O espelho da época
O dérbi de sábado foi o espelho da época, pois mostrou um Sporting de golo fácil e ansioso na gestão de vantagens e um Benfica com muitos recursos desperdiçados ao qual só faltou o milagre da baliza.
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O Sporting-Benfica foi um jogo extremamente equilibrado e teve tudo aquilo que 2023/24 nos tem mostrado: um Sporting de golo fácil, a fazer da sua capacidade de aproveitamento uma arma, mas ao mesmo tempo com dificuldades para gerir situações de vantagem, e um Benfica a viver do rasgo individual dos seus criativos, ao qual faltou a superação do guarda-redes, mas a deixar na mesma a ideia de desaproveitamento de um plantel que provavelmente é muito caro para a realidade nacional. O golo de Geny Catamo, a abrir as compensações, transformou os leões em claros favoritos na corrida ao título. Com o 2-1, a equipa de Rúben Amorim não se limitou a alargar a vantagem no topo para quatro pontos (com um jogo a menos): igualou o confronto direto com o perseguidor mais próximo e entra para as últimas rondas com 13 golos de avanço, o que significa que muito provavelmente lhe bastará tirar 14 pontos dos sete jogos que lhe faltam. Mesmo que o Benfica ganhe todas as suas partidas até final, são quatro vitórias e dois empates. A Liga de 2024 não está entregue, mas está seriamente encaminhada para Alvalade.
E, no entanto, o Sporting já deixou melhores sensações do que neste duplo confronto com o Benfica, no qual atingiu os seus objetivos: seguiu para a final da Taça de Portugal com um 2-2 na Luz e alargou a vantagem no topo da Liga com o 2-1 em casa. Em nenhum destes dois jogos os leões mostraram a superioridade que tinham patenteado, por exemplo, na vitória caseira para a Taça de Portugal ou até no jogo de campeonato na Luz, onde perderam pelos mesmos 2-1, com os golos de João Neves e Tengstedt a surgirem nas compensações, depois de terem passado quase toda a segunda parte com dez homens. A entrada de Geny Catamo e St. Juste para a direita resolveu grande parte do problema que a equipa tinha enfrentado na primeira parte de terça-feira – o ala moçambicano não se limitou a fazer os golos da vitória de sábado, que de acordo com os dados GoalPoint ganhou nove dos onze duelos diretos com Aursnes, no que foi o confronto mais repetido da partida. Mas o Sporting mostrou dificuldades em lidar com a situação de vantagem que conseguiu ainda dentro do primeiro minuto de jogo e em controlar os criativos encarnados, com destaque para as deambulações constantes de Neres e Di María, que nunca se sabia bem debaixo de que pedra iriam surgir e por onde poderiam aparecer.
Tanto como a sua facilidade para fazer golos – e se já tinha um recorde entre as Ligas mais relevantes da Europa, com o dérbi o Sporting aumentou a diferença entre golos marcados e esperados para 18,5 positivos –, esta dificuldade na gestão das vantagens é um traço habitual de uma equipa que esteve à frente do marcador em todos os jogos nos quais perdeu pontos nesta Liga – os empates em Braga e Vila do Conde e as derrotas na Luz e em Guimarães. Não se pode ganhar sempre, é verdade, mas neste dérbi, os leões pareceram acusar em excesso o peso da responsabilidade, até algum medo de vencer, revelado na forma como saíam bem da pressão do Benfica, rodando a bola para o lado oposto, mas se perdiam depois em decisões inconsequentes na zona de meio-campo. O que os dois meses que faltam nesta Liga nos vão dizer é se esta dificuldade na gestão de situações de vantagem se revela apenas dentro de um jogo ou se pode alastrar ao dia-a-dia da equipa, impedindo-a de gerir bem o avanço na tabela. O treinador teve mesmo o cuidado de exagerar na identificação do problema, considerando que “num dia mau” a equipa pode perder boa parte da almofada de conforto que garantiu até aqui – e na verdade serão precisos pelo menos três dias maus, que os leões têm um jogo em atraso e cada um só vale três pontos – mas esse problema é real e até pode ser enquadrado com outra coisa que Rúben Amorim disse depois do jogo de sábado: “A equipa de 2021 era nalguns aspetos mais madura do que esta”. Mesmo sendo globalmente mais jovem.
Outra coisa que se verificou foi um maior aproveitamento de recursos face a Roger Schmidt. Nos dois jogos, separados por quatro dias, o Sporting utilizou 18 jogadores, 16 dos quais foram pelo menos uma vez titulares – e só dois jogaram menos de 20 minutos. Nos mesmos desafios, Roger Schmidt chamou 16 elementos ao relvado, mas só 11 – os que repetiram a titularidade nas duas ocasiões – superaram essa barreira dos 20 minutos. O Benfica criou pela primeira vez, em situação de onze para onze, dificuldades ao Sporting nesta época, com o intensificar da pressão, o encaixe mais forte nas unidades criativas dos leões e, depois, a liberdade dada aos seus criativos – sobretudo Di María e Neres – para explorarem o ataque em permanentes trocas posicionais, mas pareceu ter 20 minutos a menos face àquilo de que necessitaria. Na derrota de sábado, quando Neres viu Coates cortar perto da linha de golo uma tentativa de chegar à vantagem após passe de Di María, aos 65’, o Benfica tinha 10 remates efetuados. Daí até ao golo da vitória leonina, aos 90+1’, fez apenas dois: um de Di María, após perda de bola comprometedora de Koindredi face a João Neves, e outro do próprio Neves, na sequência do canto que esse lance gerou. Claramente, a equipa perdeu gás e, não, ao contrário do que Schmidt disse no final, a razão para mais uma vez ter tardado nas substituições não foi porque “os jogadores estavam bem”. Foi porque ele resiste à mudança e confia pouco nos elementos que não escolheu para começar o jogo – o que é dramático quando no banco tinha gente como Kökçü, contratado por 25 milhões de euros ao Feyenoord, Arthur Cabral, por quem o Benfica pagou 20 milhões à Fiorentina, Marcos Leonardo, cuja chegada do Santos FC custou 18 milhões, ou João Mário, cujo salário elevado levou o Sporting a não ficar com ele depois do título de 2021.
Não têm de ser todos titulares. Não podem ser todos titulares, que só jogam onze de cada vez. Mas a equipa ganha com um cenário em que todos sintam que contam para o produto final. E se na época passada este fenómeno de cristalização do onze valeu um grande arranque ao Benfica, ficou por analisar a sua ligação a um final de época complicado, com aproximação do FC Porto. Esta época, em total de minutos, há sete jogadores no Benfica acima dos 75 por cento de utilização (Aursnes, Rafa, Otamendi, Trubin, António Silva, João Neves e Di María). No Sporting só há um (Gyökeres). Depois, o Benfica só tem 15 elementos acima dos 25 por cento dos minutos jogados. No Sporting eles são 18. Perante este cenário, até foi espantoso que, durante uma hora, os jogadores do Benfica parecessem tantas vezes mais rápidos sobre a bola, ganhando vários duelos. A questão é que depois isso deixou de acontecer e só mesmo o sempre rotativo João Neves manteve a intensidade. Nessa altura, para o jogo ser o espelho absolutamente fiel da temporada, faltou ao Benfica a superação do guarda-redes. Tal como vos disse na análise estatística das duas equipas e de todos os seus elementos do ponto de vista individual, se o Sporting tinha “golo fácil” e o Benfica chegava ali exatamente com o total de golos que tinha criado, Trubin já negara um total de dez golos aos adversários e Israel tinha até saldo negativo entre bolas que devia ter defendido e as que acabara por deixar passar. Ora no dérbi foi ao contrário: o uruguaio fechou com 0,33 golos evitados, o ucraniano com um saldo negativo de 0,51.
O que isto mostra é que é sempre melhor confiar nos índices coletivos do que nos individuais. E que, mantendo o nível que mostrou até aqui, o Sporting será campeão se não deixar a ansiedade tomar conta da equipa.
É a segunda vez, e consecutiva, que não fez o fdv flash ao jogo onde o FCP foi interveniente, está por limitado ou alguém o limitou?