O jogo das opções
Os plantéis de Sporting e Benfica permitem aos treinadores encarar uma série de planos para o dérbi de mais logo. Das escolhas que cada um fizer dependerá muito a forma como vai correr o jogo.
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A Taça de Portugal vai colocar hoje (20h45, RTP1) frente a frente, no primeiro jogo de acesso à final do Jamor, as que têm sido as duas melhores equipas do futebol português em 2023/24. E muito do sucesso interno que têm conseguido o Sporting e o Benfica se deve à variabilidade de opções à disposição dos dois treinadores e à capacidade que cada um tem tido de jogar com esse fator. Olha-se para os grupos à disposição de Rúben Amorim e de Roger Schmidt e são muitas as dúvidas que sobram acerca dos perfis que cada um vai escolher para preencher as posições dos sistemas táticos esses sim mais ou menos rígidos que adotaram, o 3x4x3 do leão e o 4x2x3x1 da águia. É em função dessas escolhas que se definirá como entrarão hoje o Sporting e o Benfica. Amorim só esclareceu uma questão, mas é a que tem menos impacto no plano tático e estratégico: vai jogar Israel na baliza, não por causa do rendimento recente de Adán, claramente abaixo do exigível, mas porque é o uruguaio que joga nas taças. Mas vamos ter de esperar pela noite para ficar a saber o resto, tudo aquilo de que vai depender este jogo. Sem Inácio, como vai Amorim compor a tripla de centrais, ou melhor, a dupla que ladeará o capitão Coates? Com Quaresma e Diomande, forçando um destro a jogar à esquerda mas ao mesmo tempo mantendo a complementaridade de perfis entre um jogador que dá saída pelo passe (o marfinense) e outro que o faz sobretudo através de arrancadas de bola nos pés (o português)? Mas se isso também pode ser conseguido, por exemplo, juntando ali Diomande e Matheus Reis, porque não optar por esta possibilidade? Na verdade, aí chegados, tudo vai depender dos alas que Amorim quiser chamar ao onze. No início da época, o Sporting fazia a equipa inclinar para um lado ou para o outro com a alternância de alas: se jogava Geny Catamo à direita, estava o mais conservador Matheus Reis à esquerda; se entrava Nuno Santos por aí, estava Esgaio na direita. É verdade que ultimamente a equipa evoluiu para uma realidade bem diferente, em que assimilou a presença simultânea dos dois alas mais ofensivos, Geny Catamo e Nuno Santos, mas não deixa de ser um facto que no jogo de campeonato contra o Benfica, na Luz, estiveram precisamente os outros dois, os que fecham melhor atrás, Esgaio e Matheus Reis. Se as outras cinco posições estão definidas, é pela forma como vai montar a linha atrás que Rúben Amorim pode definir o que vai querer para a equipa. Do outro lado, há muito mais dificuldade em adivinhar o que vai na cabeça de Roger Schmidt. Porque a existência de peças móveis, que podem alinhar em dois ou até três setores – este é o caso de Aursnes – permite ao alemão jogar com essa incerteza na planificação a fazer pelo adversário. Amorim disse que os seus jogadores estão estrategicamente preparados para diferentes cenários, mas eles são tantos que fica difícil desenhar um plano que os cubra a todos. Comecemos pela linha da frente. Como vai Schmidt montá-la? Com um ponta-de-lança mais forte na pressão, de modo a contrariar a saída de bola dos leões, como é Tengstedt? Com um atacante mais forte quando se trata de ligar com os que dele se aproximam nas entrelinhas, como é Arthur Cabral? Ou com o tal avançado móvel, que é Rafa – opção claramente mais fraca quando se pensa no jogo com bola, porque obriga o principal acelerador de jogo a passar boa parte do tempo de costas para a baliza adversária? A questão é que desta escolha vai depender em grande medida tudo o resto, porque se há coisa certa no onze do Benfica é que jogam Di María e Rafa – e se por lá estiver igualmente um ponta-de-lança isso significa que só sobra mais uma vaga no trio de apoiantes mais próximos. Para quem? Para Neres, talvez o maior desequilibrador que a equipa tem por estes dias? Para Kokçu – difícil, a não ser que Rafa seja o ponta-de-lança? Ou até para Aursnes, se Bah estiver em condições de ocupar a lateral direita, dessa forma aumentando a capacidade de pressão da equipa na frente? E aqui se coloca outra dúvida: onde aparecerá o norueguês? Como lateral direito, se Schmidt julgar que Bah, ainda a voltar de uma lesão, não pode fazer 180 minutos de alta intensidade em três dias? No meio-campo, ao lado de João Neves, dessa forma sacrificando João Mário e poupando-o à hostilidade das bancadas? Ou na frente? E quem vai ser o lateral-esquerdo? Outra vez Morato, para dar solidez e poder fazer linha de três com os centrais, dessa forma inibindo os ataques de Gyökeres à profundidade e os movimentos interiores de Edwards? Ou eventualmente Aursnes, a peça móvel que Schmidt pode encaixar onde quiser? As hipóteses de escolha são inúmeras e de uma coisa não tenho a menor dúvida: é destas opções que vai nascer alguma clarificação sobre o jogo.
O contexto, sempre o contexto. Há dois fatores extra-estratégia a influir no que pode ser este dérbi e ambos se prendem com o contexto em que se joga a partida. Primeiro, o facto de nada se decidir hoje. Haverá sempre um segundo jogo, lá para Abril, para corrigir o que se fizer mal hoje ou para finalizar o trabalho que hoje se começa. A questão aí não tem tanto que ver com o fator-casa, mas sobretudo com a noção de que o importante hoje será manter as decisões em aberto. Depois, o facto de no domingo haver um FC Porto-Benfica fundamental para o que vai ser o campeonato. A gestão da equipa do Benfica terá de ser feita com esse jogo a servir de pano de fundo, porque pode bem dar-se o caso de – caso o Sporting bata em casa o Farense – entrar em campo já atrás do rival e a precisar de pontos para manter a supremacia que lhe veio do adiamento da partida dos leões em Famalicão. A questão é que neste caso a coisa é bidirecional. Isto é: o Benfica terá de pensar na deslocação ao Dragão quando preparar o jogo de Alvalade, mas este também terá muita influência no que vão ser os compromissos do fim-de-semana. Uma demonstração de superioridade de uma das equipas hoje – seja ela qual for – pode perfeitamente condicionar o rendimento que cada uma delas vai apresentar nos jogos da Liga. Sim, são competições diferentes. Mas são as mesmas mentes a jogá-las. E ali não dá para fazer reset com tamanha facilidade.
O aquecimento do FC Porto. Será fácil imaginar que os dois terços de jogo que o FC Porto tem de enfrentar esta tarde nos Açores, contra o Santa Clara, não passem de um aquecimento para o clássico de domingo, mas tenho dúvidas de que as coisas venham a ser assim tão fáceis. A tempestade e o relvado alagado nivelaram as duas equipas nos primeiros 27 minutos e eram a maior esperança que a equipa da casa tinha de poder vir a marcar presença nas meias-finais da Taça, mas Vasco Matos tem razões para confiar no seu 3x4x3, na capacidade dos seus dois médios, Pedro Ferreira e Klihsmann, para equilibrarem a luta com Varela e Nico González, e até na possibilidade de o contexto vir a afetar o rendimento dos dragões. A equipa de Sérgio Conceição vem de um empate e de uma reprimenda do treinador e estará entre dois fogos: um manda acelerar para dar resposta, outro manda gerir para estar nas melhores condições no domingo, quando espera reentrar na luta, quanto mais não seja pelo segundo lugar e por uma presença nas preliminares da nova Champions. Sim, não há melhor doping do que uma vitória, mas no plantel do FC Porto há situações a gerir, como a acumulação de jogos de Pepe, 41 anos e um cartão amarelo no arranque da partida que hoje terá de completar.
Há coisas que nem explicadas. Sim, o terceiro golo devia ter sido anulado, que Di Marco já estava bem dentro da área no momento em que Lautaro Martínez bateu o penalti defendido por Carnesecchi e depois recargado pelo ala esquerdo. E sim, o quarto surgiu num livre lateral, onde não se aplicam os mesmos princípios. Mas a forma como o Inter reduziu a escombros a resistência da Atalanta, ontem, no jogo em atraso que venceu por 4-0 e lhe permitiu aumentar a vantagem sobre o segundo para 12 pontos, é a prova de que há coisas que nem explicadas. A Atalanta pode ser – e acho que é – a melhor equipa do Mundo a defender homem-a-homem e Gianpiero Gasperini pode ser, com Bielsa, um dos gurus deste modelo, mas aquilo continua a ser um insulto à inteligência. É claro que depois há uma série de fatores adicionais a ter em conta, como a qualidade dos intervenientes de um lado e do outro, mas o duplo confronto da Atalanta com o Sporting, nos oitavos-de-final da Liga Europa, será cabeça de cartaz na área da análise tática, porque colocará frente a frente sistemas muito parecidos – um 3x4x3 contra um 3x4x1x2 – mas ideias radicalmente diferentes.
Ontem, pode ter-lhe escapado:
Ontem, por causa de um imprevisto profissional, não pude fazer a edição diária do Futebol de Verdade. Hoje e amanhã, tal como estava previsto, também não haverá, hoje porque há futebol às 16h e amanhã porque faço anos e não é hábito fazer programa no meu aniversário. Ainda assim, os Subscritores Premium do meu Substack receberão hoje ainda duas edições do Futebol de Verdade Flash, uma com o meu comentário ao Santa Clara-FC Porto e outra acerca do Sporting-Benfica. No domingo, terão mais duas edições, uma com o Sporting-Farense e outra com o FC Porto-Benfica. Voltarei ao contacto de todos os outros no Futebol de Verdade de segunda-feira.
Então, parabéns!