A harmonia entre Varandas e Amorim
O presidente do Sporting garantiu que se fosse hoje pagaria ainda mais por Rúben Amorim, que quer manter. Mas não convenceu plenamente quando garantiu a harmonia entre a administração e o treinador.
Frederico Varandas mostrou-se ontem plenamente satisfeito com o trabalho desenvolvido por Rúben Amorim à frente da equipa do Sporting e, em entrevista à RTP, afirmou que, “se fosse hoje”, pagaria ainda mais para ter o treinador que em 2020 foi buscar ao SC Braga por dez milhões de euros. O presidente leonino deixou ainda implícito que quer mesmo renovar o contrato do técnico, ao dizer que este “já sabe o que o clube quer a partir de 2024” e que uma má época desportiva não pode vir pôr em causa tudo o que Amorim já construiu. Seriam boas notícias para os leões, assim houvesse a certeza de que toda a gente está em sintonia acerca do que deve ser o futebol do clube. Até pode ser que assim seja, mas tendo em conta a forma como Varandas meteu os pés pelas mãos na questão Matheus Nunes, não fiquei com essa certeza.
Quando foi questionado acerca da venda de Matheus Nunes abaixo do valor da cláusula de rescisão em semana de clássico com o FC Porto – e a decisão corajosa de escolher jornalistas independentes para dar entrevistas em vez de as conceder aos meios do clube pode sempre ter este ricochete... –, Varandas desviou a conversa para as vendas dos rivais, respondeu com generalidades acerca do projeto e fez uma constatação nascida numa realidade alternativa, aproveitando o relativo desconhecimento dos espectadores acerca dos mecanismos do “fair-play” financeiro. Pouco importa para o caso quem é que o Benfica ou o FC Porto tiveram de vender ou que o presidente do Sporting agite como legitimadores os Relatórios e Contas – até porque ele próprio, em outras alturas da entrevista, se referiu ao elevado investimento feito por esses mesmos rivais. O que ali estava em causa não era o propósito genérico que o Sporting tem de ser um clube formador ou a necessidade genérica dos clubes nacionais terem de vender os seus melhores talentos. E muito menos era o risco de entrar em incumprimento das cláusulas do “fair-play” financeiro, porque esse risco – e aqui até há mérito da equipa encabeçada por Varandas – pura e simplesmente não existe. Não existe de acordo com as regras antigas deste mecanismo nem existirá nos próximos anos, porque a UEFA decidiu reformulá-lo.
Primeiro porque o Sporting vinha de dois exercícios positivos (o de 2019/20 e o de 2021/22), apresentando um resultado positivo a três anos de quase cinco milhões de euros. Depois, porque a venda de Matheus Nunes já não entrou no último Relatório de Contas e só entrará no relativo ao exercício de 2022/23, que a administração ainda tinha uns largos meses para viabilizar, preferencialmente sem pôr em causa objetivos desportivos mais imediatos. Depois, ainda, porque as novas regras do fair-play financeiro, que entram este ano em vigor, vieram aligeirar as obrigações dos clubes, que no período de três anos de transição pós-pandemia estão autorizados a perder um total de 60 milhões de euros – ainda que, naturalmente, não seja objetivo de Varandas ter a SAD a dar prejuízo. Finalmente, porque uma das inovações das novas regras é a introdução de uma cláusula que impede os clubes de gastar, em salários, transferências e comissões – e não em infraestruturas, que não contam... – mais de 70 por cento das suas receitas. Portanto, até porque Matheus Nunes não teria seguramente um salário entre os mais caros do plantel, todas estas constatações aconselhariam, pelo contrário, à sua manutenção e nunca à sua venda apressada. Quanto mais não fosse para ser transferido mais à frente, quando a sua saída não torpedeasse os interesses desportivos da equipa.
Há uma série de explicações plausíveis para o jogador ter sido negociado já – e nenhuma delas tem rigorosamente nada que ver com o “fair-play financeiro”. A identificação da correta podia ter transformado uma entrevista que foi globalmente boa numa maior tranquilização dos sócios. Não daqueles que fazem da maledicência o desporto favorito, mas a esses Varandas nunca os ganhará nem está preocupado com isso. Matheus pode ter saído por necessidades de tesouraria – o que de certa forma contraria a narrativa de um clube recuperado depois da crise que viveu. Pode ter sido para o Sporting ter capacidade para resgatar as VMOC e passar a ter uma maioria ainda mais ampla na SAD, na sequência do aumento de capital – e aí a questão é a de se saber o que o clube vai querer fazer com esta maioria. Pode ter sido por um excesso de cautela, temendo os responsáveis que o jogador se magoasse ou desvalorizasse no decorrer da temporada e optando por garantir logo em Setembro que o próximo Relatório de Contas volte a estar no verde. Ou pode até ter sido em nome de um compromisso com o agente Jorge Mendes, que nesse caso terá mais a dizer acerca da gestão do Sporting do que seria saudável.
Ora, qualquer destas razões é válida – a quarta não é assim tão válida como as outras, mas sabe-se como é que Mendes trabalha e só trabalha com ele quem quer... –, mas é aqui que deixo de ter certezas acerca da propagandeada sintonia entre a SAD e Rúben Amorim. E isso é o que me falta para ter a certeza de que a equipa liderada por Varandas tem a capacidade de executar aquilo em que acredita: que uma má época – e esta está a ser uma má época – não é razão para deitar tudo por terra e começar de novo do zero.