O degredo de Sérgio Oliveira
Quais são as explicações para o degredo de Sérgio Oliveira na Turquia? Por que razão o FC Porto abdicou de um jogador que podia ser importante? E porque é que ele quis ir para o Galatasaray?
O degredo de Sérgio Oliveira no campeonato turco, onde vai vestir as cores do Galatasaray, está ainda por ser explicado, porque vai certamente muito para lá da tese que Jorge Jesus – também ele na Turquia, mas no Fenerbahçe – lançou há uns 15 anos e que defendia que se o futebol português não tomasse medidas sérias iriamos começar a perder jogadores que nos interessavam até para Chipre. O futebol nacional continua a adiar essas medidas, mas tanto Chipre como a Turquia deram um estoiro monumental, pelo que a questão, por muito que no-la queiram impingir como tal, não pode ser exclusiva ou predominantemente económica. E se eu entendia a tentativa do FC Porto colocar o jogador em Itália ou o interesse dele em ir para lá, a Turquia já me sabe a pouco para um médio que podia perfeitamente preencher uma vaga no meio-campo de Sérgio Conceição e cumprir o papel que em condições normais devia estar-lhe reservado, que é o de referência de um clube que começou a representar aos dez anos.
Sérgio Oliveira nunca teve uma carreira normal, porque sempre pareceu que podia ser muito mais do que aquilo que foi. A primeira vez que ouvi falar dele a sério, foi através de José Couceiro, quando o atual diretor técnico nacional entrou no Sporting, em 2010, como diretor desportivo. Couceiro fez um par de trocas de jogadores com o FC Porto e, embora mo tenha dito em “off-record”, mais de uma década depois creio que não cometo uma inconfidência grave se o citar: “Quem eu queria era o Sérgio Oliveira, mas esse o FC Porto não o deixa sair”. A verdade é que Sérgio Oliveira, que na altura tinha apenas 18 anos, tardou na afirmação no FC Porto. Andou pelo Beira Mar, pelo KV Mechelen, pelo FC Penafiel, pelo FC Paços de Ferreira, pelo FC Nantes... Sempre emprestado. E, apesar da tentativa de Peseiro, em 2016, só se afirmou no FC Porto com Sérgio Conceição, em 2017/18. Foi importante na reconquista do título de campeão nacional pelos dragões que o fair-play financeiro levou a buscar soluções dentro de portas, chegou à seleção nacional, com 26 anos, mas nem isso o impediu, na época seguinte, de somar mais um empréstimo, na ocasião ao PAOK Salónica, da Grécia. Nada disto entra nos cânones.
Este tardar da afirmação de Sérgio Oliveira terá naturalmente tido reflexo nos contratos que ele foi fazendo. Mesmo depois de renovar, a seis meses do final do vínculo que tinha em vigor, em Dezembro de 2020, na sequência de mais um título conquistado, o médio não ficou perto do topo salarial do clube – estaria ainda a cerca de um milhão de euros anuais de distância de Pepe, o mais bem pago do plantel. E igualmente atrás, não só de Uribe e Otávio, que eram importantes no onze, mas também de Grujic, Marcano ou Marchesín, muitas vezes suplentes. A renovação de 2020 cheirou a acordo de cavalheiros. O jogador é portista de coração e não quereria prejudicar o clube, saindo a custo zero como tantos outros tinham feito, mas o FC Porto desde logo se comprometeria a deixá-lo sair para uma realidade mais proveitosa e até a patrocinar essa solução. Foi assim que, em atacado com Corona, surgiu o caso Gattuso-Fiorentina. O treinador italiano queria os dois jogadores, assinava por baixo transferências que o dono do clube considerou estarem muito acima do seu valor real e necessário, e foi despedido sem disputar sequer um jogo de pré-época por suspeitas de conluio com o agente implicado, que era Jorge Mendes. Os dois jogadores ficaram pendurados – sendo que Corona nem tinha renovado – o que levou a que Sérgio Conceição praticamente tivesse abdicado deles na forma de preparar a época passada e a que, no mercado de Janeiro, ambos tivessem saído. Corona foi vendido baratinho para o Sevilha FC – era o possível... – e Sérgio Oliveira emprestado à AS Roma.
O busílis da questão foi que, terminada a época, apesar da importância que Sérgio Oliveira teve na campanha que levou os romanos ao sexto lugar da Serie A e à vitória na Conference League, José Mourinho – também próximo de Jorge Mendes – não fez de Gattuso. A equipa italiana não quis pagar os 13 milhões de euros da opção de compra e Sérgio Oliveira viu-se de regresso à base. Até aqui compreendo – ou julgo compreender – tudo o que se passou. O que me escapa ao entendimento foi o que sucedeu a seguir. O FC Porto vendeu Vitinha ao Paris Saint-Germain, por 40 milhões de euros, o que podia tornar Sérgio Oliveira não só importante como necessário. Falamos de um jogador que entrou no FC Porto em 2002 para jogar nos sub11, uma referência do clube. De um médio internacional português, que ainda há um ano esteve na fase final do Europeu e foi importante na chegada do FC Porto aos quartos-de-final da Liga dos Campeões – foi dele, por exemplo, o golo de livre que eliminou a Juventus de Cristiano Ronaldo.
Qual é o racional da sua saída, por três milhões de euros, para o Galatasaray? O compromisso que julgo adivinhar ter existido para o deixar sair? Mas não deveria isso aplicar-se apenas a saídas para uma situação melhor? E da parte do jogador? Qual é a ideia? Percebia que ele quisesse ir jogar para a Serie A, onde até mostrou que podia ser útil. Mas para a Turquia? Para um Galatasaray em crise, que foi 13º no último campeonato e nem sequer vai estar nas competições europeias? Sérgio Oliveira irá ganhar na Turquia mais um milhão de euros anuais do que lhe daria o seu contrato com o FC Porto. É muito dinheiro para qualquer um de nós, mas não é assim tanto para quem já ganharia 1,7 milhões ao ano. Será isso suficiente para justificar este recuo no nível competitivo, a adaptação a uma vida num país radicalmente diferente e até, quem sabe, a abdicação da luta por uma vaga entre os eleitos de Fernando Santos para o Mundial? A mim parece-me que não. E é por isso que este degredo carece de explicação.
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