O que nos disse o dérbi
Benfica e Sporting empataram, o que serviu aos leões para atingirem a final da Taça de Portugal. Mas o dérbi de ontem, excelente por sinal, disse-nos muita coisa acerca do que esperar para a reprise.
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O Sporting está na final da Taça de Portugal e atingiu-a na sequência do jogo em que, nas cinco tentativas, com três empates e uma vitória para cada lado, viu o Benfica de Roger Schmidt criar-lhe mais dificuldades. A complexidade do futebol leva a que os dados sejam evidentes, mas que as suas explicações possam divergir – e é isso que os dois treinadores terão de avaliar nos quatro dias até à repetição do dérbi, que as duas equipas voltam a defrontar-se, agora na Liga, já no sábado. Rúben Amorim foi taxativo quando disse, ontem à noite, que a vantagem psicológica do apuramento pode esfumar-se nas “sensações do campo”, bem consciente de que é improvável que repita o desfecho positivo com as mesmas variáveis, e até teve de voltar atrás no discurso várias vezes, para não parecer excessivamente crítico dos seus jogadores, que “souberam agarrar-se” ao que tinham e segurar a eliminatória. Schmidt centrou-se na eficácia e nas arbitragens – e se é isso que querem discutir, sugiro que passem ao Futebol de Verdade Flash, que é lá que o tema é sempre abordado – mas ganhava mais em passar já ao trabalho que seguramente vai fazer, o de tentar entender por que razão teve pela primeira vez uma superioridade clara sobre o Sporting de Amorim e de antecipar as contra-medidas que este poderá pôr em campo no sábado.
Os dados são claros – e aqui socorro-me dos que são fornecidos pelo Goal Point. O de ontem foi, nos cinco dérbis entre Amorim e Schmidt, aquele em que o Benfica protagonizou mais ações na área: 41, face a um máximo de 34 e uma média de 25 nas quatro partidas anteriores. Foi, também, aquele em que o Benfica mais rematou: 21 vezes, face a um máximo de 18 e a uma média de 12,7 nas quatro ocasiões passadas. Foi ainda, por fim, aquele em que o Benfica conseguiu mais ações defensivas no meio-campo adversário: 27, tantas como no primeiro dos cinco confrontos, sendo que este é o indicador que menos variou. Os números do Sporting são naturalmente condicionados pelo facto de ter marcado sempre primeiro, de totalizar já 212 minutos em vantagem contra apenas um do adversário – aquele minuto dos descontos do 2-1 na Luz, para a Liga, esta época, foi o único em que o Benfica de Schmidt esteve na frente do marcador face ao Sporting de Amorim, tendo valido uma vitória – e de ter passado 39 minutos a segurar um golo de avanço em inferioridade numérica, por expulsão de Gonçalo Inácio. Não se verifica, por isso, um desvio tão significativo nos comportamentos dos leões, que tinham tido um jogo com menos ações na área do que as 19 de ontem (o primeiro 2-2 na Luz), três com menos remates do que os 15 tentados ontem e dois com menos ações defensivas no meio-campo adversário do que as 11 de ontem.
Estabelecido que o jogo de ontem foi aquele em que o Benfica de Schmidt mais dificuldades causou ao Sporting de Amorim, é altura de debater as razões para que isso se tenha verificado. E é aqui que a coisa se complexifica. Uma das razões mais evidentes foi o acerto da segunda linha de pressão do Benfica: João Neves e Florentino, bem auxiliados pela leitura de Aursnes e Bah, estiveram sempre muito fortes a morder a chegada da bola aos elementos leoninos que deviam receber entre linhas para lançar ataques (Trincão, Paulinho, até Hjulmand durante uma primeira parte em que só Bragança deu oxigénio ao Sporting com bola). Outra foi a facilidade com que Rafa e Tengstedt ganhavam segundas bolas depois dessas divididas – e aqui houve uma ligeira adaptação estratégica de um Schmidt de quem se diz que despreza esse vetor, mas que ontem colocou os dois atacantes a jogar muito de fora para dentro, de maneira a que não ficassem escondidos atrás dos médios leoninos e emparedados entre estes e os centrais. E por fim houve a grande facilidade com que o Benfica conseguia encontrar a largura no seu jogo, indo com frequência de um lado ao outro e dando, por exemplo, a Di María, a hipótese de receber com espaço para encarar o um-para-um. Ora é aqui que se aplica a famosa máxima que diz que uma equipa só joga o que a outra deixa jogar e se colocam travões à ideia de que a Schmidt bastará fazer igual no sábado para ganhar.
É que, do outro lado, Amorim percebeu logo nos primeiros 45 minutos uma boa parte do que a equipa estava a fazer mal – e mudou algumas coisas. A superioridade do Benfica no jogo de ontem pode ser parcialmente explicada com um défice de agressividade dos jogadores que o Sporting tinha na frente – Trincão só ganhou um de oito duelos contra Aursnes e João Neves, por exemplo – e que os levava a perderem muitas bolas quando baixavam para jogar entre as linhas, mas não foi aí que o treinador leonino mexeu. Mexeu atrás, porque a maior explicação para esta questão estava no excesso de pausa que os três de trás dos leões estavam a meter no início de organização, o que não só ajudava a pressão encarnada como contagiava o jogo de quem estava à frente com uma letargia que se refletia nos momentos sem bola. A primeira parte é fácil de explicar. O que torna a pressão eficaz é a capacidade de chegar a tempo à zona onde a bola está em disputa. Ora, quanto mais lenta é a saída, mais tempo se dá ao adversário para organizar essa pressão. Claro que a presença de Florentino e Neves na dupla de meio-campo do Benfica importa, porque são dois jogadores de enorme capacidade defensiva, mas a forma como o Sporting estava a reagir ao facto de o Benfica não apertar na frente, baixando o ritmo, a cobro da vantagem que trazia da primeira mão, também ajudou. Com Saint Juste o Sporting teve mais verticalização e velocidade para poder controlar a profundidade, jogando mais alto. Com Geny Catamo teve mais um-para-um de forma a sair da pressão na direita – Matheus Reis foi a compensação para fechar do outro lado. E o jogo do Sporting melhorou: vejam-se, por exemplo, as diferenças flagrantes entre a primeira e a segunda parte feitas por Hjulmand.
A segunda parte da questão é ligeiramente mais complexa e transporta-nos para o dérbi de sábado. A razão pela qual este Sporting tem tido muitas vezes dificuldade em segurar golos de vantagem está relacionada com uma falta de maturidade tática e competitiva que impede a equipa de distinguir redução de intensidade ofensiva com baixa da intensidade defensiva. A pausa que os leões estavam a pôr no jogo levava depois a um comportamento deficitário em termos de agressividade defensiva, permitindo ao Benfica muita bola descoberta, muito lance de aceleração no espaço, a começar em receções livres de adversários por perto. Creio que no sábado Schmidt vai entrar igual no dérbi. A grande dúvida é acerca da forma como entrará Amorim: se tranquilo, a gerir o ponto de avanço, ou guloso, à procura de o alargar. É que se o Benfica encontrou finalmente o seu ponto de equilíbrio, parece evidente que o Sporting perde o seu se entra em modo de gestão.