Os donos da bola: Itália (2024)
O ano de 2023 viu uma travagem a fundo na tomada de controlo de clubes italianos por parte de capital estrangeiro. Mas a verdade é que, entre os grandes, já pouca coisa está à venda.
Palavras: 4447. Tempo de leitura: 27 minutos
O ano de 2023 parece ter interrompido a onda de assédio internacional aos maiores clubes italianos. Depois da passagem da Fiorentina para o controlo do italo-americano Commiso, em 2019, da chegada dos Friedkin à AS Roma, em 2020, da tomada de posição do fundo 777 no Génova FC em 2021 e da compra do Milan pelo Red Bird e da Atalanta por Commiso, em 2022, o ano que passou foi o primeiro em que o futebol italiano conseguiu blindar as suas principais equipas ao capital estrangeiro. São, ao dia de hoje, sete em 20 participantes da Série A nas mãos de estrangeiros, uma minudência face ao que acontece na Premier League, por exemplo. A pioneira foi a AS Roma, que está desde 2011 nas mãos de investidores norte-americanos, sendo que desde essa altura o Inter Milão passou da influência dos Moratti para um capitalista indonésio e, depois, para os chineses. O Milan foi também detido por chineses e pertence hoje a norte-americanos, zona do globo de onde vêm também os donos da Fiorentina, do Bolonha FC, do Génova e da Atalanta.
O futebol italiano, que já passou eras de enorme abundância, sofreu também alguns períodos com dificuldades de dimensões bíblicas, que levaram os governos a inventar leis para salvar os clubes da falência. Foi o caso da que, em 1966, abriu caminho à injeção de capital, forçando a transformação de clubes em sociedades por ações ou de responsabilidade limitada – daí a nomenclatura ‘societá’. Foi ainda o caso da chamada “sentença Petrucci”, que permite que novas sociedades surgidas numa cidade na sequência da falência das suas antecessoras possam ocupar-lhes os lugares nas provas profissionais. Ou ainda do decreto “salva-calcio”, emitido por um dos governos Berlusconi, em 2003, concedendo benefícios fiscais volumosos aos clubes em risco de falência. Essas leis salvadoras, bem como a tradição de domínio familiar dos clubes de futebol italianos, conduziram a uma realidade que misturava acumulação heroica de dívida – as consequências nem sempre eram assim tão pesadas... – com a relativa impenetrabilidade dos clubes ao capital estrangeiro.
Já não é tanto assim, mas depois da venda do Milan, histórico clube italiano, ao RedBird Capital Partners, que já tem interesses no Fenway Sports Group, simultaneamente dono do Liverpool FC, as coisas parecem ter vindo a acalmar outra vez. Regra geral, quando chegam donos vindos do estrangeiro, a ideia é sempre a mesma: controlar despesas numa indústria que ainda vai misturando muito a ideia de negócio com a de mecenato. É que os clubes dominados por famílias – fenómeno muito italiano... – conduziram na geração anterior a uma competição entre industriais que gostam de futebol, mas levam na atual a uma estranha circulação de investidores de clube para clube e até, nalguns casos, a proprietários que tinham interesses em mais de um clube, coisa que o legislador já teve de travar no caso de Claudio Lotito, proprietário da Lazio e antigo dono da Salernitana. Ou esteve à beira de ter de vir a impedir, se o SSC Bari dos De Laurentiis subisse para o mesmo escalão onde está o SSC Nápoles da mesma família.
Ainda assim, fruto de ser uma atividade que, geralmente, perde dinheiro – a tal componente de mecenato... – é relativamente barato comprar um clube de Serie A ou da Serie B, pelo menos em comparação com o que pode custar uma equipa da Premier League inglesa. Há nas linhas abaixo casos de clubes que trocaram de mãos apenas pela assunção da dívida ou por valores que não compram sequer o passe do melhor jogador do plantel. Nos próximos 20 parágrafos, fica o tecido societário de todos os clubes que compõem a atual Serie A.