Nota máxima em aproveitamento
O FC Porto venceu em Portimão no primeiro jogo desta Liga em que criou menos do que o adversário. Com Otávio e Pepê, os dragões ganham muito em estabilidade, mas também em aproveitamento
Não é muito frequente ver-se o FC Porto criar menos do que um adversário em jogos da Liga portuguesa. Esta época, até no desafio em que perdeu, com o Rio Ave (1-3), acabou com um índice de golos esperados (xG) superior ao do opositor. Desta vez, porém, pela primeira vez na atual Liga, viu-se suplantado por um Portimonense que, é verdade, passou grande parte do jogo a correr contra o prejuízo, o que lhe terá beneficiado as estatísticas, enquanto que os dragões, que se colocaram em vantagem na primeira situação de perigo, logo aos 22’, foram demonstrando o crescimento em estabilidade que conseguem com a acumulação de Otávio e Pepê a meio-campo. Com os dois nas alas, a equipa de Sérgio Conceição articula-se de uma forma muito mais harmoniosa, pois ambos dominam na perfeição as dinâmicas do sistema híbrido que o FC Porto usa há anos. No final, apesar de ter criado menos, pode bem dizer-se que a vitória do campeão nacional, por 2-0, com golos precisamente de Otávio e Pepê, foi justa – mesmo tendo Yago desperdiçado por duas vezes ocasiões flagrantes para reduzir, uma delas já sem guarda-redes pela frente.
O modo como o FC Porto se colocou em vantagem foi exemplo paradigmático do que é um excelente aproveitamento das circunstâncias do jogo. O Portimonense surgia com um sistema defensivo que recolhia o lateral-direito, Moufi, como terceiro central, e pedia ao extremo desse lado, Ouattara, para baixar para lateral no momento defensivo. Era a forma de Paulo Sérgio manter uma linha de cinco atrás, povoando o corredor central, para o defender contra as combinações curtas dos dragões por dentro, ao mesmo tempo ocupando toda a largura do campo. A dada altura, no entanto, Relvas, o central esquerdo, deu com o nariz na nuca de Moufi e ficou a sangrar de forma abundante. Teve de sair para lhe ser estancada a hemorragia e para mudar a camisola – por uns instantes, o Portimonense perdeu largura na retaguarda, apesar da tentativa algo tosca de Rui Gomes fechar à esquerda, para permitir que Seck, o ala esquerdo, se internasse como central, dessa forma mantendo os cinco atrás. Ora foi no momento em que Relvas estava a entrar que, ganhando por duas vezes o espaço atrás do homem mais aberto na (reduzida e baralhada) linha defensiva dos algarvios, o FC Porto chegou ao golo. Não foi um acaso. A experiência incrementa a capacidade de entender os momentos e de os aproveitar. O golo até foi obtido já com Relvas em campo, que o central algarvio tinha acabado de reentrar com a jogada em curso, mas disso não se aperceberam os seus colegas, que cederam vezes consecutivas o espaço na largura, permitindo a entrada sucessiva de bolas no espaço frente à baliza.
Já no ataque anterior, aí com Relvas ainda a ser assistido, Rodrigo Conceição tinha surgido por fora de Seck para cruzar, indo o ressalto ter com Wendell, solto do lado contrário, para um remate bloqueado. Funcionava o preenchimento do corredor central... A bola veio ao meio-campo e o FC Porto insistiu no modus operandi: saiu pela direita, houve cruzamento largo de Conceição, a chegar até Eustáquio, também solto por fora da linha algarvia, no lado contrário, para nova devolução para a direita, onde agora era Conceição quem ficara livre para voltar a cruzar. E desta vez, quando a bola foi para o centro da área, não houve ocupação do espaço central que valesse ao Portimonense: a combinação malabarística entre Evanilson e Otávio resultou no golo deste, marcado num belo vólei. Era a primeira situação de perigo criada em todo o jogo por qualquer das equipas. Até ali, vira-se um remate de longe, feito por Uribe, que Kosuke tirara para canto, aos 17’, e o tal lance anterior, com as duas solicitações à largura e alguma atrapalhação na defensiva portimonense. Mas se o FC Porto já evidenciara um notável índice de aproveitamento, a seguir pôde mostrar como ganha estabilidade com este meio-campo, no qual tanto Otávio como Pepê dominam as dinâmicas do híbrido entre o 4x4x2 mais clássico e o 4x3x3, podendo tanto um como o outro surgir, por vezes, mais por dentro, como uma espécie de terceiro avançado, nas costas de Taremi e Evanilson. Aliás, se nas versões anteriores isso era feito apenas à direita, sempre por Otávio, assim os dragões conseguem-no nos dois corredores – pois a esquerda já não é preenchida por um extremo mais puro, como eram Brahimi ou Luís Díaz. E se num dia mau isso pode redundar num jogo afunilado, como sucedeu no Estoril, num dia bom torna a equipa mais imprevisível.
Respondeu o Portimonense ao golo do FC Porto com uma boa situação, desperdiçada por Rui Gomes, que aos 24’ surgiu no final de um cruzamento largo de Luquinha, mas chutou ao lado. A perder, os algarvios tentavam soltar amarras. Ouattara subia para ser extremo sempre que a equipa tinha a bola, com a passagem de Moufi para lateral. Estrela era o pêndulo do meio-campo, ocupando os outros dois médios – Ewerton e Luquinha – o espaço entre Ouattara e Seck, o ala esquerdo. Rui Gomes, que jogava a partir da esquerda, procurava muito o espaço interior, em aproximação a Yago, que no entanto tinha alguma dificuldade em entrar no jogo, tanto a equipa demorava a chegar em força até perto dele. O jogo foi sendo dividido até ao intervalo. Taremi podia ter feito o 2-0 aos 39’, após combinação entre Pepê e Evanilson, que meteu dois toques de calcanhar seguidos, mas Kosuke defendeu mais uma vez bem. E foi já na segunda parte, aos 52’, que o FC Porto fez mesmo o 2-0. Pedrão perdeu uma dividida para Pepê e Evanilson, tendo este lançado Taremi na esquerda. Dali, o iraniano soube esperar o momento exato para recolocar a bola em Pepê, que finalizou com classe, picando a bola para o único local da baliza que não estava ocupado.
Com 2-0 a favor do FC Porto, parecia evidente que algo teria de mudar muito no jogo para que os campeões nacionais não levassem os três pontos. Sérgio Conceição começou então a gerir a equipa. Trocou Evanilson, ainda menos influente do que era habitual em épocas anteriores, por Galeno, com a ideia no ganho de velocidade, mas o suplente não começou por abrir logo na esquerda – só o faria mais tarde, em resposta à troca tática do Portimonense. Paulo Sérgio começou por chamar Klihsman e Gonçalo Costa, mas a equipa só melhoraria verdadeiramente quando no campo entrou Ricardo Matos, para se colocar perto de Yago. Com Luquinha a jogar pelo lado direito e Matos como segundo avançado, o Portimonense deu finalmente um ar de sua graça e podia bem ter marcado. É verdade que antes disso, aos 64’, num canto de Eustáquio, Otávio ainda exigiu nova boa defesa a Kosuke, mas daí até final só a equipa da casa esteve perto de marcar. Foi a ponto de ter nessa altura feito crescer o seu índice xG para o 1,4 final, contra 1,1 do FC Porto – a primeira vez nesta Liga que os dragões foram suplantados por um rival no total de golos esperados. E aqui, o réu algarvio acabou por ser Yago, que desperdiçou duas ocasiões soberanas de recolocar o resultado em discussão, aos 76’ e aos 81’.
A primeira, então, foi flagrante. Gonçalo Costa – que entrou bem – cruzou da esquerda, Matos descobriu Yago, mas um ligeiro desvio no corpo de David Carmo levou a que, quando já se preparava para meter o pé direito à bola e introduzi-la na baliza deserta, o atacante algarvio lhe tenha dado de coxa, fazendo-a subir e bater na barra. Cinco minutos depois, o zero nas redes do FC Porto já ficou a dever-se sobretudo à intervenção de Diogo Costa: foi outra vez Ricardo Matos quem isolou o ponta-de-lança, com um toque de calcanhar, mas este viu o remate forte defendido para fora por Diogo Costa. Conceição, que já chamara ao jogo Bruno Costa e Zaidu, assumindo o 4x2x3x1, trocou então Taremi pelo mais físico Toni Martínez e Otávio por Grujic, que foi colocar-se atrás de Uribe e Eustáquio, de forma a trancar o jogo. Se era essa a ideia, foi bem sucedida, que os dragões prolongaram o 2-0 até final e levaram os três pontos, assegurando que entram no clássico com o Benfica, na próxima jornada, à distância de uma vitória para o líder.
Arbitragem – Manuel Mota não teve influência no resultado, mas ficou por entender melhor a razão pela qual o VAR o mandou transformar um penalti – de Gonçalo Costa sobre Toni Martínez, aos 90+1’ – em livre fora da área. Não é claro que a falta (indiscutível) tenha sido cometida dentro ou fora da área, mas a decisão da equipa de arbitragem em campo tinha sido a de punir o Portimonense com um penalti. O VAR mandou revertê-la e acabou por ser assinalado um livre junto à linha, mas por mais imagens que veja não consigo ter a certeza da bondade da decisão. Não é líquido que tenha ficado um penalti por marcar, mas não creio que a sua marcação possa ter sido uma situação de erro flagrante, a justificar a intervenção do VAR. De resto, havia bases para se pedir um segundo amarelo a Rui Gomes, aos 16’, por falta sobre Evanilson, mas a esse respeito defendo aquilo que tenho sustentado em outras situações: era cedo no jogo e, a não ser em situações absolutamente evidentes – que esta não era – admito perfeitamente esta abordagem mais suave.