O futebol parou, sim senhores
Com o cheiro a Liga, voltaram as tricas, entre proteções do sorteio e queixas de falta de respeito. Diz Proença que "o futebol não pára", mas ele está parado há muito. E num sítio pouco recomendável.
Bastou o sorteio da Liga para as rivalidades animarem bem para lá do razoável – imagine-se o que vai acontecer quando a bola começar a rolar. Os benfiquistas acabaram o dia ufanos da atitude quase silenciosa dos seus representantes, em protesto contra algo que eles lá saberão o que é, aparentemente as arbitragens, mas que oficialmente não dizem, deixando fugir o palco ideal para serem claros e permitindo mais uma vez que a suspeição se espalhe pela Liga como chamas em mato seco. Os sportinguistas e os portistas, por sua vez, clamam contra a proteção dada no sorteio ao Benfica – e às outras equipas que vão estar nas pré-eliminatórias da UEFA –, como se isso não estivesse no regulamento que todos aceitaram e na verdade alguma vez tivesse sido decisivo, contribuindo também eles para uma guinada no sentido contrário ao sugerido pelo delicodoce texto enviado por Pedro Proença para as redações dos jornais. Sugere o presidente da Liga que o futebol não pare, mas a verdade é que as cabeças dos que o vivem e protagonizam não avançaram nada neste defeso.
Há muito tempo que revelei por aqui qual é a minha posição acerca das proteções dadas a clubes em função da sua presença europeia. Entendo a lógica, mas fui sempre contra. Sim, um dos argumentos dos Países Baixos para ultrapassar Portugal no ranking da UEFA passou por aí – e não foi só nas eliminatórias preliminares, pois os europeus neerlandeses têm, até, facilidades ao longo da temporada, como o direito a adiamentos ou antecipações, de forma a melhor poderem representar o país nos jogos da UEFA. Como já escrevi, entendo a lógica: pontuar na Europa é uma prioridade para recuperar o quinto lugar no ranking e não sair a perder na distribuição de vagas, por exemplo, na nova Liga dos Campeões. Mas ao mesmo tempo que estamos a criar um cenário de proteção internacional, criamos também outro de proteção nacional, atropelando as mais elementares regras de livre concorrência. É que se os clubes andam na Europa, recebem dinheiro – e não é pouco – para isso, logo têm a obrigação de se apetrecharem melhor para enfrentar as dificuldades. De construir plantéis mais vastos, de criar ambientes mais favoráveis. Faz, por isso, pouco sentido que sejam protegidos face a adversários que nem lá estão, que não têm as mesmas condições e que depois são forçados a enfrentar outras dificuldades.
Face ao cenário ontem criado, aparentemente, saiu a perder o Sporting, que vai a Braga logo na primeira jornada, visita o Dragão na terceira e ainda se desloca à Luz na primeira volta. É um arranque particularmente exigente, o da equipa de Rúben Amorim. Mas será mesmo? Ora olhemos para a última temporada. Nos jogos com os outros clubes que ficaram entre os quatro primeiros, os leões fizeram um ponto em casa (empate com o FC Porto e derrotas com o SC Braga e o Benfica) e sete fora (vitórias na Luz e em Braga e empate no Dragão). Mais: no mini-campeonato dos três grandes, a última Liga só conheceu uma vitória dos anfitriões (no FC Porto-Benfica) e teve três sucessos dos visitantes (nos dois dérbis de Lisboa e no Benfica-FC Porto). Foi um caso episódico? Talvez. Mas acho mesmo que esta coisa dos sorteios só seria verdadeiramente nociva se fosse feita semana a semana, sem possibilidade de fazer planificação. Porque, sabendo-se desde já o caminho a percorrer, qualquer treinador sabe onde terá de concentrar mais esforços. E um início exigente pode ser complicado se se falhar, mas pode também ser empolgante se se obtiverem bons resultados. Da mesma forma que um arranque contra adversários potencialmente mais débeis pode dar um lastro interessante e até algum avanço em caso de vitórias, como pode igualmente levar ao descrédito se, mesmo assim, houver percalços.
O acontecimento político da cerimónia de Kick-Off da Liga foi, assim, a coerência lacónica dos representantes do Benfica no momento de receberem os prémios que lhes foram atribuídos. Claro que ninguém tem obrigação de estender os discursos até ao momento em que toca a música para expulsar os agraciados do palco, mas o facto de todos os representantes do clube serem assim tão secos e concisos parecia uma mensagem, que as “fontes profissionais”, às quais o futebol continua a dar demasiado crédito, logo se encarregaram de descodificar: “É um protesto”. Contra quê? As arbitragens? Talvez. Mas se o Benfica sente que tem razão de queixa tem mesmo é de ser claro – e talvez o tenha sido em comunicações privadas – e de tentar a reforma do futebol por dentro em vez de continuar fora da direção da Liga. Porque de nada serve o positivismo de Pedro Proença acerca desta questão se ela continuar a minar a perceção do futebol que nos é passada todas as semanas em horas sucessivas de conteúdo televisivo. Porque, sim, o futebol até pode não parar, mas a capacidade destrutora do mau-perder continua a ser muito superior ao poder aglutinador de qualquer texto cheio de boas intenções enviado às redações dos jornais. E o mau-perder, atenção, veste-se de todas as cores, menos, naturalmente, da que ganhou.
Ontem, pode ter-lhe escapado:
Quer ouvir os textos em vez de os ler? Aceda ao meu canal de Telegram no link-convite para subscritores Premium, aqui em baixo:
Continue a ler com uma experiência gratuita de 7 dias
Subscreva a António Tadeia para continuar a ler este post e obtenha 7 dias de acesso gratuito ao arquivo completo de posts.