O segredo do sucesso
Não temos hipótese no Europeu, porque o selecionador não muda? Ou são os ingleses que se prejudicam mudando demasiado? O que o passado recente nos diz não é uma coisa nem a outra. O segredo é o plano.
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Anda a malta aqui toda a queixar-se do conservadorismo de Roberto Martínez, que chama sempre os mesmos jogadores à seleção e muda ainda menos o grupo do que fazia Fernando Santos e aparecem os ingleses, com a mania de que são diferentes, e queixam-se de que Gareth Southgate muda demais e vai abordar o Campeonato da Europa com 13 jogadores (em 26) que não estiveram no último Mundial. A exclusão de James Maddison já tinha dado que falar, mas foi o corte final da lista que Southgate elaborara, a afastar o sempre presente Harry Maguire e o diferenciado Jack Grealish que causou mais comoção. E a pergunta que se impõe é: afinal, qual é a melhor maneira de chegar ao sucesso? É pela constância ou pela revolução permanente? A resposta pode desiludir-vos mas a verdade é que isso é indiferente. Ali, o que importa é que as escolhas sejam feitas de acordo com um plano de jogo – e quem conhece o plano de jogo é, lá está, o selecionador.
Até Fernando Santos mudou mais de 50 por cento da equipa entre as fases finais do Mundial de 2014 e do Europeu de 2016, aquele que ganhámos. No trio de guarda-redes trocou Beto por Anthony Lopes. Entre os defesas não levou André Almeida, João Pereira, Ricardo Costa, Luís Neto e Fábio Coentrão, escolhendo antes Cédric, José Fonte, Ricardo Carvalho, Raphael Guerreiro e Eliseu. A meio-campo abdicou de Miguel Veloso, Raúl Meireles e Rúben Amorim para se reforçar com João Mário, Danilo, André Gomes, Renato Sanches e Adrien Silva. E para a frente chamou Quaresma, que não tinha ido ao Brasil, sacrificando Hugo Almeida, Postiga e Silvestre Varela. Foram 12 mudanças em 23 jogadores, mas com duas nuances. O Mundial de 2014 tinha corrido muito mal, com eliminação na fase de grupos, e o selecionador era outro, pois Santos rendera Paulo Bento após o arranque com derrota na qualificação para 2016. Por isso, lá está, mudou o plano. E em conformidade mudaram os jogadores, com mais médios e menos dois pontas-de-lança, papel que nos relvados franceses Santos confiou, numa lógica de mobilidade, a Ronaldo e Nani.
E a verdade é que não se encontra uma constante entre as equipas de sucesso nos últimos torneios. Em 2022, a Argentina foi campeã com apenas seis nomes (em 26) que não tinham estado nos 28 que um ano antes haviam ganho a Copa América: Rulli, Foyth, Enzo Fernández, Almada, MacAllister e Dybala. Estabilidade personificada por Lionel Scaloni, portanto. A Itália campeã europeia de 2020 (em 2021) não serve para a comparação, porque não tinha sequer estado no Mundial de 2018, mas a França de 2018, campeã do Mundo na Rússia, fez uma verdadeira revolução na equipa que tinha perdido com Portugal a final do Euro 2016. E até manteve o selecionador, Didier Deschamps, que de resto ainda lá está, mas operou um autêntico choque geracional no grupo, com a chamada de 14 jogadores que não estiveram na saga nos seus próprios estádios dois anos antes: Areola, Pavard, Kimpembe, Varane, Sidibé, Lucas Hernández, Mendy, Tolisso, Nzonzi, Lemar, Mbappé, Dembelé, Fekir e Thauvin. Já foi mais cautelosa e conservadora a Alemanha de 2014, mudando apenas sete nomes na equipa que estivera nas meias-finais do Europeu de 2012. Não admira, que o treinador manteve-se: Joachim Löw ficou no cargo entre 2006 e 2021. Mas nem a troca de treinador implica obrigatoriamente a mudança de um plano – logo, de um grupo – de sucesso. Entre o Europeu de 2008, que ganhou, e o Mundial de 2010, que também ganhou, a Espanha mudou de treinador, deixando sair Luis Aragonés e chamando ao cargo Vicente del Bosque. Manteve, no entanto, a ideia. E só chamou oito jogadores novos para a viagem à África do Sul. O mesmo Del Bosque, depois, entre o Mundial de 2010 e o Europeu de 2012, que os espanhóis voltaram a ganhar, convocou ainda menos novidades: somente quatro, com a curiosidade de uma delas ser Cazorla, um dos que estivera com Aragonés em 2008 e que ele excluíra do Mundial de 2010.
Um Europeu – ou um Mundial – é uma prova muito aberta, que se decide em sete jogos. Um dia mau e acaba-se o sonho. Não elege a melhor equipa da Europa – ou do Mundo – mas sim a que esteve melhor num sprint competitivo, naquele mês, naqueles sete jogos, mostrando a capacidade de escolher onde pode aparecer um pouco menos forte, que é na fase inicial. Um Europeu – ou um Mundial – não se ganha entrando a matar, porque isso implica muitas vezes sair a morrer. Ganha-se sendo muitas vezes pouco convincente de início e crescendo com os jogos, como o Portugal de 2016, que não venceu uma só partida da fase de grupos, ou como a Espanha de 2008 ou a Argentina de 2022, que começaram com derrotas confrangedoras. A dos argentinos, com a Arábia Saudita, é o exemplo perfeito do que quero dizer-vos, porque levou o conservador Scaloni a fazer as mudanças que se impunham dentro do seu ambiente mais controlado. Portugal vai para este Europeu com um grupo muito semelhante ao que foi jogar, sem brilho, o Mundial de 2022. Dos 26 que Fernando Santos levou ao Qatar, Martínez só abdicou de Raphael Guerreiro, Otávio (ambos lesionados), João Mário (que renunciou à seleção), William Carvalho, André Silva e Ricardo Horta, os três únicos nomes cuja exclusão aconteceu por escolha do responsável – e de um deles, o do capitão do SC Braga, Martínez até se penitenciou. Podiam ter sido quatro as alterações por opção, se Otávio não se tivesse magoado na última partida pelo Al Nassr e no lote não estivesse Matheus Nunes, chamado para a vaga que entretanto ficou disponível.
Em vez destes seis, o técnico espanhol chamou outros seis, como é natural. Nélson Semedo, Pedro Neto e Diogo Jota já faziam parte da seleção com Santos, mas estavam lesionados por alturas do Mundial do Qatar. João Neves ainda não se tinha estreado na equipa principal do Benfica: fê-lo no primeiro jogo após esse Mundial, crescendo depois com a saída de Enzo para o Chelsea. Francisco Conceição já tinha mais de 30 jogos pelo FC Porto, é verdade, mas só quatro como titular – e dois contra adversários mais frágeis, na Taça de Portugal. E só Gonçalo Inácio aparece como verdadeira inovação, mais até por opção difícil de explicar de Santos, que esteve sempre convencido de que o central do Sporting teria dificuldade para se adaptar a uma linha defensiva de quatro homens, do que por descoberta ou aposta surpreendente de Martínez. As pessoas podem não gostar da lista de Martínez – eu, por exemplo, apesar de ter algumas diferenças da minha lista para a do selecionador, do que não gostei mesmo foi dos argumentos que ele utilizou para justificar as suas escolhas –, mas é importante que ponham para trás das costas algumas ideias que não sobrevivem ao choque com a realidade. Não é mais verdade que o sucesso de uma seleção tenha relação com a quantidade de sangue novo que nela é injetado a cada convocatória do que o é que esse mesmo sucesso dependa de uma continuidade que aborrece quem vê. Depende. Como não é razoável que para um Europeu tenham de ser convocados os jogadores que mais rendimento mostraram durante a época, conforme já vi escrito e dito por muito comentador responsável. Têm de ser chamados, sim, aqueles que o responsável entender que cumprem melhor as missões que ele tem em mente. E são estas, as missões, o plano, que convém discutir. Vai ser nisso que por aqui me centrarei nas semanas que aí vêm.
O Maguire nao tem muito que se diga, foi afastado por lesão portanto, até podia ter sido o Kane.
Eu entendo o facto de se querer fazer uma equipa na selecção, mas discordo que não devam ser chamados quem tem melhor rendimento, não pode ser tão aberta que se muda tudo, salvo uma mudança generacional, nem tão fechado que os números, a forma, a "saúde", não importam. Numa prova tão pequena, chamar lesionados crónicos e jogadores que vieram de lesões graves, é irresponsável. Pedro Gonçalves é o Vitor Baia de Martinez, como antes era de Fernando Santos e isso é incompreensível.