Roda o palco
Temos de recuar 42 anos para ver um início de época abordado pelos três grandes e pelo SC Braga com treinadores novos. E neste momento estamos mais perto disso do que de outra coisa.
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Faltam dois meses para o fim da época, ainda não há campeão, conheceremos hoje o primeiro finalista da Taça de Portugal e o futuro das quatro equipas mais fortes da Liga está na ordem do dia em função das escolhas que terão de fazer para os respetivos comandos técnicos. Ainda ontem, certamente percebendo que o interesse do SC Braga na sua manutenção em funções se deve muito à vontade de fazer render a cláusula de rescisão, face ao interesse do Botafogo, Artur Jorge pontuou a goleada ao Portimonense com uma declaração definitiva: “claramente, foi o meu último jogo pelo SC Braga”. No mesmo dia, a entrevista de Pinto da Costa à SIC permitiu que se adensasse a intriga em torno da continuidade de Sérgio Conceição no FC Porto e Rúben Amorim até brincou quando foi confrontado, em conferência de imprensa, com as notícias acerca da busca que o Sporting já terá começado por um substituto, assumindo que ele vai mesmo sair para o Liverpool FC. Sobra Roger Schmidt – mas em relação à continuidade do alemão na Luz serão mais esclarecedores os dias que aí vêm, a começar já pela noite de hoje, quando a equipa receber o Sporting na segunda mão da meia-final da Taça de Portugal, e com ponto alto no sábado, quando for a Alvalade jogar pela possibilidade de recuperar o topo da tabela.
Dos quatro, na verdade, só Sérgio Conceição acaba contrato este ano – e ele até já viu os dois principais candidatos a ganhar as eleições deste mês dizerem que querem que ele continue. E, na verdade, caso Artur Jorge saia mesmo já, de modo a entrar no Botafogo a tempo de começar o Brasileirão, no dia 13, é muito provável que o SC Braga aposte imediatamente no treinador que quer ver a comandar a equipa na próxima época, aproximando o cenário atual do vivido em 2006. Nesse Verão, o Benfica substituiu Ronald Koeman por Fernando Santos, o SC Braga trocou Jesualdo Ferreira por Carlos Carvalhal, o FC Porto ainda começou a pré-época com Co Adriaanse – que tinha sido campeão – mas despediu-o depois do início dos trabalhos, forçando Rui Barros a orientar a equipa na Supertaça, antes da contratação de Jesualdo Ferreira – que entretanto passara pelo Boavista. E, tendo começado a temporada com um treinador diferente do que iniciara a anterior, o Sporting já substituíra José Peseiro por Paulo Bento em Outubro de 2005. Para encontrarmos um pleno de mudanças estivais há que recuar até 1982, quando Pinto da Costa encarou o primeiro dos seus muitos verões como presidente do FC Porto e recuperou José Maria Pedroto para o lugar de Herman Stessl. Nesse mesmo ano, o Benfica substituiu Lajos Baroti por Sven-Goran Eriksson, o SC Braga chamou Juca para o lugar de Quinito, que emigrara para as Arábias depois de levar a equipa à final da Taça de Portugal, e o Sporting começou a época com Malcolm Allison, que até tinha sido campeão, mas despediu-o durante a pré-temporada, acabando António Oliveira por se assumir como treinador-jogador.
É curiosa a coincidência entre os dois anos, sempre com o treinador campeão a ser demitido na pré-temporada por questões disciplinares, um por ser demasiado permissivo, outro por ir ao outro extremo da escala e se assumir demasiado autoritário. Não creio que isso aconteça esta época, ainda que me pareça que dificilmente o treinador campeão cá estará em Agosto, seja ele Rúben Amorim ou Roger Schmidt. Face às notícias que dizem que, depois da recusa de Xabi Alonso, ele assumiu o favoritismo na corrida à vaga de Jürgen Klopp no Liverpool FC e que o Sporting já estaria no mercado em busca de um substituto, Rúben Amorim riu-se. “Disse ao Viana para ter calma, que não é bem assim”. Amorim até já tinha dito, há um par de meses, que não continuaria a não ser que ganhasse títulos, mas essa terá sido uma declaração para apalpar o outro lado – e não parece que o Sporting queira que ele saia, quer acabe por ser campeão ou não. Também me parece claro que Amorim está a fazer uma gestão de carreira inteligente, recusando-se a trocar apenas em nome do dinheiro ou de uma maior visibilidade. Não creio que ele saia para um clube qualquer, acredito que saia se acabar por ser ele o escolhido de Michael Edwards para liderar o Liverpool FC. E nada disso vai depender dos resultados deste final de época. Tudo dependerá, isso sim, da vontade de quem manda no Fenway Sports Group, que também terá em cima da mesa a candidatura de Roberto de Zerbi. Ao Sporting caberá apenas fazer duas coisas: receber a cláusula de rescisão, se tiver de ser, e gerir dois impulsos contrários, um de ter as coisas definidas com celeridade para se concentrar já em 2024/25 e outro de retardar a definição, para manter o foco na temporada em curso.
É diferente o caso de Roger Schmidt, ainda que, tal como Amorim, também ele tenha contrato até 2026. Rui Costa tem gerido bem a questão do treinador, ainda que muitos adeptos possam apontar-lhe agora alguma precipitação na renovação, em Março do ano passado, e que outros o acusem de não ter vindo defender publicamente a sua escolha com a frequência absurda a que a agenda televisiva o queria forçar. Não acho nada que os presidentes tenham de falar ao ritmo dos programas de debate e, se o Benfica acabar por ser campeão, sê-lo-á muito porque Rui Costa recusou entrar nessa conversa e manteve a estabilidade pelo silêncio. Schmidt fez tudo bem até Novembro de 2022 e foi campeão, ainda que tenha visto a equipa cair muito com a saída de Enzo Fernández, em Janeiro do ano passado. Esta época, já juntou a Supertaça a esse troféu, está em condições de ganhar a dobradinha e nesta realidade são tão legítimas as opiniões que dizem que o Benfica ganha graças ao treinador como as que vêm dizer que ganha apesar do treinador. Não me parece que o alemão seja treinador para o plantel que o Benfica lhe deu – e nem falo de uma questão de qualidade mas sim de qualidades. Isto é, o Benfica não tem um treinador mau e jogadores bons, mas tem jogadores com atributos que não são aqueles que o modelo de jogo do treinador mais faz sobressair. Até por isso creio que é mais provável que Schmidt saia se for campeão do que se perder o campeonato. É que Rui Costa não quer dar a ideia de gerir à vista, por reação, e não quererá fazer marcha atrás face ao que decidiu há um ano, quando renovou o contrato a Schmidt. E, tendo este mais 18 anos de idade do que Amorim, o que o torna menos atraente para os grandes mercados, só mesmo um bicampeonato ou uma proeza na Liga Europa é que pode levar um clube que a ele também lhe pareça atraente a vir perguntar por ele. Qualquer outro desfecho deve forçar o Benfica a procurar um acordo para a rescisão.
Mais intrincada é a situação de Sérgio Conceição, de todos o que está há mais tempo no cargo – desde 2017. Conceição está a completar a sétima temporada à frente do FC Porto, foi três vezes campeão, em duas delas com equipas muito abaixo do exigível mas que ele conseguiu levar à glória. E enfrenta – tal como o próprio clube – circunstâncias bastante definidoras. Primeiro, as eleições. Pinto da Costa ainda ontem disse, à SIC, que só tem “Plano A”, que passa por renovar contrato com o treinador. E já várias vezes deixou no ar que este só continua se for ele a ganhar as eleições. André Villas-Boas também já disse que a primeira coisa que fará se for eleito é sentar-se com Conceição para trabalhar na sua renovação. Não tenho dúvidas de que Pinto da Costa queira continuar com Conceição, mas face ao crescente descontrolo emocional da equipa, em muito o espelho da personalidade do treinador, já tenho algumas de que seja essa a real intenção de Villas-Boas, que sobretudo não quererá nesta altura alienar apoios de uma “nação” que se coloca sempre ao lado dos seus. Por outro lado, até acredito que Conceição esteja disponível para continuar com um novo presidente, se perceber que este consegue travar o plano inclinado de declínio em que o plantel entrou nos últimos tempos e que o tem forçado a verdadeiros milagres, mas já não o vejo assim tão interessado em continuar a compactuar com essa degradação, em muito devida à incapacidade da SAD para gerir em condições os dossiers das renovações, contratações e vendas. Por tudo isso, ainda que os dois candidatos tenham dito que querem ficar com ele, não acho provável que Sérgio Conceição seja o treinador do FC Porto em 2024/25.
Não entendo esta gestão dos ricos de hoje em dia, onde a idade do treinador pesa desta maneira. Os mais experientes perdem qualidades? Parece Portugal no pós-Mourinho onde os treinadores só eram bons antes dos 45. Pelo que vejo no mercado de jogadores e treinadores, preferem as pessoas pela fama do que pelas qualidades, não que estes treinadores não tenham ambos, mas decidir entre Amorim e Schmidt pela idade, a acontecer, parece-me bastante exótico, mas acredito que o seja. Acho que acabam melhor servidos, sem dúvida, mas a idade não deveria ser um factor. Quanto a Conceição, acho também que já deu o que tinha a dar no Porto e só durou até aqui pela falta de dinheiro do clube, penso eu.