O que falta ao Sporting
A percentagem de sucesso do campeão de Inverno é, nos últimos 20 anos, de 80 por cento. O Sporting já mostrou o fogo de artifício, mas ainda lhe falta exibir a capacidade de sofrer que tinha em 2021.
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Dezasseis dos últimos 20 campeões nacionais lideravam a Liga ao fim da primeira volta, ainda que três deles o fizessem em igualdade pontual. E isso é uma constatação encorajadora para o Sporting, campeão da primeira volta, com mais um ponto do que o Benfica, que defende o título de 2023. Contudo, doze desses 16 tinham a meio do percurso pelo menos dois pontos de avanço para o segundo, o que já poderá lançar algumas dúvidas acerca da possibilidade de Rúben Amorim manter o plantel, reconhecida e assumidamente mais exíguo, no rumo certo por mais meia temporada. São mais quatro meses. É muito tempo... Este Sporting foi a melhor equipa da primeira volta do campeonato e é a primeira a poder gabar-se de ter estado em vantagem em todos os 17 jogos que o levaram ao oficioso título de campeão de Inverno desde que o Benfica de Jorge Jesus o fizera, em 2014/15. Mas esse Benfica tinha chegado a meio da época com 46 pontos, mais três do que os somados agora pelos leões, que já se mostraram incapazes de segurar as vantagens em Braga (de 1-0 para 1-1), na Luz (de 1-0 para 1-2) e em Guimarães (de 1-0 para 2-3). A incapacidade para controlar vantagens tem sido a maior lacuna deste Sporting, que parece oleado nos seus processos ofensivos mas desliga defensivamente nalguns momentos – o exato oposto do Sporting de 2020/21, campeão sem ter tantas armas como as de que dispõe hoje mas muito mais seguro sem a bola. A atacar, é impossível ficar indiferente ao fenómeno Gyökeres – ainda assim irregular na decisão em Chaves, no sábado –, mas também é justo que se diga que estes leões são mais do que a potência do sueco. Há a arte de Edwards, a versatilidade de Pedro Gonçalves, as chegadas de Morita, os cruzamentos de Nuno Santos, o um para um de Catamo, os passes ou as conduções desbloqueadoras de Inácio e Diomande, a distribuição simples de Hjulmand e até os golos decisivos de Paulinho, tantas vezes vindo do banco. O plantel não é muito extenso mas vai dando para o gasto. Não há Edwards aparece Trincão. Não há Morita, baixa Pedro Gonçalves ou entra Bragança. Não há Diomande ressurge Quaresma. Parece que o grupo está no limite, que faltam opções caso surja uma suspensão, uma lesão, mas no final as alternativas têm-se mostrado a um nível bem satisfatório. A dúvida que se lança antes de podermos decretar o Sporting como favorito na luta pelo título não tem que ver com o seu rendimento ofensivo, com a articulação tantas vezes quase perfeita do seu jogo com bola. É no plano mental, quando lhe toca sofrer sem bola, que este Sporting ainda tem de se mostrar apto. É na capacidade de resistir nos maus momentos que tem de se mostrar digno da equipa que, em 2021, driblava todas as semanas a evidência de que estava à beira de claudicar. Os próximos meses serão desgastantes para uma equipa que só será campeã nacional se conseguir ganhar aqueles jogos em que marca e aguenta, em que, como dizia Rúben Amorim depois dos 3-0 em Chaves, o relvado está mau e o tempo também, em que o conforto cede a vez ao sofrimento. Este Sporting ganhou todos os jogos em casa, venceu as 13 equipas que estão entre a sexta e a 18ª posição, mas depois só bateu um dos quatro integrantes do Top5 – ainda que tenha jogado fora nos outros três. Para ser campeão, precisa de melhorar esse registo.
Marcos Leonardo e a roleta russa. As manchetes de hoje vão para Marcos Leonardo e para o golo que o reforço brasileiro do Benfica fez na estreia, a dar tranquilidade a um resultado que até à expulsão de Aderlan e ao golo da vantagem, marcado por António Silva, esteve tremido para os encarnados. Mas a impressão que fica da Luz é muito influenciada pelo chocolate que o Rio Ave deu aos campeões nacionais enquanto esteve onze para onze. Com dois médios confortáveis em posse e ágeis a soltar a bola, dois atacantes exteriores capazes de atrair os laterais adversários em movimentos para dentro e dois alas bem profundos na exploração dos corredores entretanto libertados, a equipa de Luís Freire expôs durante boa parte da primeira hora de partida as debilidades do Benfica no jogo sem bola e trouxe para a mesa a contradição da equipa de Roger Schmidt. É que, ao contrário do que se via na época passada, este Benfica não é intenso na pressão alta. Depois, não compensa esse facto com o recuo e agrupamento dos seus médios-ala (Di María e João Mário), o que muitas vezes permite que os adversários ganhem conforto ou superioridade territorial. É a melhor maneira para depois os surpreender com as velozes transições comandadas por Rafa? Pode ser. Mas é um jogo de risco total, uma espécie de roleta russa que a equipa só tem superado graças a um guarda-redes excelente – e ontem voltou a sê-lo – e à segurança de uma última linha que, por sinal, ontem nem esteve assim tão bem. O Benfica tem talento para dar e vender, mas fica sempre a sensação de que o ponto de atraso que tem na Liga a meio do percurso é uma excelente notícia, porque ainda lhe permite manter o estatuto de mais sério candidato à renovação do título.
Um FC Porto reformatado. Quando Sérgio Conceição cedeu, no sistema e na escolha dos seus integrantes, o FC Porto renasceu. Foi brilhante no Estoril, a meio da semana, mas é verdade que os canarinhos não vivem período fantástico, que antes dos quatro que apanharam do dragão tinham levado cinco do Sporting e depois foram três do Moreirense. E foi seguro contra o SC Braga, ontem. O 4x3x3 com que somou estas vitórias, que o deixam na Taça de Portugal e, ainda assim, na rota da luta pelo título, parece arrumar na gaveta das memórias o legado de Otávio, que desde que se impôs na equipa, em Fevereiro de 2018, a transportou para um sistema híbrido que ela deixou de ser capaz de interpretar quando ele partiu para as Arábias. Agora é tudo mais simples. Francisco Conceição e Galeno abrem na largura, o que significa que se a equipa tem bola dispersam as defesas adversárias e garantem que haja espaço por dentro para a ligação de Pepê e Evanilson e se não a tem juntam aos laterais para impedir desequilíbrios aos adversários. Ao contrário do que sucede no Benfica, falta resolver a questão do talento, sobretudo atrás, mas com meio campeonato por jogar talvez não seja demasiado tarde para voltar à luta. Isso nos dirá o mês e meio até ao próximo clássico, a receção ao Benfica no Dragão em inícios de Março. Se o FC Porto lá chegar, no máximo, aos autuais cinco e quatro pontos de distância, não será tarde para se intrometer.
A energia de Braga. Vai sendo relativamente fácil olhar para a época do SC Braga e apontar o dedo aos vários defesas-centrais que Artur Jorge vem utilizando, de Niakaté a Fonte, passando por Serdar ou Paulo Oliveira. No limite aos defesas, que ontem o erro de serviço coube a Borja, autor de uma época acima do esperado mas que no Dragão entregou o jogo com uma perda de bola irresponsável, levando ao penalti que deu o 2-0. É verdade que em quase todos os jogos tem havido um erro atrás, um arranque em desvantagem... Mas não foi por isso que o SC Braga deitou a toalha ao ringue na corrida ao título. Os dez pontos de atraso para o líder, mas ao mesmo tempo os nove para o segundo classificado e os cinco para o terceiro – são 24 ao todo, com meio campeonato por jogar – significam que ainda não é este o ano em que o SC Braga vai cumprir o sonho de ser campeão. E a desistência é formalizada, isso sim, devido à incapacidade à frente. A lesão de Bruma antes do dérbi com o Vitória SC, somada à ida de Banza para a CAN, veio tirar poder ofensivo a um onze que era por aí que se impunha. Ontem, no Dragão, mesmo com mais posse, fruto da desvantagem que trazia desde cedo, quase nunca a equipa conseguiu encontrar Abel Ruiz (14 toques na bola e zero remates em 90 minutos). E poucas foram as vezes em que pôde chegar em vantagem à frente, porque o médio que mais lhe dá risco e progressão (Zalazar) estava a jogar nas costas do avançado. Foi nessa posição que marcou dois golos na Luz? Foi, mas em bolas paradas. Aliás, cinco dos seis golos marcados pelo SC Braga nos últimos quatro jogos nasceram de bolas paradas. Se era pouco fiável atrás, o SC Braga perdeu nas últimas semanas a capacidade para mascarar essa debilidade com um poder ofensivo até há pouco tempo inigualável na Liga. Chamam-lhe “energia”? Também pode ser.
Em relação ao Sporting penso que mantendo o ritmo em casa (visto que vai receber Benfica, Braga e Vitória) tem muitas probabilidades de ser campeão. Em relação ao Benfica: ontem ouvi no programa Trio de Ataque que, nos últimos anos, o único avançado brasileiro que marcou na estreia foi o Jonas. Se se confirmar, não augura nada de bom para os outros