O que procuro nesta seleção
Portugal joga hoje com a Nigéria, no ensaio geral para o Mundial. É importante olhar para o jogo de forma informada, a saber aquilo que procurar. Aqui deixo algumas ideias para essa busca.
O Portugal-Nigéria de hoje (18h45, RTP1) vai servir para muita coisa, mas não para se avaliar em que condições a seleção nacional chega a este Campeonato do Mundo. O futebol mudou muito desde a estreia de Portugal numa fase final, em 1966, quando ganhou todos os cinco jogos de preparação que fez até ao terceiro lugar do Mundial, e algumas das nossas melhores presenças seguiram-se a ensaios gerais sofríveis. O jogo de hoje servirá para reabituar estes jogadores uns aos outros, eventualmente para olear algumas sociedades e, sobretudo, para dar minutos a quem precisa e fazer repousar quem está mais rodado. Ainda assim, há algumas perspetivas interessantes para podermos olhar para a equipa que Fernando Santos fará jogar mais logo. Aqui vos deixo algumas.
Já se sabe, porque o selecionador o anunciou, que Cristiano Ronaldo não joga, por causa de uma gastrite que já o fez falhar o treino de ontem. Não será, portanto, possível ver como é que ele está e que sensações provoca a sua associação às demais figuras da equipa. Mas esta é uma possibilidade de perceber como estão os outros candidatos à posição de avançado pelo meio e até que ponto as caraterísticas deles encaixam na equipa. Pode o meio-campo dialogar melhor com o futebol igualmente muito dado a movimentos de apoio mas mais fixante de André Silva? E com o jogo muito mais móvel de João Félix? É possível jogar com Félix como avançado de referência? Será interessante de ver, ainda que nunca conclusivo. Como assim? E se um deles faz, imaginemos, um hat-trick? Haverá condições para depois o retirar do onze para a estreia no Mundial, de hoje a uma semana, contra o Gana? Sim. Embora tenha ontem reiterado que não se sente “obrigado” a colocar Ronaldo como titular no Mundial, ainda no ano passado Fernando Santos mudou quatro jogadores entre o onze que fez alinhar no último jogo de preparação, um 4-0 a Israel, e a estreia no Europeu, os 3-0 à Hungria. E se há três anos, no último Mundial, fez apenas uma alteração entre os 3-0 à Argélia e os 3-3 com a Espanha, em 2016, antes do Europeu, trocou três jogadores entre os 7-0 à Estónia e o 1-1 com a Islândia. Rara é a situação em que o onze apresentado no último desafio particular e na estreia na fase final coincide inteiramente. Na seleção portuguesa, tal já não se verifica desde 2008, quando Scolari apostou nos mesmos jogadores no último apronto e na estreia no Europeu.
Colocada de parte a possibilidade de testar contra um adversário que simule o Gana – entre a Nigéria e o Gana, a única semelhança será o facto de ambos virem do mesmo continente – há também que afastar a ideia de que o jogo será um teste ao rendimento. Ganhar o ensaio geral não implica uma boa fase final – e perdê-lo também não significa que o desastre esteja iminente. Claro que o resultado vai influenciar a psique coletiva, muito mais dos adeptos do que dos jogadores, mas isso também não será conclusivo. Nos 31 jogos de preparação que fez antes das 15 fases finais em que já esteve envolvido, Portugal ganhou 23, empatou seis e só perdeu dois, um com a Turquia antes de chegar às meias-finais do Europeu de 2012 e outro contra a Jugoslávia antes de atingir igual fase do Europeu de 1984. As eliminações na fase de grupos em 2002 e 2014 sucederam-se a fases de preparação sem quaisquer derrotas e a de 1986 aconteceu num ano em que Portugal nem sequer disputou jogos de preparação depois da convocatória final do selecionador – algo criticado até pelos jogadores, no comunicado que veio esfregar nos olhos do público o caso Saltillo. Portanto, ainda que seja normal que a um bom resultado hoje se suceda um clima de euforia e que um mau resultado conduza os portugueses à depressão generalizada, não será por se ganhar ou perder hoje com a Nigéria que se vai perceber se a seleção está destinada a uma saída prematura do Mundial ou a ser campeã do Mundo.
O que vale a pena procurar, então, se não é o momento individual ou coletivo? Ver como os novos sentem a camisola? Não, porque uma coisa é um amigável com a Nigéria e outra, bem diferente, um jogo de fase final do Campeonato do Mundo. Eu vou ver o jogo à procura das dinâmicas. Quero entender se a equipa está preparada para se adequar ao jogo mais longo de Diogo Costa ou se prefere uma construção baixa, para a qual o guarda-redes do FC Porto também está preparado. E se assim for quem vai estar envolvido. Perceber qual é a ideia de Fernando Santos para o meio-campo, tanto com como sem a bola. Se a ideia passa por fazer os médios jogar mais por dentro, para dar os corredores aos dois laterais no momento ofensivo, e em que é que isso depois redunda em momentos de transição defensiva, que como em todos esses esquemas de meio-campo mais interior exige uma elevada capacidade de pressão na frente. Perceber quais serão os níveis de agressividade e o rigor posicional sem bola de uma equipa que – e não tenho nada contra – passou a privilegiar um médio-centro mais construtor em detrimento de um que se encoste aos centrais e privilegie a marcação em organização defensiva. Perceber se há uma estratégia para potenciar o futebol explosivo de Rafael Leão, muito diferente do futebol feito de sprints em pantufas de Diogo Jota, mas que pode ser uma arma decisiva para se fazer um bom Mundial. Perceber se há uma ideia para tirar o melhor de Bernardo Silva, Bruno Fernandes e Vitinha e até que ponto isso não deixa a equipa órfã da capacidade de pressão e de meter passes de rotura de Otávio.
Há muita coisa para ver no jogo de Portugal. Importante é saber o que se procura.
Ontem, pode ter-lhe escapado:
Quer assistir ao vivo, no The Couch, às conversas com convidados do programa O Mundial Vai ao BAR? Quer participar em tertúlias sobre futebol? Ou ouvir os textos em vez de os ler? Isso é possível. Basta aceder ao convite, ao meu servidor de Discord ou ao meu canal de Telegram, nos links para subscritores Premium, aqui em baixo:
Continue a ler com uma experiência gratuita de 7 dias
Subscreva a António Tadeia para continuar a ler este post e obtenha 7 dias de acesso gratuito ao arquivo completo de posts.