O que é a Taça da Liga
A Taça da Liga nasceu como forma de dar jogos a quem os não tinha, mas evoluiu para uma maneira de garantir mais receita aos de sempre. Amanhã, cabe aos que se sentem injustiçados responder.
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A Taça da Liga nasceu numa altura em que o campeonato se jogava a 30 jornadas e havia um ramo de treinadores que se queixavam que por cá se treinava muito e se jogava pouco. Apesar de tudo, surgiu como uma competição alternativa, onde essa vertente era valorizada até em regulamento, pondo os diretores de equipa a fazer contas em jornadas decisivas, porque uma das alíneas definia como critério de desempate na fase de grupos a utilização de jogadores de média de idades mais baixa. O Vitória FC ganhou a primeira edição, o Benfica tomou depois conta do palmarés, é um facto, mas antes da primeira vitória do Sporting (em 2018) e do FC Porto (em 2023) ainda houve sucessos do SC Braga (em 2013 e 2020) e do Moreirense (em 2017). Regra geral, porém, havia sempre um dos três grandes na final: a de amanhã é apenas a segunda vez em que tal não acontece. Num país onde ainda recentemente uma sondagem da Intrapolls revelou que nove em cada dez cidadãos que gostam de futebol (91,5 por cento) são adeptos de um dos três grandes e face à nova realidade de jogo, que mudou muito nesta década e meia, graças ao peso crescente do audiovisual e a um esmifrar dos jogadores pela vertente económica, forçando-os a fazer cada vez mais jogos, esse não é um mero detalhe. É um pormaior. Mas não deve, em nenhum caso, sobrepor-se à realidade desportiva. A Taça da Liga, cuja criação aplaudi, porque via nela mais uma possibilidade de levar o futebol a campos de província, com a nunca testada fase de grupos logo a abrir, a aproveitar a presença no país, em Agosto, da diáspora, sedenta de ver os seus clubes do coração ao vivo, e a permitir aos grandes uma espécie de epílogo competitivo para a pré-época, nunca foi aquilo que podia e devia ter sido, mas transformou-se, muito por força do que querem os clubes, do que ditam os mercados, numa simples caixa registadora. O trabalho feito pela Liga desenvolveu-se na perspetiva do marketing e não do enriquecimento da competição: arranjou-se uma forma de capitalizar o acontecimento com a criação do conceito da Final Four (uma boa ideia), para logo de seguida se acentuarem os aspetos do regulamento que favoreciam a qualificação dos mais poderosos para essa ocasião (o que em si já era um atropelo da ética e da moral desportivas). É isso que já se faz quando se isenta os europeus das primeiras fases – e uma das lendas da Taça da Liga é precisamente a eliminação prematura do FC Porto pelo CD Fátima, na primeira edição –, ao abrigo da noção de que já têm muitos compromissos no calendário. É igualmente isso que está a cozinhar-se quando se prepara a alteração que tira a possibilidade de jogar a prova aos clubes que acabem o campeonato abaixo da sexta posição. Uma prova que nasceu (lembram-se?) porque os clubes não-europeus se queixavam de ter muitos treinos e poucos jogos. A alteração muda a natureza do acontecimento, que deixa de ser uma competição para se tornar uma exposição, um summit, que escrito em inglês parece mais capaz de capitalizar investimento dos bacocos que ainda não eram nascidos quando o Eça gozava com eles. Ao pé disso, a projetada mudança da Final Four para o estrangeiro, em busca de mais dinheiro, não passa de um detalhe assente na consciencialização de que o que conta é a TV – e não o adepto que vai para a bancada – e que o que rende é pôr a jogar os clubes que têm mais mercado e não um Estoril qualquer, que até vai estar na final mas que de acordo com as novas regras nem devia estar a jogar a competição. No limite, vale mais um Benfica-Sporting ou um Benfica-FC Porto em Riade do que um SC Braga-Estoril em Leiria, mesmo que para os primeiros seja necessário contratar figurantes que preencham a bancada, não prejudicando a qualidade da transmissão televisiva. Isto é tudo evidente, mas constatá-lo não chega. Há que agir. E agir é dignificar as duas equipas que chegaram à final. É ir ao jogo, é vê-lo, é escolher um lado, se é disso que precisa para ter interesse. É dar aos finalistas a honra de os tentar compreender, de os ver e de os analisar. Lembro-me do ano em que o Campomaiorense e o Beira Mar se apuraram para a final da Taça de Portugal e, no Record, decidimos que o jogo seria tratado como se fosse um Benfica-Sporting, com o mesmo espaço e a presença no local das primeiras figuras da redação. É nisso que me revejo e não naquilo a que assistimos numa semana em que as duas equipas vencedoras tiveram menos de metade do espaço dedicado às vencidas. Claro que nem todos os jogos são iguais, nem todos têm a mesma relevância, mas este será um jogo especial, porque dará um título. E por isso terá da minha parte o mesmo tratamento que teria se fosse um clássico, com Flash no sábado à noite e antecipação na Live do FDV de hoje (18h, no meu canal de YouTube). E a vossa resposta, qual será? Vão agir agora ou limitar-se-ão a protestar depois, quando a prova for para fora do país e foi chique dizer que está mal?
Arte ou velocidade. Há dois jogadores capazes de captar as atenções em antecipação ao jogo de amanhã: Álvaro Djaló e Guitane. O extremo bracarense é velocidade, repentismo, ganho de profundidade, o criativo estorilista é arte, invenção, desbloqueio nas entrelinhas. Num SC Braga privado de Banza, o seu jogador mais contundente no ataque a posições de finalização, e com Ricardo Horta em quebra, vitimado pela permanente mudança de função, porque tem sido peça móvel no esquema de Artur Jorge, dependente do que o treinador faz com Zalazar, é Djaló quem mais abana a busca de estabilidade que tem marcado a equipa desde que nela se entronizou o meio-campo formado pelos seguros (mas nunca disruptivos) Moutinho e Vítor Carvalho. Continua vivo o debate acerca das razões que levam este SC Braga a sofrer muitos golos, se é por falta de qualidade dos integrantes da sua linha mais recuada, por excesso de busca de progressão do seu meio-campo ou por colocação demasiado alta do bloco. O zero nas redes de Matheus contra o Sporting deixou ver a versão mais cautelosa: bloco mais atrás e meio-campo mais conservador. Terá o Estoril a qualidade suficiente na mente de Artur Jorge para o levar a esta abordagem mais securitária? Chegará Guitane para levar o treinador do SC Braga a condicionar Vítor Carvalho, a exemplo do que fez quando teve pela frente Vinicius Jr. ou Edwards? É que, apesar do empate contra o Benfica, este Estoril não vive uma boa fase no plano defensivo. A equipa que tão bem discutiu o jogo em Braga (perdeu lá, na Liga, por 3-1, mas esteve a ganhar e na discussão do resultado até ao minuto 90) condicionou a capacidade ofensiva à indisponibilidade para sair com muita gente, mantendo as linhas juntas atrás e não dando ao Benfica muitas oportunidades de acelerar por dentro ou de meter passes atrás do bloco em momentos de contra-transição. Este é um Estoril com identidade, marcada por uma saída de bola bem trabalhada, por um meio-campo mais seguro com Mateus e Holsgrove mas mais capaz de queimar linhas com Koindredi e depois por um trio da frente que conta com a arte de Guitane e pode variar da velocidade vertical de Heriberto à ligação interior que lhe dá João Marques. O Estoril não terá Rodrigo Gomes, que é emprestado pelo SC Braga, o que já de si é uma baixa importante, mas sobretudo não tem neste momento nos três de trás gente com a confiança que já chegou a mostrar noutros momentos da época. Mas, tal como no caso do SC Braga, muito do que a equipa vai ser dependerá de uma escolha do treinador. Onde vai jogar Zalazar? E onde vai posicionar-se o bloco do Estoril?
Uma noite histórica. O empate do Benfica na Suécia, com o Rosengard (2-2), ontem, foi mais um degrau numa caminhada que já ficou na história do futebol português, porque vai marcar a estreia de uma equipa feminina nacional na fase a eliminar da Liga dos Campeões. O passo decisivo tinha sido dado antes, com a superioridade no confronto direto com as alemãs do Eintracht Frankfurt (vitória em casa e empate fora com um penalti defendido nos descontos), mas foi ontem, com o empate do Benfica e, depois, a natural derrota das alemãs contra o mais poderoso FC Barcelona, que o apuramento se consumou. A presença nos quartos-de-final até pode ser o epílogo daquilo a que podem aspirar a excelente Jessica Silva (jogadora de um nível superior, sempre que a vi) e as companheiras, mas prossegue o caminho desbravador que esta equipa do Benfica tem vindo a fazer. Foi a estreia de uma equipa nacional na fase de grupos, é agora a qualificação para os quartos-de-final. As realidades competitivas são diferentes, mas dificilmente os homens podem aspirar a mais. E isso tem de ser enaltecido.