O que traz Arthur
Arthur foi a rápida resposta do Benfica à perda de Ramos. O brasileiro é um avançado diferente do algarvio, e isso vem consumar algo que já se adivinhava: o futebol de Schmidt vai ter de mudar.
Foi rápido, o Benfica, a mexer-se na substituição de Gonçalo Ramos – e isso ter-lhe-á custado se calhar uma mala cheia de dinheiro, que nem os italianos esperavam que alguém aparecesse com 20 milhões de euros por Arthur Cabral. Talvez Rui Costa pudesse garantir o jogador por menos, se optasse por ser mais paciente, mas já se sabe o que isso implicaria: que ele ia demorar a chegar e já não estaria disponível para as primeiras semanas do campeonato, o que equivalia a dizer que o Benfica estaria a relegar para segundo plano os seus objetivos desportivos. E não deixa de ser interessante que os maiores clubes portugueses tenham hoje a capacidade para chegar a Itália e contratar gente que não é propriamente dispensável na Serie A. Tal como Hjulmand, que estará a caminho do Sporting, foi fulcral no meio-campo do US Lecce, Arthur foi o melhor marcador da Fiorentina, mesmo só tendo sido titular em 15 das 38 jornadas que teve o campeonato. Arthur é um jogador mais parecido com Petar Musa do que com Gonçalo Ramos: mesmo numa equipa que não foi tão dominadora como o Benfica, foi mais homem de área, finalizador e forte no ar que o algarvio, mas ao mesmo tempo não foi tão participativo no jogo coletivo e, sobretudo, não é tão fiável nas ações defensivas. A sua integração no ataque ao dispor de Roger Schmidt vem de certa forma uniformizar o perfil dos pontas-de-lança, lote onde agora vão caber o brasileiro, o croata e o dinamarquês Tengstedt. E isso abre ainda mais a curiosidade acerca do Benfica de 2023/24. Pela pré-temporada, já se viu que o treinador alemão pretende manter-se fiel à forma de jogar que lhe valeu a conquista do título e uma passagem muito meritória pela Liga dos Campeões, mas de caminho terá de introduzir-lhe nuances que facilitem a integração dos novos elementos sem perder fiabilidade. Nem Jurasek nem Ristic dão aquilo que dava Grimaldo no ataque, embora tanto um como o outro possam até ser mais competentes na cobertura defensiva da sua zona. Nenhum dos pontas-de-lança parece ter condições para ser o que era Ramos, na verdade o primeiro defesa, pela forma como impunha a sua presença em transição e até em organização defensiva, mas qualquer deles parece mais forte tanto em resposta aos cruzamentos que o algarvio quase só atacava ao primeiro poste, como na busca da profundidade em que o brasileiro é perito. O que leva a pensar se Di Maria faz mais sentido à direita, onde tem jogado sempre nos últimos anos, ou à esquerda, onde alinhou na final do Mundial, para surpresa de toda a gente. E esse não é o único detalhe a envolver o canhoto argentino: se à sua chegada corresponder ainda, como parece para já provável, a manutenção de Rafa e João Mário no trio de apoio ao ponta-de-lança, baixando Aursnes no campo, como é que o Benfica manterá a agressividade e a inteligência posicional no momento de perda de bola? Fará sentido baixar João Mário para perto de Kokçu, para facilitar o momento de reação à perda com o norueguês mais alto no campo? As equipas, já o escrevi muitas vezes, são organismos vivos e acabam por evoluir de uma realidade para outra através da adaptação. Mas há muita coisa para ver neste novo Benfica.
Teste ao SC Braga. O SC Braga começa hoje a caminhada na Liga dos Campeões e não há duas maneiras de olhar para o jogo com o Backa Topola, surpreendente segundo classificado do campeonato da Sérvia: será um duplo teste, primeiro à profundidade do plantel garantida por António Salvador com as movimentações deste defeso e depois à maturidade futebolística do conjunto de Artur Jorge, na época passada sempre certinho até que o nível se elevava, mas insatisfatório quando isso sucedia. Os sérvios talvez ainda não sejam uma barreira de um nível capaz de criar grandes obstáculos, mas o sorteio de ontem ditou que, caso superem esta fase, logo a seguir, entre os minhotos e os milhões da Champions haja uma equipa da dimensão do Olympique Marselha – ou do Panathinaikos, o que parece menos provável, face à campanha de reforços do emblema liderado por Marcelino García Toral. O SC Braga foi um justo terceiro classificado na nossa Liga, por ter sido quase sempre implacável com os adversários pequenos e médios, mas só ganhou um dos nove jogos que fez com os outros três grandes (empatando três vezes). Na Europa, empatou e perdeu com a Union St. Gilloise e foi duas vezes batido pela Fiorentina, uma delas depois de ter estado a ganhar por 2-0, com os italianos a gerirem os 4-0 que tinham levado da Pedreira. Este SC Braga tem de dar mais para justificar o estatuto de quarto grande que tem vindo a reclamar para si. Precisa de voltar ao início da década passada, à equipa que jogou a final da Liga Europa com o FC Porto e que depois bateu o Sevilha FC no playoff da Champions. Este ano é tão bom como outro qualquer para lá regressar.
Mourinho mau, Mourinho bom. Se é verdade que os insultos de José Mourinho a Anthony Taylor na sequência da final da Liga Europa, em Budapeste, cuja propagação levou ao ataque descontrolado de adeptos da AS Roma ao árbitro inglês no aeroporto, foram das piores coisas que vi a um agente do futebol nos últimos tempos, não é menos certo que o treinador português não é sempre um hooligan incorrigível. Na foto de grupo que ele tirou, no final do estágio, deixando um lugar vago – que há-de ser do ponta-de-lança que ainda não chegou – eu vi o Mourinho do início, o Mourinho capaz de pôr a inteligência ao serviço de um sentido de humor refinado. É certo que o futebol de hoje é palco da constante busca de polémicas, que a entrevista dada por Mourinho ao Corriere dello Sport vem colocar alguma distância – formal, dirá ele, estranha, digo eu – entre o treinador e Tiago Pinto, o diretor desportivo português da AS Roma dos Friedkin, mas não deixa de ser bizarro que um clube da magnitude da AS Roma não seja capaz de garantir o avançado que lhe faz falta para atacar os objetivos a que se propõe – chegar a uma posição de Liga dos Campeões. Ou que já canse a duração excessiva da novela Marcos Leonardo, o jovem atacante do Santos FC que o Transfermarkt avalia em 17 milhões de euros e por quem a AS Roma terá oferecido 12 (mais seis em objetivos). Perante isto, ao mesmo tempo que diz que se o jogador chegar amanhã “já perdeu 28 dias de trabalho, 31 treinos e seis jogos, mais reuniões de análise tática”, Mourinho ainda se riu para foto. Porque rir, neste caso, tem de ser o melhor remédio.