O exemplo do Rio Ave
Há cerca de um ano, o Rio Ave que foi parar à II Liga eliminou o Besiktas e só caiu nos penaltis perante o Milan. O embalo psicológico será fundamental hoje para Sporting e FC Porto.
Os jogos com o Besiktas e o Milan, hoje, serão decisivos para o futuro imediato de Sporting e FC Porto não só na Liga dos Campeões como até nas competições internacionais, já que duas derrotas comprometerão muito seriamente mesmo a continuação na Liga Europa. Não é uma questão de se poder perceber, em 90 minutos, quem é melhor ou pior, mas sobretudo a de se entender a importância do embalo psicológico na classificação final. Como se perceberá no exemplo do Rio Ave, que ainda há cerca de um ano eliminou o Besiktas – nos penaltis, é certo... –, caiu à justa perante o Milan – também nos penaltis – e, esgotado esse embalo, esse entusiasmo de estar a defrontar equipas deste enorme gabarito, foi definhando a ponto de ir parar à II Liga.
Seria aquele Rio Ave, que há cinco meses perdeu a “liguilha” com o FC Arouca, marginalmente superior ao Besiktas, que acabou por ser campeão turco, e apenas marginalmente inferior ao Milan, que liderou a Série A durante meses e a acabou num ótimo segundo lugar da Liga italiana? Provavelmente não. Mérito do treinador da altura, Mário Silva, que fez aquele grupo de jogadores crescer à altura dos desafios, como pode ter havido demérito de Sergen Yalçin ou Sandro Pioli – ambos continuam em funções – na forma como não foram capazes de fazer os seus próprios jogadores perceber a dimensão do obstáculo que tinham pela frente. Esse é o desafio mais importante que Rúben Amorim e Sérgio Conceição enfrentam hoje. O Sporting e o FC Porto não são tão inferiores à concorrência como o mostram os 5-1 que encaixaram em casa do Ajax e do Liverpool FC, em duas noites nas quais não foram capazes de se elevar à altura da competição. Em ambos os casos houve razões profundas a explicar os resultados e elas não tiveram apenas a ver com qualidade.
No caso do Sporting, o controlo de danos começou a ser feito em Dortmund. Depois de uma noite catastrófica contra o Ajax, sobretudo do ponto de vista defensivo, na Alemanha já foi feito o toque a reunir, redundando no crescimento da solidez dos comportamentos sem bola, mas ao mesmo tempo na total ausência no que toca à parte ofensiva do jogo. A Champions tem sido um carrossel emocional para o Sporting, que em consequência do título nacional se julgava a última bolacha do pacote antes de ser humilhado pelo Ajax e, depois, se achava mais miserável do que é de facto, antes de renunciar a trazer fosse o que fosse de Dortmund. Hoje, em Istambul, perante uma equipa que lhe é acessível, terá de juntar o melhor desses dois mundos se quer continuar a ter aspirações europeias, seja na Champions – duas vitórias no duplo confronto com os turcos deixariam tudo em aberto – ou na Liga Europa. Rúben Amorim deu o exemplo da derrota que sofreu em Istambul, a jogar pelo SC Braga, para dizer que este Sporting é melhor do que era a equipa em cujo meio-campo alinhava, e o mesmo pode dizer-se relativamente ao onze que os leões apresentaram na última visita a Istambul: empataram a um golo, com Naldo e Tobias como defesas-centrais e com Carlos Mané e Matheus Pereira no ataque.
Já o caso do FC Porto é mais difícil de explicar sem recurso ao medo que os dragões mostram face a ingleses, diretamente proporcional ao agigantamento que exibem sempre que do lado de lá estão equipas italianas. Ele próprio um vulcão emocional, Sérgio Conceição não costuma ver a equipa traí-lo nesse particular, fruto provavelmente da grande experiência europeia de alguns dos seus jogadores – Pepe fará hoje o 108º jogo na Liga milionária, ultrapassando Figo no top de portugueses, se no lote incluirmos as pré-eliminatórias. Aliás, a capacidade do FC Porto para anular esse efeito mental nestes jogos de alto nível esteve bem à mostra na forma como anulou o Atlético em Madrid, saído do Wanda Metropolitano com um 0-0 e um ponto que ainda soube a pouco, em virtude do golo anulado a Taremi. Depois, com o Liverpool FC, Conceição queixou-se de falta de empenho, mas aquilo que mais vi foi mesmo uma brutal diferença de qualidade – desde o regresso de van Dijk, permitindo a estabilização do meio-campo, o Liverpool FC está outra vez ao mais alto nível –, a inadaptação do costume ao jogo dos ingleses e uma espécie de sentimento de inevitabilidade, como se a goleada fosse certa no confronto com aquele adversário. Ora essa inevitabilidade costuma funcionar ao contrário sempre que o FC Porto enfrenta italianos, como se vê no histórico recente e nas eliminações de Juventus, AS Roma e SSC Nápoles. Hoje, com uma equipa psicologicamente estável e a aproveitar esse embalo, o FC Porto pode perfeitamente fazer a primeira parte da tarefa que passa por conseguir pelo menos quatro pontos nos dois jogos com o Milan, a única forma de continuar a pensar no apuramento e de o fazer depender, depois, de uma vitória caseira com o Atlético Madrid.