O fim da linha
O Sporting perdeu o terceiro jogo consecutivo e deixa a ideia de que o quarto é uma questão de tempo. João Pereira pode até vir a dar treinador, mas não agarrou a equipa quando tinha de o fazer.
Palavras: 1451. Tempo de leitura: 7 minutos (áudio no meu Telegram).
Podíamos ficar aqui a manhã e a tarde toda e ainda ter assunto para o serão a responder à pergunta: “o que é que está mal no Sporting?” A equipa que Rúben Amorim deixou no dia 10 de Novembro, com pleno de vitórias na Liga e dez pontos em quatro jogos na Champions, e que pelo menos até começarem a circular notícias acerca da sua deserção, o que acontecera duas semanas antes, após a vitória dominadora em Famalicão, parecia encaminhar-se para um ano eufórico, perdeu três jogos seguidos e poderá desde já ser alcançada pelo FC Porto e ultrapassada pelo Benfica na tabela, casos os candidatos se imponham nos jogos que têm em atraso. Culpa do treinador, dos jogadores, do presidente? Sim, de todos. Era evitável a crise? Dificilmente. Mas o jogo de ontem, onde mais uma vez a equipa se afundou em contradições evidentes entre as ideias que tentou desenvolver em campo e as que mais favorecem os seus jogadores, deixou às claras que o Sporting só lá vai com um reset, com capacidade para pôr tudo em causa. E que por mais que isso custe a todos os envolvidos, quanto mais tarde o fizer, mais longe vai estar dos objetivos a que se propõe, tenham eles que ver com resultados desportivos, financeiros ou sociais – que, como a administração da SAD depressa verificará, isso está tudo ligado.
A tese mais mirabolante que li ontem nas redes sociais foi a de que a culpa disto tudo era de Rúben Amorim, o “traidor” que se pôs ao fresco. Apesar de tudo, esta é uma tese que serve para evidenciar o pecado original de Varandas. O presidente do Sporting, que geriu muito bem todo o processo de transferência do treinador para Manchester, mantendo-o para os jogos com o Manchester City e o SC Braga, foi anjinho ao permitir que no contrato que com ele tinha figurasse uma cláusula de rescisão ativável a meio da época. O que lá estava escrito não só possibilitava a saída como incutia no técnico o sonho de a efetivar. Sabem porque é que são tão raros os casos de treinadores que saem de um clube na liderança (foram cinco em toda a história do nosso campeonato)? Porque é que Bela Guttman, Artur Jorge, José Mourinho ou André Villas-Boas, só para mencionar os que até ganharam provas europeias, não deixaram as suas equipas a meio de uma época? Porque não podiam. E essa é a primeira ilação a tirar do caso. Provavelmente, viesse quem viesse, a equipa ia sempre passar pelo sentimento de orfandade que vive neste momento. E, para o combater, percebe-se agora, Varandas iria precisar de um líder com uma capacidade mobilizadora que, ao menos nas suas intervenções públicas (conferências de imprensa, comportamento no banco...) o titubeante João Pereira não tem mostrado.
O segundo erro de Varandas foi a escolha do treinador. O terceiro erro, porventura mesmo o mais grave, foi a forma como a ele se referiu, alimentado pela vaidade de quem sobrevaloriza o seu próprio mérito nos resultados e de quem acha que, com ele à frente, não há quem não ganhe. Escrevi há pouco mais de um mês, aqui mesmo, no Último Passe, que “a escolha do inexperiente João Pereira” para o lugar de Rúben Amorim podia ser sintoma daquilo a que então chamei “soberba da estrutura”. Das duas uma: ou Varandas estava absolutamente convicto do sucesso que o treinador poderia ter, o que é difícil de entender, porque ele nunca tinha treinado em lado nenhum a não ser nos sub23 e na equipa B, e sem resultados extraordinários, ou foi subitamente acometido de uma estranha vontade de provar a todos que o segredo do sucesso não era Amorim. O problema é que, pelo que estamos a ver, era mesmo... E este complexo de Ícaro, que o levou a voar tão perto do sol com asas que afinal estão a revelar-se feitas de cera, não foi exclusivo de Varandas. Também João Pereira se deixou enganar pela oportunidade – quando nunca se treinou ninguém, há-de ser difícil dizer não à hipótese de treinar a equipa campeã nacional – e pelas palavras do presidente, que ainda por cima tem como amigo desde que ambos coexistiram no balneário, um como médico e o outro como jogador. À ambição natural, João Pereira há-de ter somado o orgulho. Caramba, quem é que não gostaria de ouvir o presidente do campeão nacional dizer que dali a uns anos estará à frente de um grande clube do futebol europeu? Essa frase, que pode ter sido para moralizar ou nascida da mais pura das convicções e que agora impede que Varandas faça a João Pereira o que fez a Leonel Pontes, o último a perder três jogos seguidos pelo Sporting, sem ao mesmo tempo fazer figura de tolinho, há-de ter acabado com as mais pequenas dúvidas do técnico escolhido. “Não estou preparado? Como assim, se o presidente até diz que daqui a uns anos estou a bater-me ao lugar do Guardiola?”, podia ele ter pensado.
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O problema é que, não, João Pereira não estava preparado. Justiça lhe seja feita, é provável que ninguém estivesse, que os sapatos de Amorim se revelassem impossíveis de calçar por quem quer que fosse. Mas a quebra da equipa não é apenas anímica, fruto da orfandade que sentirá, do luto que estará a fazer por um treinador em quem acreditava até aos limites. Ela nasce também da gritante falta de capacidade mobilizadora de toda a equipa técnica – e não ajuda que Pereira esteja limitado no banco pela falta de diploma –, das realidades alternativas que têm sido vistas por Tiago Teixeira nas flash-interviews, do discurso titubeante do próprio João Ehhhhh Pereira ante os jornalistas, que ele possivelmente repetirá com os jogadores, e sobretudo de opções táticas dificilmente compagináveis com as caraterísticas dos jogadores. Os adeptos queixam-se de escolhas individuais, da opção por Edwards nas primeiras derrotas, das substituições de defesas-centrais – e é curioso que essas sejam as decisões que consigo defender. Não deixa de ser interessante que o momento mais afirmativo do treinador tenha sido quando defendeu as suas ideias, que são diferentes das de Amorim. “Não vou imitar uma coisa que não sei replicar e trabalhar”, disse. Faz sentido. O problema é que as alterações trazidas por Pereira, sobretudo nos posicionamentos – alas mais subidos, losango interior dos médios – anulam as maiores forças desta equipa. E ainda ontem foram exploradas por César Peixoto, cujo Moreirense conseguiu inúmeras saídas em transição ofensiva em quatro ou até cinco para três, tão altos estavam os alas leoninos, e que a defender via a acumulação de adversários (e dos seus marcadores) no espaço interior anular as linhas de corrida de Gyökeres e encaminhar o jogo constantemente para fora, que era onde havia espaço. De acordo com os dados Opta Sports, revelados pelo Sofa Score, o Sporting fez nos jogos com o Arsenal, o Santa Clara e o Moreirense um total de 78 cruzamentos. Nos últimos três jogos de Amorim tinha feito 29. E sabem quantos dos últimos dez golos de Gyökeres nasceram de cruzamentos? Zero. Está aí o problema.
Aqui chegados, se me perguntarem “conseguirá João Pereira dar a volta à situação?”, a minha resposta é que não acredito. O Sporting inevitavelmente voltará a ganhar jogos e a encontrar o reforço moral de que precisa para atacar cada um com menos ansiedade, mas uma coisa não vai mudar: as ideias de Pereira não são, em abstrato, boas nem más, mas não são as melhores para estes jogadores. No limite, o que a situação está a provar é que a estrutura, afinal, existia mesmo e estava tão afinada que era capaz de escolher jogadores para as ideias de Amorim e que esses mesmos jogadores sofrem se lhes mudam o perfil de jogo pedido. João Pereira tem, depois, um problema adicional. É que o terrível início que protagonizou vai sempre pesar-lhe na perceção que os jogadores terão da sua liderança. Hjulmand pode vir dizer, como já disse, que a mensagem está a passar com clareza, mas é inevitável que os jogadores olhem para este treinador como o que não foi capaz de os manter no topo, que duvidem mais dele a cada dia. E é isso que é decisivo na necessidade de um reset, de uma rotura, por mais que ela acabe por forçar Frederico Varandas a perder face. O jogo de ontem foi mesmo aquilo que pareceu: o fim da linha.
Bom artigo, António, mas um reparo. É que as roturas fazem-se quando existem alternativas, alternativas credíveis e válidas. E o problema é que elas, neste momento, não existem. Pelo menos, eu não as estou a ver. Varandas pôs-se encurralado em Dezembro, e AGORA não estou a ver ninguém fazer esta equipa sair do buraco em que está !!
Eu acho grave quando João Pereira diz que não sabe replicar o sistema, algo que qualquer pessoa minimamente entendida e que estude o que se passou consegue. O que não consegue é replicar todos os métodos: o treino, as decisões durante o jogo, o discurso...Mas não consegue replicar o sistema de inicio? João Pereira quis se afirmar e mudou o que não podia nem devia ter mudado e conseguiu o mais difícil que é transforar uma equipa vencedora num a equipa perdedora e estragar o que estava bem feito. Não tenho memória de um treinador tão mau num grande em Portugal desde Robert Waseige, porque ainda que existissem dificuldades, perder 3 jogos seguidos, não é para qualquer um.