O sistema está errado
Há uma coisa, que é o regulamento. E depois há outra, que é a prática. Um clube não pode assinar com um jogador que não esteja nos últimos seis meses de contrato. Mas pode fazer-lhe a cabeça.
Anda toda a gente a ver o que quer nas palavras de Di Maria – e, francamente, o que mais me interessa ali não é o que deixa os adeptos a bater no peito. O extremo argentino voltou este ano ao Benfica e estou convicto de que fez a melhor escolha para a sua carreira, por mais milhões que lhe quisessem despejar em cima na Arábia Saudita. Milhões já ele terá muitos, que aos 35 anos já jogou no Real Madrid, no Manchester United, no Paris Saint-Germain e na Juventus. E, francamente, comparar a opção do argentino com a de qualquer jovem jogador ainda a pensar na vida e na edificação de um património que o deixe confortável perante o futuro fora dos relvados e fazê-lo para medir o amor que cada um tem ao clube chega a ser boçal. Não sei nem me interessa se Di Maria gosta mais do Benfica do que André Amaro do Vitória SC, Gabri Veiga do Celta Vigo ou até Otávio do FC Porto. Estes saíram todos em busca do seu primeiro grande contrato. A parte que me interessa nas palavras de Di Maria é a parte em que ele se refere às propostas que recebeu e diz que “a tentação é enorme, porque os números que oferecem são incríveis”. E este “incríveis” não é para ser medido na minha escala ou na sua – é na escala Di Maria. Portanto há-de ser qualquer coisa assim muito para lá de mirabolante para mim ou para si, provavelmente mais dinheiro de uma vez do que o que veremos em toda a vida. Acontece que se no caso de Di Maria ele até acabava contrato e estava livre para assinar com quem quisesse, muitos dos jogadores que estão a chegar à Liga Saudita este ano estão a fazê-lo no seguimento de negociações com os clubes detentores dos seus passes, onde exerciam a sua atividade. E há o caso Salah, que está a marcar a atualidade em Inglaterra. Salah tem contrato por mais dois anos com o Liverpool FC, que já comunicou que não quer ceder às investidas do Al-Ittihad. Os sauditas ofereceram 60 milhões de euros ao clube e não há jornal que não dê conta de uma proposta salarial de 180 milhões ao jogador, por dois anos de ligação. Na escala Di Maria, que não há-de ser assim tão diferente da escala Salah, são seguramente “números incríveis”. Números capazes de deixar qualquer um com a cabeça à roda e menos focado no contrato que tem. E este é apenas mais um sinal de alerta para a FIFA entender que o atual regulamento que rege o estatuto e as transferências dos jogadores já se tornou obsoleto. A bíblia do mercado internacional, que viveu uma alteração revolucionária após o caso-Bosman, na década de 90, tem sido alvo de retoques frequentes, houve uma altura em que parecia perfeita, mas do que precisa neste momento é de ser repensada de cima abaixo, porque a realidade já a superou em vários aspetos. De que serve impedir os promitentes compradores de negociar com os jogadores ainda sob contratos sem a autorização do empregador se no Mundo global de hoje tudo se sabe relativamente ao que eles estão dispostos a oferecer a uma velocidade extraordinária? De que serve ter períodos fixos para que o mercado funcione se depois esses períodos fixos são diferentes de país para país? – e esta vai ser a ralação de Setembro, quando o mercado já tiver fechado na Europa e ainda ficar aberto por mais três semanas na Arábia Saudita. Será que vamos ter uma espécie de objetores de consciência na primeira jornada da Champions, que começa precisamente um dia antes do encerramento do mercado saudita? Ciclicamente acontece isto: o engenho humano faz com que o sistema fique ultrapassado. E a maneira de andar para a frente não é tornar os humanos menos engenhosos. É mudar o sistema.
Ainda os milhões. Por falar em milhões, tanto em Itália como em Portugal se garante que Beto, o avançado da Udinese, está na lista do Everton, que já teria colocado 25 milhões de euros em cima da mesa para levar o antigo jogador do Portimonense. Isto um par de semanas depois de já ter batido 15 milhões para ter Chermiti, promissor jovem que faz a mesma função e foi contratado ao Sporting. Em Inglaterra, o Everton também é notícia, mas por estar aflito de finanças. O dono do clube, Farhad Moshiri, não está a conseguir cumprir os pagamentos periódicos a que se comprometeu para a construção do novo estádio e viu um potencial novo parceiro, o MSP Sports Capital – que é dono do Estoril, por exemplo – recuar à última hora na compra de 25 por cento das ações por 175 milhões de euros. Como diz o aforismo, “há aqui qualquer coisa errada que não está certa”.
A estocada final. Os espanhóis gostam de toiros de morte e valorizam a estocada final, aquele momento em que o matador encara o animal nos olhos e lhe enfia a espada entre os ombros para terminar a lide. Pois a estocada final em Jose Luis Rubiales, o marialva do momento, quem a deu foi a FIFA. Os sindicatos de jogadoras, o Conselho Superior de Desporto, até o próprio governo espanhol, pela voz de algumas ministras e depois até de Pedro Sánchez, funcionaram como os bandarilheiros, que volta-não-volta vão até à arena fustigar o bicho com mais um par de farpas no dorso. Até eu, que não sou aficionado mas que, sendo natural de Coruche, cheguei a ir a várias touradas em miúdo, me lembro que no momento culminante – que na tourada à portuguesa é a pega de caras – havia imensa gente só a ver, naquele corredor por onde entram e saem os artistas, o que me fazia alguma confusão. Pois esses espectadores passivos foram os dirigentes do futebol espanhol em geral, calados até ao fim. Até que chegou a FIFA e abriu um expediente disciplinar inédito ao presidente da Federação Espanhola por comportamento indecoroso na tribuna de honra. Não sei se o olhar de Rubiales quando soube disso se assemelhou ao vazio que os matadores dizem ver nos olhos do toiro quando lhe dão a estocada final, mas o efeito é o mesmo. Acabou.
O patamar dos B. No mesmo dia, o Sporting emprestou dois dos seus mais promissores sub19, os médios Mateus Fernandes e Samuel Justo, que vão jogar no Estoril e no Casa Pia. A decisão faz sentido, porque os poucos minutos que os miúdos iriam ter na equipa principal não seriam suficientes para os fazer crescer em competição, mas a questão é que é precisamente para isso que servem as equipas B, que além disso não apresentam o risco inerente a um menor acompanhamento, que terá estado na origem da regressão de Gonçalo Esteves, por exemplo. O problema, se visto do ângulo em que o vê o Sporting, é que a sua equipa B está um patamar abaixo das de Benfica e FC Porto, na Liga 3, e a competição ali não será a suficiente para tirar dos miúdos aquilo que Rúben Amorim pretenderá ver neles a médio prazo. E é precisamente aqui que está o paradoxo em que os leões se deixaram cair quando a SAD optou por deixar cair os B. A Liga 3 é curta para eles crescerem, mas se os melhores de entre eles tiverem de sair em busca de competição a equipa vai andar mais vezes a lutar para não cair num escalão ainda mais abaixo do que a encarar a possibilidade de se juntar a águias e dragões na Liga 2. A questão é: em que momento colocar o ponto zero? Que grupo de jogadores sacrificar para emendar uma má decisão e dar condições às gerações futuras?
Vamos trocar o nome di maria por ronaldo e Benfica por sporting! Qual é a diferença entre o di maria e o Ronaldo nesse caso? Opções, apenas dinheiro ou não houve porta aberta no sporting