O futuro de Varandas
Diz Frederico Varandas que dirigir não é usufruir do presente mas sim preparar o futuro. E aí não estarão Vieira nem Pinto da Costa, os últimos “rostos do sistema”, a servir de justificação.
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Há uma grande diferença entre as críticas reiteradas por Frederico Varandas ao FC Porto e ao Benfica, na entrevista que ontem concedeu ao Trio de Ataque da RTP, e a identificação dos “rostos do sistema”, feita por António Dias da Cunha, em sucessivas declarações do início do século, referindo-se a Pinto da Costa e Valentim Loureiro. E a diferença nem é o facto de agora Varandas falar em cima de vitórias – que, quando se queixava, Dias da Cunha também vira os leões ganhar os campeonatos de 2000 e 2002, curiosamente tendo na estrutura muita gente desavinda do “portismo”, uma espécie de modo de estar na vida que o atual líder leonino cola a Luís Filipe Vieira, ex-presidente do Benfica. Mas não. A diferença fundamental é que Dias da Cunha falava de dirigentes no ativo e Varandas se refere a quem já foi posto fora das cadeiras do poder. E se isso abre uma janela de esperança para o futuro do futebol português, hoje mais livre de comportamentos nocivos, ao mesmo tempo tira a Varandas o que Dias da Cunha usou muitas vezes como justificação para o insucesso: se “o sistema” já foi posto a andar e o que falta é Rui Costa e André Villas-Boas condenarem abertamente os comportamentos do passado, as vitórias passam a depender sobretudo do futebol, a tal área que Varandas chegou a descrever como sendo “fácil, fácil”, mas que na verdade só passou a sê-lo quando a Alvalade chegou Rúben Amorim.
Os seis anos de Varandas em Alvalade têm de ser vistos como amplamente positivos. A SAD tem apresentado bons resultados financeiros – e ele ainda ontem realçou que só não teve lucro no ano do Covid. Além disso, reestruturou a dívida, renegociando a da banca com resultados muito favoráveis, e voltou a unir o clube, ainda que enfrentando no início uma oposição declarada das claques, com as quais sentiu necessidade de chocar de frente, até com excessos que pareceriam evitáveis, de maneira a afastar todos os resquícios do “brunismo”, a aproximação leonina à figura plenipotenciária como as que foram Pinto da Costa no FC Porto e Luís Filipe Vieira no Benfica. No entanto, não é fácil imaginar nenhum destes sucessos sem o contributo da equipa de futebol e de Rúben Amorim. Por muito que Varandas venha agora elencar os treinadores que se recusaram a aceitar liderar o Sporting naquele período entre o final de 2018 e a Primavera de 2020 – e da lista constam técnicos tão diversos como Leonardo Jardim, o aguerrido Abel Ferreira, o taticista Unai Emery ou o lírico Quique Setién, o que deixa algumas dúvidas a respeito do processo de seleção –, a verdade é que antes de Amorim a carruagem nunca arrancou. Nem com Marcel Keizer nem com Jorge Silas. Nem com as muitas aquisições feitas para o plantel, dos Jesés aos Bolasies. E, se é evidente que o mérito da aposta no treinador é de quem arriscou pagar os 10 milhões de euros que o SC Braga pedia por ele, por um técnico sem passado, não deixa de ser claro que sem as vitórias que ele garantiu no campo, sem o aporte que ele deu ao processo de scouting, sem a liderança que ele exerceu no balneário, tudo seria mais difícil para departamentos cuja ação é igualmente fundamental mas não é suficientemente motriz.
O Sporting tem hoje três equipas ganhadoras, todas montadas em cima de líderes fortíssimos: o futebol de Amorim, o futsal de Nuno Dias e o andebol de Ricardo Costa. Dois destes três treinadores foram apostas da direção e da administração de Varandas – Nuno Dias chegou há mais de uma década com Godinho Lopes. E já se sabe que dirigir é delegar, rodear-se de quem tenha competência e garanta resultados. Nota 20 para Varandas, aí. Mas, como o líder leonino disse, ser presidente não é usufruir do presente, é sobretudo pensar o futuro. E já é mais ou menos ponto assente que o futebol terá Amorim até final da época, eventualmente por mais um ano – porque há um contrato... – mas depois terá de substituir o treinador, como teve agora de encontrar solução para quando se efetivar a saída de Hugo Viana para o Manchester City. Essa é outra diferença entre aquilo que se passa hoje em Alvalade e o que acontecera entre 2000 e 2002: então, houve um título ganho com Augusto Inácio e outro com Laszlo Bölöni, ambos com a colaboração próxima de José Veiga e da estrutura que ele importara do FC Porto, mas sem a presença de uma liderança tão marcante – o que deixou o futebol dos leões mais vulnerável assim que Veiga passou a sorrir lá para os lados da Luz. A liderança forte que esteve para entrar, que foi a de José Mourinho, em 2001, não superou a barreira das claques, cuja oposição Dias da Cunha e Luís Duque não quiseram afrontar de forma a acolher o técnico que estava de saída do Benfica e que depois veio a ser campeão europeu no FC Porto.
Se a soma destes factos deixou aquele Sporting mais próximo ou mais longe dos vícios daquilo que agora Varandas identifica como “portismo”, a maneira de fazer as coisas que Pinto da Costa instituiu e Luís Filipe Vieira adotou, caberá a cada um fazer a sua interpretação. Certo é que, hoje em dia, nenhum dos “rostos do sistema” está já no futebol para exercer a sua influência. E que é das lideranças postas em campo que mais dependem os sucessos ou os insucessos de cada equipa. Varandas tem hoje nas mãos um Sporting que é mais apetecível. Já não enfrenta a desconfiança do outro lado da mesa quando quer contratar jogadores, como lhe aconteceu quando foi buscar Nuno Santos ao Rio Ave. Se optou pelo modelo bicéfalo na direção do futebol, com um diretor-geral e um diretor de scouting a reportarem a ele mesmo, não há-de-ter sido por falta de candidaturas a ocupar o cargo de Viana. Foi porque assim o quis. Da mesma forma, quando chegar o dia em que terá de substituir Amorim, o presidente não ouvirá tantas negativas como ouviu quando quis contratar o seu primeiro treinador para o clube. Terá pela frente o embaraço da escolha. O futuro de Varandas está mais livre desse tipo de obstáculos de que se revestiu o seu passado, mas nem por isso será mais fácil, porque será um futuro de responsabilização. Não é justo que se diga que foi Amorim que fez Varandas, mas é verdade que muito do legado de Varandas dependerá do que fizer no pós-Amorim. Sem desculpas.
Por muito que Vieira goste de se auto-elogiar pela equipa - fora de campo - que construiu no Benfica, não há como não pensar que tempo teria Vieira no clube Luz, se em 2009 não substitui Quique Flores por Jorge Jesus. Acho que quer Vieira, quer Varandas são dirigentes que dependeram/dependem muito dos líderes de campo que escolheram/escolhem. Nesse aspeto, Pinto da Costa continua a solo, enquanto orquestrador de todo um edifício sustentável de vitórias. Com tudo o que isso possa ter de elogiável ou desprezível.
Varandas acaba por confessar que a contratação de Amorim mais não foi que sorte, claramente um acto de loucura que finalmente resultou, pois nem a primeira, nem a segunda, nem a terceira opção era, mas sim o que aceitou o desafio e Varandas pagou um absurdo por ele. Felizmente teve sorte e Varandas percebeu que o melhor para todos era deixar quem sabe trabalhar e não atrapalhar. Esperemos que caso Amorim venha a sair, tenha a sorte novamente do seu lado.