O segundo nascimento de Bernardo
Bernardo não chegou a nascer dez vezes, como Jesus dizia que ele precisaria de fazer, mas renasceu patrocinado por Guardiola. E explicou a quem quer entender que não é o 10 que cresceu no Benfica.
O debate em torno da seleção nacional fez-se, durante anos, à volta da necessidade de dar a Bernardo Silva o lugar de patrão da equipa, a missão de ser o dez criativo que ligasse com o ponta-de-lança mais clássico que nunca tivemos desde o abandono de Pauleta. Durante anos, também, a colocação de Bernardo a partir da direita do ataque foi tida como um desperdício de talento, mas a explicação dada pelo próprio jogador, em entrevista hoje publicada pelo Record, vai em sentido contrário. “O Bruno Fernandes é um jogador de último terço, muito melhor do que eu no último passe e no remate”, disse o médio do Manchester City, que se vê hoje muito distante do tal dez criativo que cresceu no Benfica. A clareza de pensamento de Bernardo levou-o a remar contra a maré dos que o elegeram à revelia como representante máximo do purismo futebolístico. Bernardo sabe bem que não é o Neo de uma espécie de futebol-Matrix, de um jogo em que se exagera tanto na sobreposição da mente ao físico que se decreta automaticamente que o talento é tanto maior quanto mais alto se joga no campo e que essas coisas físicas não importam nada se pudermos parar o tempo enquanto fazemos os nossos contorcionismos. “No último terço é preciso ter jogadores rápidos, jogadores que ‘piquem’ bem nas costas”, acrescentou ainda Bernardo, cuja clarividência não para de crescer e que, depois desta traição ao eleitorado mais básico, faz ainda mais sentido como segundo médio. “Faço o que é melhor para a equipa, não faço o que as pessoas acham que é mais bonito”, sentenciou – e aqui ouvi claramente o som de algumas juntas a quebrar. Há oito anos, quando estava a chegar à equipa principal do Benfica, Bernardo Silva ouviu o treinador, Jorge Jesus, afirmar que os jogadores da formação tinham “de nascer dez vezes” para entrar no onze. Ele não conseguiu cumprir esse desígnio, mas no currículo apresenta já pelo menos um renascimento ao lado de Guardiola: ainda não é o lateral-esquerdo que o JJ Boce escala sempre nos seus onzes caricaturais, mas já é um oito capaz de controlar ritmos e trajetórias com um cronómetro na mão esquerda e uma bússola na direita.
A cabeça de Enzo. Enzo Fernández parece ter mesmo ido à Argentina passar o ano. O médio tinha prometido que ia, Roger Schmidt lembrou-o, no final da derrota em Braga, que todos os jogadores do plantel tinham regras e responsabilidades, que havia jogo já na sexta-feira e que era preciso descansar. O melhor jovem do último Mundial não só não ouviu, como não leu e ainda mostrou que se estava nas tintas, postando fotos do ato no Instagram – podia ter feito a coisa de forma mais discreta, o que não era menos grave, mas pelo menos seria menos ostensivo. A cabeça de Enzo mudou mais do que a descoloração do cabelo com que celebrou o título mundial dá a entender. A cabeça de Enzo, neste momento, não está no Benfica – e até pode voltar a estar, que nestas coisas os trajetos não são irreversíveis, nunca são só de ida e podem bem ter volta. Mas antes de se preocupar com a recuperação física do esforço da partida em Braga, no que toca a Enzo, o Benfica tem de se focar na recuperação mental do legionário que estava para todas as batalhas e agora as troca pelos excessos permitidos pela facilidade com que o dinheiro e a fama compram voos transatlânticos em jatos privados. É outro Mundo e não é um Mundo que ajude a ganhar jogos.
E agora Sarabia? Não há Messi, de férias. Não há Neymar, de férias. Um por causa do Mundial, outro por causa de uma expulsão que também deixou sérias dúvidas acerca do compromisso do brasileiro, sempre mais focado nas festas de passagem de ano do que nos jogos das suas equipas. E mesmo assim a primeira derrota do Paris Saint-Germain, no importante jogo com o segundo classificado da Liga francesa, o RC Lens, aconteceu com Sarabia no banco até ao definitivo 3-1. Comparamos a nossa Liga às maiores, fazíamo-lo por exemplo quando dizíamos que o PSG e o Benfica eram as únicas equipas invictas nas dez Ligas de topo da Europa, mas a comparação esbarra depois nesta incongruência que é verificarmos que um jogador como Sarabia, que não ficou no Sporting porque o seu salário era absolutamente incomportável, não é sequer a quinta opção para o ataque do PSG. Aliás, na semana passada, quando o espanhol se tornou “trending topic” no Twitter em Portugal, porque perguntaram a Rúben Amorim se gostaria de o ter de volta, também o era em França, porque os adeptos do PSG andavam desesperados com a perspetiva de terem de enfrentar um jogo com ele no onze. E agora, Sarabia?