O humor de Pinto da Costa
O presidente do FC Porto não sabe quem é Fran Navarro? Há anedotas que só têm graça à primeira. Rui Costa arrasou Enzo Fernández? Mas há valores que têm de se transmitir desde o início.
Quando Artur Jorge deixou o FC Porto em direção a Paris, com a Taça dos Campeões Europeus debaixo do braço, em 1987, Pinto da Costa foi buscar Tomislav Ivic e, dessa forma, não só ganhou o campeonato seguinte com uma vantagem gigantesca sobre o segundo, como lhe juntou a Taça de Portugal, a Supertaça Europeia e a Taça Intercontinental. Ainda que já andasse no futebol há muito mais tempo, pois antes de ser presidente já tinha sido duas vezes campeão nacional como diretor do departamento de futebol, o ainda líder máximo do FC Porto era por esses dias um recém-chegado ao cargo, com tanto tempo de liderança como tem hoje, por exemplo, Frederico Varandas no cadeirão do poder do Sporting. Na contratação de Ivic, contudo, Pinto da Costa mostrou conhecimento do futebol internacional – eram outros tempos, ninguém sabia muito bem o que se passava para lá da fronteira... – e pôde ainda evidenciar um sentido de humor que era também muito raro no futebol daqueles obtusos anos 80. Reza a lenda que, apanhado em flagrante por um repórter radiofónico nas Antas com o novo treinador, cuja cara ninguém conhecia, apesar de ele ter chegado a passar umas semanas no Benfica, anos antes – lá está, eram outros tempos... –, Pinto da Costa foi confrontado com a pergunta sacramental: “Então e quem é que vem treinar a equipa?”. A resposta, que não foi transmitida e que, por isso, não é verificável como absolutamente verdadeira, mas que foi sendo contada pelos cronistas da presidência, foi emblemática de um estilo: “Oh homem, eu sei lá! O que me preocupa é que temos aqui infiltrações no estádio. Até estou aqui com o engenheiro para ele orçamentar as obras”. Passaram 35 anos, o Mundo mudou muito, mas Pinto da Costa não. O que quer dizer que de vez em quando ainda terá uns golpes de génio como o da contratação de Ivic, mas que continua a contar as mesmas anedotas. Ontem, quando lhe perguntaram por Fran Navarro, de quem se diz que deverá vir a reforçar o FC Porto no próximo Verão, o presidente portista respondeu no mesmo estilo dos anos 80. Meteu um ar absolutamente seráfico e impenetrável e disparou: “Quem é? Onde joga? A que lugar joga?” Até pode haver quem ainda se ria com estas coisas, quem ache que o presidente está a dar baile com classe e a mostrar uma vitalidade inesperada aos 85 anos, mas alguém do seu círculo mais próximo devia dizer-lhe que há anedotas que só têm piada na primeira vez que são contadas e que, quando se repetem, só se tornam desrespeitosas. Para quem está ali a trabalhar, em primeiro lugar. E, no limite, para o jogador, que tem mais golos marcados do que qualquer elemento do FC Porto na presente Liga Portuguesa.
O respeito de Enzo. Rui Costa não é de fazer graçolas, mas também gosta de uma plateia que seja acolhedora – e por isso escolheu a BTV para explicar o mercado. Toda a gente queria o mesmo, que era saber de Enzo Fernández, e o presidente do Benfica disse o que tinha a dizer. Que o jogador se portou mal, que o Benfica sacou o máximo que podia ao Chelsea por ele e que não foi buscar um substituto porque neste contexto, em que acabara de bater o recorde mundial pela transferência de um médio, teria de pagar muito mais do que o valor real por quem viesse para o lugar dele. Esta última constatação é verdadeira, mas a verdade é que já toda a gente tinha percebido onde é que a coisa ia parar, se não antes pelo menos logo na semana que se seguiu ao Mundial – e essa sim teria sido a altura ideal para ir buscar alguém, por antecipação, mesmo que Enzo só saísse no final da época. Porque se o Benfica acabar por perder este campeonato, que está longe de estar ganho mas no qual ainda é favorito, o caso-Enzo vai ainda dar muito que falar. Quanto ao comportamento do jogador, parece evidente que ele se portou mal. Mas também isso era mais ou menos previsível em função de vários indícios que agora se tornam públicos, como a promessa de Jorge Mendes ao River Plate de que o jogador se valorizaria rapidamente, de forma a facilitar um negócio feito abaixo dos valores pretendidos no Verão pelos argentinos. Que do lado de lá estava toda a gente a pensar no mesmo percebia-se até pelas palavras públicas do próprio Enzo, em Julho, quando ele disse, à chegada, que o Benfica seria “uma grande porta para a Europa e um trampolim para crescer num clube maior”. Enzo portou-se mal? Sim. Mas há meses que o fazia. O epílogo da história foi só o crescendo mais natural para a forma como a relação tinha sido construída. E, mais do que discutir agora se o jogador é digno ou indigno, se ele poderia ou não voltar a entrar no balneário, valerá a pena aos responsáveis do Benfica refletirem acerca dos valores que transmitem lá para dentro a troco de um lucro supersónico de quase 70 milhões de euros e nas cedências que fazem ao mau caráter desde que ele contribua para ganhar jogos. Porque as linhas têm de ser traçadas no chão. Como disse Rui Costa, “isto não é bater no peito quando interessa”.
Às compras com um saco cheio de ar. Há uns anos valentes, ficou na história uma frase de Toni. Não foi a última vez que aconteceu e também não há-de ter sido a primeira. Dizia Toni, que nessa altura era diretor-desportivo de um Benfica treinado por Paulo Autuori, que andava no mercado à procura de jogadores “com um saco de caramelos”. O dinheiro não era muito, já se depreende. Pois há quem faça diferente – e por aí se entende como mudou o mercado do futebol nestas duas décadas. O Portimonense, que já tinha contratado onze jogadores no mercado de Verão, mandou agora embora vários – entre eles três dos que haviam chegado no início da época e que pouco jogaram – e foi buscar mais doze. São duas equipas. É verdade que se Toni ia às compras com um saco de caramelos, a SAD algarvia de capital brasileiro o faz com um saco cheio de ar e vento: a julgar pelo Transfermarkt, entre empréstimos e entradas gratuitas, gastou no processo um total de... zero euros. Em relação aos tempos de Toni, o mercado mudou muito, no sentido em que favorece este tipo de operações a clubes que se veem em primeiro lugar como entrepostos de negócios e só depois como equipas cujo destino é competir. O objetivo do Portimonense só é a manutenção na medida em que se descer já não garante a mesma visibilidade – e a mesma possibilidade de vendas futuras – aos craques que importa às pazadas, oferecendo aos clubes de origem uma miragem de valorização. Por vezes lá aparecem um Nakajima, um Beto, um Manafá ou um Tabata, mas só serão vendáveis se estiverem nos palcos que interessam, que são os da I Liga. E para isso está lá Paulo Sérgio, o milagreiro de serviço, cuja missão é fazer de sucessivas amálgamas uma equipa. A tarefa não é fácil, mas ele não se tem saído mal. Por alguma razão a porta giratória nunca o apanha e ele é o treinador que há mais tempo defende as mesmas cores na Liga Portuguesa a seguir a Sérgio Conceição.
Mérito total a um presidente com o currículo de Pinto da Costa. Mas há anos que a sua "costumeira ironia" mais não é, grande parte das vezes, simples e grosseira falta de respeito. O pior é que os próprios jornalistas, e neste caso falo dos jornalistas, associam-se com risadinhas, mesmo quando é um colega que é exposto a ridículo. A vontade de "enturmar" com o poder ou o receio de parecer (só parecer!) afrontar o todo poderoso levam a melhor. Pinto da Costa é um homem com mundo, culto - até recita poesia!, dizem aqueles para quem o dirigente desportivo tem de ser um bronco que não sabe juntar três palavras - mas nunca primou pela boa educação no tratamento público. É um amor de pessoa em privado? Ainda bem. Mas, em público, podia lembrar-se que, como se diz às crianças, não deve fazer aos outros o que não gostaria que lhe fizessem a ele. Nem aos seus, acrescento eu.