Afirma-te, Pereira!
Rúben Amorim fica no Sporting mais semana e meia, adiando a entrada de João Pereira até à pausa FIFA. Este é um ensaio sobre as ténues linhas entre o melhor para o clube e o melhor para a equipa.
Palavras: 1395. Tempo de leitura: 7 minutos (áudio no meu Telegram).
Frederico Varandas fez valer o que estava escrito nos contratos e impôs a Rúben Amorim a necessidade de respeitar pelo menos parte do necessário pré-aviso de 30 dias antes de deixar o Sporting e assumir o comando do Manchester United. O treinador vai assim liderar o grupo já sabendo que está a prazo nas receções ao Estrela da Amadora e ao Manchester City e na visita ao SC Braga, de domingo a uma semana, permitindo que João Pereira tenha depois 12 dias entre a entrada em funções e a estreia, na partida da Taça de Portugal contra o Amarante FC. É o melhor para a equipa? Não. Mas é o melhor para o clube. E é o melhor para o clube porque estabelece limites, traça uma linha no chão que pode vir a ser útil no futuro, sempre que algum tubarão europeu olhar para Alvalade e achar que há ali algo que lhe interessa. Mas não só as linhas que separam o bem e o mal feito são neste caso extremamente ténues como é importante que Varandas e Pereira percebam que a tarefa que têm pela frente não é apenas bastante mais vasta como excede em muito esta primeira necessidade de afirmação face ao que não depende deles.
O Sporting fica numa situação complicada. Era o principal favorito à conquista do título, mas viu os limites do seu estatuto de clube em recuperação vindo de um país periférico serem-lhe esfregados na cara nas saídas de Hugo Viana e, agora, Rúben Amorim. O primeiro segue para o Manchester City no Verão, o segundo para o Manchester United já a 11 de Novembro. E as deserções, naturalmente, afetam a candidatura ao bicampeonato de uma equipa que, até ver, segue com pleno de vitórias (27 pontos em nove jornadas) na Liga e bem lançada para atingir o playoff da Liga dos Campeões. A questão que pode colocar-se agora, consumados os factos, é se as fugas teriam sido evitáveis. E sim, talvez o tivessem sido, mas não nesta altura. Nem no último Verão. O erro de Varandas não foi ter ficado com Amorim no início da época, mesmo sabendo – porque se nós o sentíamos ele devia sabê-lo... – que ele saltaria fora à primeira oportunidade. Afinal de contas, falamos do treinador que lhe fez o sucesso. Não vou alongar-me acerca do que teria acontecido a Varandas se em Março de 2020 não tivesse cometido a loucura de ir a Braga contratar Rúben Amorim, mas o ano e meio de mandato que já levava nessa altura não lhe augurava um futuro longo e radioso no cargo. Amorim não só foi campeão em 2021 como conseguiu que o futebol do Sporting voltasse a fazer sentido de cima abaixo, voltou a ganhar a Liga em 2024 e fez crescer água na boca da nação sportinguista ao falar em bicampeonato na festa do Marquês. O erro de Varandas terá sido, quando muito, cometido em Novembro de 2022, quando renovou contrato ao treinador, com a equipa em quarto lugar da Liga, já a 12 pontos do Benfica de Schmidt, e não aproveitou a situação de fragilidade em que ele estaria para lhe impor limites mais apertados à possibilidade de saída, impedindo-a, por exemplo, a meio de uma época desportiva.
Desse erro, porém, é possível extrair ensinamentos. Na feliz eventualidade de voltar a ver-se numa situação como a atual – porque a situação é fruto do sucesso do projeto – sabe que tem de se precaver. E foi muito por isso, para deixar um sinal para os tempos que aí vêm, que acaba por ser necessário o braço de ferro que atrasa a partida de Amorim e a entrada de Pereira. Se Varandas fez finca-pé em trazer a data da transição para a mesa das negociações não há-de seguramente ter sido por birra ou para sacar mais um milhão de euros ao Manchester United. A única razão que me faz sentido para esta intransigência é a de deixar um sinal que o Sporting terá de confirmar no futuro, a começar já em Janeiro. O sinal de que o clube não está a saque. Achei curioso que ontem já tenham surgido notícias indicando que Gyökeres, Hjulmand, Pedro Gonçalves e Gonçalo Inácio estariam na mira do Manchester United já em Janeiro. Tenho as mais sérias dúvidas acerca da capacidade do clube inglês, não é de pagar – que falamos de um dos clubes mais ricos do Mundo –, mas sim de fazer passar mais investimentos de monta nas contas impostas pelas Regras de Lucro e Sustentabilidade da Premier League, já afetadas pelos avultados gastos do Verão e agora agravadas pelo despedimento de Erik Ten Hag e pelo pagamento da cláusula de Amorim. O que está implícito na “birra” de Varandas é a afirmação de princípio de que, tal como o treinador que está de saída bem sabia e sempre quis fazer valer, dali só se sai pela cláusula de rescisão. Caberá aos jogadores, aos pesos-pesados do balneário, que de acordo com as notícias mais recentes confrontaram Amorim com a decisão de os abandonar, entender isso. E caberá ao presidente afirmar com todas as letras que essa é a lei pela qual o clube se rege.
E é aqui que as coisas começam a ser difusas. Porque, primeiro, exigem o entendimento desta situação por parte do plantel – e já se sabe que é quando as coisas sobram para o lado deles que os jogadores vacilam. Depois, porque dependem da afirmação de uma liderança forte de balneário por parte do substituto de Amorim. E, mais uma vez, Varandas ficou entalado no meio de dois caminhos que são, em si, contraditórios. Porque se é evidente que é bom para o clube e mau para a equipa ser dirigida em três jogos importantes por um comandante que já se sabe que vai sair, é igualmente claro que, depois de Amorim, o Sporting necessita de um treinador que não tenha uma identidade muito vincada, para manter os princípios básicos da equipa, mas que ao mesmo tempo exerça uma liderança forte, para segurar o grupo em torno dos objetivos. A escolha do inexperiente João Pereira para substituir Amorim pode ser vista como sintoma da soberba da estrutura, como se Varandas pensasse à maneira do Pinto da Costa dos anos 90: “o treinador é indiferente desde que esteja cá eu”. Mas também pode ser um sinal da noção de que seria impossível vencer mudando processos a meio da época, abdicando dos centrais progressivos em construção, dos alas de pé invertido, dos avançados interiores em apoio próximo a Gyökeres... Podia Varandas apostar num treinador experiente e com currículo mas depois dizer-lhe que teria de manter as ideias, o modelo e o futebol que foram implementados pelo seu antecessor? Que consagrado aceitaria essa imposição? Se respondeu nenhum está a dar a resposta certa.
Treinar uma equipa de alto rendimento é muito mais do que escolher o onze, um sistema e fazer as substituições – ainda que seja nisso que a maior parte dos adeptos se centra. Treinar uma equipa de alto rendimento é manter o nível elevado no trabalho semanal – o que vai depender mais do resto da equipa técnica do que do seu líder –, é definir dinâmicas e formas de jogar, é analisar adversários de forma a melhor lhes anular pontos fortes e explorar fraquezas – e mais uma vez isso depende mais dos observadores do que do treinador principal –, é comunicar para o grupo, de forma a extrair o máximo de cada um, e para o exterior, de maneira a gerar a envolvência indispensável ao sucesso. Todos estes parâmetros exigirão a afirmação rápida de João Pereira e o escrutínio sagaz da estrutura, que pode ter de decidir com base em sinais pouco claros se a experiência da promoção do treinador da equipa B chegou ou não ao ponto sem retorno. No meio disto tudo, uma coisa é certa: o Sporting até pode sair deste processo mais forte em união ou em clarificação de política clubística, mas a candidatura dos leões ao bicampeonato fica claramente fragilizada. E quanto a isso, como disse Amorim na terça-feira, “é lidar”.
António, em relação à saída de Ruben Amorim dei a minha opinião ontem. Mas tenho uma pergunta: será verdade que o MU quer vir buscar a estrutura do Sporting? Li que eles queriam contratar também (atenção que adjuntos acontece sempre isso - vai o treinador e vão alguns adjuntos) a estrutura, nomeadamente pessoas do scouting e observação de equipas adversárias. Isso é mais grave do que chegar e levar o treinador (e mais alguns adjuntos, que vão sempre). Será verdade isso? Não sei se li ou ouvi em algum podcast.
Excelente artigo. Para a equipa, é mau que Amorim continue, lembra aqueles casais que se vão divorciar, mas por razões várias, decidem ficar mais uns meses juntos. O ambiente tende a ficar ainda mais azedo.