O Evanilson real
A capacidade do atacante do FC Porto para ligar em apoio, promover rupturas em diagonal curta e finalizar certeiro está a torná-lo fundamental. E quando voltar Taremi? Não mexe, que está bem assim.

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Aquela imagem de festejo, que num golpe de marketing bem-sucedido o FC Porto já replicou com quatro miúdos da escola Dragon Force, com Evanilson e Galeno de pé, o primeiro com os braços cruzados e o segundo de braços abertos, e com Pepê e Francisco Conceição de cócoras à frente deles, é a imagem perfeita para mostrar o que aconteceu à equipa desde os 4-0 com que venceu o Estoril, na Amoreira, em jogo da Taça de Portugal. Foi esse o dia em que a equipa voltou a funcionar e, chamem-me teimoso por continuar a achar isso, tal só aconteceu porque foi esse o dia em que o FC Porto assumiu que Otávio tinha ido embora e que, para fazer render os que ainda cá estão, eles teriam necessariamente de ter um papel personalizado no grande esquema das coisas. A busca pelo novo Otávio, que já tinha menorizado o futebol de Franco, Eustáquio, Pepê e até Jaime, foi nessa noite dada como terminada, não porque tenha por fim sido bem sucedida, mas porque nessa noite o treinador decidiu-se finalmente a seguir outro caminho. E é estranho que para tal a equipa tenha tido que deixar de contar com outra das suas figuras de proa, Taremi, que foi para a Taça da Ásia representar a seleção do Irão. Se já lhe era difícil encontrar um clone de Otávio, achar um do médio e outro de Taremi tornava-se ainda mais complicado. E foi então que se fez luz. O FC Porto assumiu o 4x3x3, manteve umas nuances no comportamento diferenciado dos dois laterais e dos dois extremos – Wendel mais por dentro à esquerda, João Mário mais por fora à direita, Galeno aberto na esquerda e Pepê a trocar muito com Conceição na direita – mas deu finalmente estabilidade a Evanilson e Pepê e a Conceição o estatuto de titular que ele há muito vinha fazendo por merecer. Sem diminuir aqui o papel importante que passou a ser desempenhado por Nico González a meio-campo, ora baixando para auxiliar Varela em construção, ora assumindo a meia-esquerda em criação, houve dois jogadores que cresceram muito com esta mudança, que foram Pepê e Evanilson. O médio passou a ter personalidade própria nesta equipa. Já não se lhe pede que seja o novo Otávio, que seja hoje lateral, amanhã terceiro médio, depois de amanhã extremo, às vezes segundo avançado. Pede-se-lhe que desequilibre na meia-direita, como terceiro médio, sim, mas sobretudo no momento defensivo, que a atacar ele é o “10” de uma equipa que depois mete um extremo forte no um para um por dentro e com isso o liberta ainda mais. E o ponta-de-lança vive o melhor momento desde que chegou a Portugal, sete golos nos últimos quatro jogos, primeira série de quatro partidas seguidas sempre a marcar, a deixarem-no á beira de um teste na seleção brasileira que certamente lhe valorizará o preço do passe. Evanilson está mais forte fisicamente, cai menos vezes no contacto, e ainda que não seja jogador de grandes espaços, que não está lá para grandes correrias no ataque à profundidade, beneficia muito da ameaça de Galeno para que os adversários não subam tanto assim o bloco e impõe a sua lei na inteligência com que faz diagonais curtas e finaliza com os dois pés. Durante muito tempo, Evanilson só rendia em dupla, precisava de Taremi perto dele, mas o que este mês nos tem dito é exatamente o contrário, que ele se soltou através do acréscimo de responsabilidade que passa por tê-lo sozinho na frente, sem o forçar a movimentos para a lateral que abrissem o caminho a outros por dentro. A questão que se coloca agora é: e quando Taremi voltar? Para mim é simples: se está bem, não mexe. Poderá Taremi fazer o que faz Pepê e Pepê fazer o que faz Conceição? Poder podem, mas não creio, de todo, que essa venha a ser a prioridade do treinador.
Vira o disco e toca o mesmo. Não sei se a culpa é dos jornalistas, que fazem sempre a mesma pergunta, ou de Rúben Amorim, que dá sempre a mesma resposta. Mas já cansa ouvir o técnico do Sporting repetir, quase todas as semanas, que se não ganhar nenhum troféu vai-se mesmo embora. A conferência de imprensa de antecipação do jogo com o Casa Pia teve, ainda assim, o mérito da clareza: desta vez a coisa não ficou por subentendidos ou meias palavras. “Se não ganharmos títulos, sairei pelo meu pé!”, disse Amorim. Mas se foi claro, corre bem o risco de não ter sido totalmente verdadeiro. Não me importa que alguns adeptos achem que esta é a maneira correta de estar no futebol, porque recupera uma cultura de exigência que é imprescindível, ou que outros achem que é uma pressão intolerável sobre os jogadores. Não sei o que se passa dentro daquele balneário e não posso sequer especular acerca do que será a resposta dos jogadores a esta premissa, se se sentirão mais responsabilizados ou se ficarão mais pressionados, e se isso os liberta ou os limita. Isso depende de cada grupo. Sei, sim, que Amorim tem contrato até 2026 – são mais dois anos além deste – e cláusula de rescisão, que é de 30 milhões de euros em Portugal e 20 milhões para o estrangeiro. Aliás, o Sporting teve de pagar ao SC Braga para o contratar e, por muito que Amorim fique chateado se não ganhar um título esta época, não será nunca ele a poder tomar a decisão de ir embora. A não ser que o clube aceite a necessidade de ir à procura de um substituto ou que ele decida parar de ser treinador – o que, convenhamos, era uma pena.
Vai ser um verão quente. Ainda por cima, o próximo Verão será certamente animado no que toca às movimentações de treinadores, pois muitos dos bancos mais quentes da Europa vão mudar de ocupante. Não sou daqueles que, a cada vez que há mudanças nos clubes de topo da Europa, acha logo que está toda a gente a olhar para os nossos treinadores, para Schmidt, para Conceição ou Amorim. Mas as primeiras peças do dominó já começaram a cair e atrás delas outras virão. Jürgen Klopp – que, tal como Amorim, tinha contrato até 2026, mas teve a anuência do clube por sentir “falta de energia” – anunciou que vai sair do Liverpool FC e, de acordo com a justificação que apresentou, vai certamente parar. Xavi Hernández revelou que vai deixar o FC Barcelona, onde não se sente protegido. Thomas Tuchel não tem a vida fácil no Bayern, a ponto de se falar já na possibilidade de lá entrar Xabi Alonso, que no entanto é também falado para Anfield Road. São, afinal de contas, dois clubes onde ele jogou... Erik Ten Hag precisa de melhorar muito os resultados para convencer os novos patrões do Manchester United de que é mesmo o homem ideal para o clube e nem Maurício Pochettino está seguro no Chelsea. De Guardiola só se crê que fica no City se o clube for condenado nos processos de Fair Play Financeiro e acabar por descer de divisão administrativamente, mas não se sabe bem o que ele poderá fazer em caso de voltar a ter sucesso a todos os níveis – da mesma forma que teria a sua piada ver Mikel Arteta ser ponderado para regressar, agora como chefe de equipa, deixando o Arsenal à procura de técnico. Em Itália, exceção feita à AS Roma e ao SSC Nápoles, que são de segundo mercado, parece tudo estável, mas só até ao momento em que Simone Inzaghi seja sondado por um grande do estrangeiro e num Inter que já não investe tanto como há um par de anos se comece a procurar um sucessor. A juntar a tudo isto, há fase final do Europeu, com as trocas que são normais entre selecionadores. Vamos ter um Verão muito quente.
O jogo dos equilibradores. A final da Taça da Liga foi pobre – e é uma pena, porque o futebol nacional tinha muito a ganhar com uma manifestação de riqueza num jogo entre duas equipas fora do arco da popularidade máxima. Mas se o Estoril olhou para o SC Braga e viu um rival mais poderoso, o que o levou a conter-se, o SC Braga olhou para si próprio e viu uma equipa sem a chama atacante de outros tempos e apostou também mais nos equilíbrios do que nos desequilíbrios. O jogo foi marcado pela decisão de Artur Jorge colocar Vítor Carvalho como anti-Guitane e pela resposta de Vasco Seabra, que tirou o francês da zona onde ele se sente mais confortável, por dentro, aproximando-o da lateral. Sem a capacidade para esticar o jogo que lhe dá Rodrigo Gomes e sem a intervenção criativa de Guitane, o Estoril assumiu que ia a Leiria para aguentar o embate e tentar surpreender em momentos específicos. Quando se viu a ganhar, isso prendeu-o ainda mais, enfatizando a capacidade de Mateus Fernandes para os duelos. Mas o golo não soltou o SC Braga, que empatou rapidamente e, até final, também não mostrou mais do que a geometria do futebol de Moutinho a fazer circular a bola pelo campo. O empate final foi justo para as duas equipas, os penaltis separaram-nas e mandaram a taça para Braga. Foi justo? Foi. Também seria ao contrário. Mas como espetáculo não foi mesmo grande coisa.