O folclore e a guerra surda no Benfica
Anda tudo entretido com detalhes folclóricos nas escutas da Operação Cartão Vermelho, mas o que importa, além de deixar funcionar a justiça, é a guerra surda pelo controlo das ações do lado vieirista.
A existência de programas televisivos como o Big Brother e a transformação dos serviços de notícias “modernos” em desfile de misérias e casos de polícia personificados está explicada na propensão que os humanos têm para se focarem no acessório e na coscuvilhice em vez de olharem para o essencial. Ainda agora, a propósito das escutas a Luís Filipe Vieira, no âmbito do processo Cartão Vermelho, anda toda a gente mais entretida com o facto de Mourinho gostar ou não de Jesus ou de o ex-presidente ter mais ou menos consideração pelas ações e opiniões de Rui Costa do que com o que verdadeiramente importa ali, que são os detalhes no trajeto dos milhões pagos em comissões e os locais aonde esses milhões foram parar. Ou até a continuação da guerra pelo controlo da SAD do Benfica, à vista no adiamento da nomeação da administração, porque o grupo afeto ao ex-presidente quer lá meter um representante que já sabia que ia ser recusado.
O povo pode até andar entretido com imagens de Bruno de Carvalho a cantar uma canção das Doce de fato de treino amarelo – sim, já vi mêmes... – mas isso não devia servir para que se esquecesse tudo o que de bom e mau ele fez na vida pública. O povo pode fazer milhares de partilhas de notícias do homem mais forte da Bélgica que morreu com Covid porque optou por não se vacinar ou da vizinha do quinto esquerdo que, sem vacinas, nem sentiu sintomas, mas isso não pode desviar-nos dos “big data”, que nos dizem que a esmagadora maioria dos internados com Covid não estão, de facto, vacinados. Os ‘big data’ podem até ser chatos, são mais difíceis de escrutinar e menos interessantes nas conversas de café, mas aí que se joga o campeonato que mais importa. A conversa entre José Mourinho e Jorge Mendes acerca da demissão de Bruno Lage e da intenção de Luís Filipe Vieira resgatar Jorge Jesus – contra a vontade do super-agente – tanto pode ser sintoma de antipatia entre Mourinho e Jesus como de amizade entre Mourinho e Lage – são ambos de Setúbal... – mas de qualquer modo não é isso que importa. O que importou, no Benfica, foi o que estava implícito: a mudança dos termos da parceria com a Gestifute, que a partir daí passou a estar aberta a trabalhar com os outros grandes também.
É nesse âmbito mais político que deve ser visto o impasse na nomeação da administração da SAD do Benfica. Mais importante do que os detalhes folclóricos que andam nas bocas do Mundo – alguns até de índole privada e que não têm nada que ver com as ilegalidades que a investigação aponta ao ex-presidente do Benfica – é o facto de Vieira, José António dos Santos e José Guilherme quererem meter na administração António Pires de Andrade, elemento que é visto como muito próximo das práticas do passado recente e que foi um dos vieiristas mais persistentes, tendo por exemplo substituído o ex-ministro Rui Pereira como presidente da mesa da Assembleia Geral quando este passou o limite do tolerável. É claro que o próximo passo da informação-espetáculo vai ser uma busca a todo o texto das escutas por detalhes mais folclóricos que suscitem a curiosidade da maioria com o envolvimento deste potencial administrador vindo do passado. Se alguma vez foi jantar a casa de Vieira, se levou vinho ou uma sobremesa ou se também gostava das bolachas da Magda, como o comentador Pedro Guerra. Mas a mim interessa-me bem mais saber por que razão se trava esta guerra surda, que levou mesmo ao adiamento por três semanas da eleição dos órgãos sociais da Benfica SAD.
Porque é que Rui Costa não quer Pires de Andrade na administração? Não, por mais que o digam, não é para poder cumprir a quota de mulheres obrigatória em sociedades cotadas em Bolsa. Essa é a justificação formal, mas está ao nível do fato de treino amarelo de Bruno de Carvalho – está lá para ser falada, porque certamente o Benfica também não aceitaria se os acionistas minoritários propusessem a nomeação de Vanda Vieira, a esposa do ex-presidente. Também não será para impedir José António dos Santos ou José Guilherme de terem acesso a dossiers delicados e a decisões tomadas, porque esse é o direito de quem tem tantas ações no bolo geral da SAD do Benfica. Já é preciso ser excessivamente crédulo para achar que é para impedir que Pires de Andrade vá contar a Vieira tudo o que lá se passa. Se a ideia fosse essa, certamente haveria gente não tão suscetível de acender luzes de alarme. Os acionistas minoritários da SAD do Benfica propuseram Pires de Andrade porque sabiam que Rui Costa ia recusar. Esta terá sido a forma de continuarem a guerra que passou recentemente pela falta de interesse do Benfica-clube em comprar de volta as ações ou em abrir a porta a novos investidores, como o americano John Textor.
Seria tudo mais fácil se fosse claro. Mas aí, se a conhecesse, Vieira até podia usar uma famosa frase de Johann Cruijff: “Se eu quisesse que vocês percebessem, teria explicado melhor”.
Incrível como mesmo fora do Benfica ainda continua a destabilizar o mundo Benfiquista e a encher capas de jornais. Eu confio na justiça e espero que no fim tudo fique bem claro quanto aos processos em que está envolvido mas se realmente ele for culpado de desvios de dinheiro no Benfica é realmente triste porque ele andou estes anos todos com Vale e Azevedo "na boca". Enfim ... Esperemos pelo final. LFV ainda deve estar com a espinha a meio da graganta pela forma como saiu do Benfica, ele queria sair em grande mas até agora saiu muito pequenininho.
Enfim... 😕