O que é defender Esgaio
Esgaio vive um péssimo momento desportivo e Amorim diz que estará sempre lá para o defender. Fica-lhe bem. Mas defender o jogador, agora, é evitar pô-lo a jogar. Já é assim há algumas semanas, aliás.
A insistência de Rúben Amorim em Ricardo Esgaio não está a ser boa para ele, para o jogador nem para a equipa do Sporting. O ala cujo regresso a Alvalade o técnico pediu expressamente, pois já o treinara no SC Braga e tem confiança quase ilimitada na sua condição de elemento de plantel, esteve na origem de mais uma derrota autoinfligida do Sporting com o Olympique Marselha, ao cometer um penalti por abordagem desastrada a uma bola na área, deixando a equipa com dez, porque no lance viu também o segundo cartão amarelo em poucos minutos. Esgaio está num péssimo momento, seja físico, técnico ou, como o treinador aparentemente julga, psicológico, devido ao “bullying” que lhe tem sido feito pelos adeptos. Isso, porém, até acaba por ser mais ou menos irrelevante. O que importa a Rúben Amorim perceber é que defender o jogador, nesta altura, é preservá-lo da atenção e é exatamente o contrário do que ele tem feito ao pô-lo consecutivamente em campo devido às constantes baixas de Porro – que são outro tema...
Cabe ao treinador saber distinguir uma tarde má, como a vivida por Adán em Marselha, de uma sucessão de maus jogos, que é o que tem vindo a acontecer com Esgaio, que nem sempre tem sido culpado de maus resultados, mas a quem também falta a chama para se distinguir uma vez por outra. Cabe ao treinador saber distinguir a cabeça de um jogador que tem estofo para reagir à adversidade, como fez Adán, em quem Amorim manteve a confiança a seguir ao desastre de Marselha, acabando recompensado com uma exibição fundamental na vitória nos Açores, da mente de outro, que se vai abaixo com a sucessão de críticas de que tem sido alvo. Porque é isso que transparece do que disse o técnico após a derrota de ontem, quando levou longe de mais a defesa do jogador – ou da sua opção... –, alegando, primeiro, que os problemas com Esgaio não começaram só com as suas más exibições e, depois, que esses problemas se alargam a todos os jogadores que vieram de Braga. Aos que vieram com ele, portanto. Tem alguma razão – não toda... – na primeira alegação. Já não tem razão nenhuma na segunda.
De quem Amorim falava quando se referiu aos jogadores que vieram de Braga era de Paulinho – e por momentos ter-se-á esquecido que também Palhinha veio com ele do Minho e que esse, um regressado como Esgaio, nunca foi alvo de ataques. Paulinho foi muito criticado nas redes sociais, sobretudo pelo que o Sporting pagou por ele – que de facto foi demasiado... – e, convenhamos, também por causa do afeto aos dias de hoje desajustado que uma franja apreciável de adeptos ainda mantém por Slimani, visto como uma espécie de Dom Sebastião de um clube que falava grosso mas que nem os golos do argelino impediam de acumular Alcáceres-Quibires. O caso de Paulinho, contudo, também é a prova acabada de que Amorim perde clarividência se leva demasiado a peito o “onde vai um vão todos” que foi a base do seu sucesso. Porque, por um lado, apesar dos zunzuns e dos memes que enchiam o Twitter e o Facebook, o ponta-de-lança foi sempre apoiado no estádio, onde tem direito a cântico próprio e tudo. E porque, não tendo tanto apoio personalizado no estádio, também não creio que em algum momento de jogo Esgaio tenha visto infernizarem-lhe a vida a ponto de com isso justificar os erros que tem cometido.
É verdade que o que fizeram a Esgaio nas redes sociais no início desta época foi inqualificável e que isso até sucedeu antes de o lateral deixar de ser solução para as frequentes ausências de Porro para se transformar ele próprio num problema. O jogo com o OM, na verdade, foi o segundo que Esgaio custou ao Sporting esta temporada – já tinha sido uma abordagem menos contida do lateral a causar um penalti que ditou a derrota no Bessa com o Boavista. Não alinho no lote dos que culparam Esgaio pelo golo do empate em Braga (e quem quiser saber porquê tem aqui a crónica do jogo) e é um facto que, em toda a época passada, ao lateral só podem ser assacadas responsabilidades num mau resultado, que foi a derrota com o Santa Clara nos Açores – o que é pouco para tanto barulho acerca de um lateral que esteve em 44 jogos e fez oito assistências em toda a época. Portanto, sim, os problemas começaram antes das más exibições. A questão é que as más exibições têm sido tão frequentes que a presença de Esgaio no onze, semana após semana, já se torna motivo de desmobilização de adeptos – e isso vem agravar o problema.
Numa coisa, Rúben Amorim tem toda a razão do Mundo: Esgaio não é tão mau jogador como o pintam. Mais (e isto digo-o eu com total consciência e desafio quem quer que seja para me provar o contrário): Esgaio não é sequer mau jogador. Quando o Sporting ativou a opção para o fazer regressar de Braga, ele era um lateral regular e fiável. Durante um ano, foi isso em Alvalade também, além de ser aparentemente um excelente elemento de balneário, capaz de aceitar a condição de “jogador de plantel” e de fazer até de central pela direita. Só que, entretanto, deixou que aquilo que vem de fora o transformasse num problema. E por mais que o treinador queira, o futebol de alto nível não se joga independentemente das pressões exteriores exercidas sobre os jogadores. Enquanto eles não forem capazes de as deitar para trás das costas e até de se motivarem com elas, não servem. Por muito que Amorim insista, Esgaio não tem neste momento condições para jogar na equipa do Sporting. Talvez volte a tê-las no futuro – mas até isso seria agora mais fácil se o treinador não tivesse sido tão insistente na tentativa de provar a infalibilidade que depois vem humildemente contrariar na conferência de imprensa. “A culpa nunca é dos jogadores. É de quem os mete a jogar”, disse. É que é mesmo assim. E é por isso que a Amorim convém entender que tem de dar um passo atrás se alguma vez quiser dar dois em frente neste tema.