que também entrou a perder) e em casa à Turquia (4-0), em ocasiões onde só os três pontos lhe serviam para continuar o caminho e terminar o grupo em posição de play-off, atrás da Alemanha.
Nunca Portugal tinha ganho à Bélgica. Nunca tinha ganho – muito menos – à Islândia. Estas são duas nações que estão muito à nossa frente em termos de consolidação de futebol jogado por mulheres, provavelmente por virem de sociedades mais modernas e desempoeiradas. Em 2003, na estreia do ranking FIFA, a seleção portuguesa ocupava o 33º lugar, a Bélgica era 27ª e a Islândia 17ª. Esta hierarquia, aliás, não sofreu grandes alterações nestes 20 anos: Portugal até baixou para lugares na ordem dos 40, entre 2005 e 2015, entrando pela primeira vez no Top-30 no ano passado, quando subiu para 29º. É evidente que este incremento da posição internacional da nossa seleção reflete a aposta feita pela FPF na chamada de jogadoras para a prática da modalidade. O total de federadas – entre futebol de onze e futsal – em Portugal superou recentemente as 12 mil, um crescimento de 100 por cento em dez anos, uma vez que em 2012 eram seis mil. A Liga portuguesa começa a ter algum mediatismo intramuros, fruto da presença – a discutir títulos – de Benfica, Sporting e SC Braga. E mais ganhará quando o FC Porto for forçado a formar uma equipa também, em função de uma imposição da UEFA, que a partir da próxima época obrigará os clubes que queiram participar nas suas provas a ter uma equipa de mulheres.
Até por serem impostos, estes indicadores de crescimento, é bom que se diga, não valem por si. Como não valem por si as celebrações feitas sempre que há muita gente num estádio a ver um jogo de mulheres – porque, regra geral, isso ainda só sucede quando há bilhetes gratuitos. Ontem, o Portugal-Islândia foi dignificado – e muito bem – pela RTP com duas horas de direto no canal 1, mas é altamente improvável que algum canal privado tenha sequer pensado em disputar os direitos de transmissão à estação pública. Porque a verdade é que a audiência ainda não tem interesse no fenómeno além do efeito que a curiosidade lhe motiva – e que, lembro-me bem, em 1982, era eu miúdo, já tinha levado a Disvenda a incluir algumas equipas femininas na sua coleção de cromos de futebol dessa época. Hoje, os três jornais desportivos guardaram nas primeiras páginas espaços mínimos para contar a vitória que deixa a seleção a um jogo da estreia numa fase final de um Campeonato do Mundo. E não há mal nenhum nisso: eu já lá estive e sei muito bem que uma coisa é o jornalismo e outra o pacote em que ele se embrulha, para convencer os destinatários (que são vocês) a consumi-lo.
Isso mostra-nos que o caminho está muito longe do fim. Aliás, o que é o fim deste caminho? O objetivo? O da seleção é, naturalmente, ganhar o jogo contra a equipa que vencer a meia-final do seu grupo de play-off (o sorteio é na sexta-feira, joga-se em Fevereiro, na Nova Zelândia), sendo que as portuguesas são claramente as mais cotadas no ranking entre as dez equipas que estarão no torneio. Ao contrário da seleção, porém, as instituições não devem fixar-se no destino, mas sim no caminho que a ele conduz. Se a ideia é aproximar o futebol das mulheres do que é jogado por homens, fixar o olhar lá à frente só levará a um sentimento de inconseguimento e frustração permanente. Porque as distâncias – a começar pela atenção que o público dá ao futebol jogado por mulheres – ainda são enormes. E a batalha real é essa: a batalha pela vossa atenção, que ao contrário do que faz a UEFA com os clubes que querem jogar a Liga dos Campeões masculina, não se consegue por decreto.