O grito e a liberdade
Não sou adepto da liderança pelo grito, mas o problema no Benfica não é esse. O problema é não ganhar. Como se viu em Fevereiro, quando Jesus era acusado de estar passivo e resignado.
Andava eu aqui de volta dos gritos de Jorge Jesus para os jogadores do Benfica, que passam a ser notícia porque apareceram de volta gritos dos jogadores do Benfica para Jorge Jesus, quando dei com as declarações de André André acerca da liberdade que é dada por Pepa aos jogadores do Vitória SC. Não sou adepto da liderança pelo grito, porque – lá está... – acho que o mais provável é ela gerar gritos de volta, mas também não acho que os futebolistas de alta competição devam ser colocados numa redoma de vidro à prova de som e de impropério. O maior problema do Benfica não é o treinador gritar com os jogadores. O maior problema do Benfica é não estar a ganhar jogos.
Se o Benfica tivesse ganho mais do que um dos sete jogos que fez desde a vitória contra o FC Barcelona, ainda em Setembro, ninguém ia chatear-se tanto só porque Jesus é rude com os jogadores – e, já agora, com toda a estrutura que o rodeia. Nesse caso, todos iam cantar-lhe loas pela forma como estaria a colocar a equipa a jogar, como fizeram na sequência dessa retumbante vitória sobre os catalães, que era por acaso a quinta nos sete jogos anteriores. É assim em todo o lado e sempre foi assim com Jesus também.
O atrito com Cardozo, que empurrou Jesus depois da final da Taça de Portugal perdida contra o Vitória SC, em 2013, a pedir-lhe satisfações pelas opções técnicas tomadas no jogo, foi suficiente para que alimentar a fogueira da contestação e pôr em causa a continuidade do técnico na Luz, porque nesse ano os encarnados perderam tudo à beira do final – Liga, Taça e Liga Europa. Nessa altura, Luís Filipe Vieira fez finca-pé no treinador, mantendo-o contra a vontade dos restantes administradores, e o Benfica partiu para uma época em que ganhou Liga, Taça de Portugal e Taça da Liga e voltou a uma final europeia.
Já o empurrão que Jesus deu em Shéu, na altura secretário-técnico e antiga glória do clube, ou a gritaria com que pôs o agora presidente Rui Costa no seu lugar, durante o “bate-boca” com Tim Sherwood, treinador do Tottenham, acerca da forma desrespeitosa como o técnico português estava a festejar os golos do Benfica numa vitória contra o Tottenham, em Londres, motivaram apenas um encolher de ombros resignado. Houve quem tenha ficado triste com a constatação de que ali faltava classe ou de que aquilo não era consentâneo com a imagem internacional do Benfica. Mas foi tudo.
Vamos a ver: o futebol de alta competição não é um salão de chá. Não sou adepto da liderança pelo grito, mas não me choca que haja gente a gritar, da mesma forma que não me ofendem os palavrões que se ouvem quando os microfones se aproximam demasiado dos jogadores ou dos treinadores no ardor da luta – e nesse aspeto os estádios vazios durante a pandemia foram uma espécie de vacina para ouvidos mais sensíveis. Da mesma forma que, se as agora tão em voga séries documentais sobre o interior dos balneários fossem mesmo totalmente abertas e não sujeitas a edição se veria que o que por lá se passa chega a ser intolerável em termos de pressão colocada em cima dos atletas. E só os verdadeiramente sólidos saem dali a ganhar.
Acharei sempre mais graça ao tipo de liderança de Pepa, que ontem André André veio defender. “O treinador dá-nos liberdade para não termos medo, para jogarmos aquilo que sabemos e que treinamos”, disse o médio vimaranense a propósito do líder. Exatamente o oposto do que se passa no Benfica, onde Jesus grita até se acha que um lançamento lateral não foi feito na direção que ele definiu durante a semana. A questão é que Jesus nunca foi esse treinador. Pelo contrário: tal como se viu, por exemplo, em histórias que Cândido Costa contou acerca do período que com ele passou no Belenenses, Jesus sempre achou que tinha de corrigir, mesmo que as coisas estivessem bem. E não vai ser agora, aos 67 anos, que vai mudar. Tal como não vai ser agora que vai entender que não é bom para ele imitar o “mestre” Manuel de Oliveira quando vem dizer, a propósito de tudo e de nada, que o que quer que seja que estejamos a ver foi ele que inventou.
No fim, não é que os resultados justifiquem tudo, mas o futebol de alta competição depende quase exclusivamente deles. Em Fevereiro deste ano, quando o Benfica caiu de produção e deixou que o Sporting se afastasse no topo da Liga, houve quem cobrasse a Jesus que estava mais passivo, menos interventivo, que estava velho e cansado e que o Benfica não ganhava por sentir a falta da condução do treinador enérgico que ele outrora tinha sido. Na altura não havia gritos. E houve contestação. Porquê? Porque o Benfica não ganhava. É tão simples quanto isso.
Jorge Jesus é um treinador peculiar no nosso futebol e não é agora que o vai deixar de ser.
É super exigente,grita muito é verdade,mas os resultados que conseguiu ao longo da carreira estão a vista.
Se os resultados estivessem a aparecer,creio que esta discussão não existiria