O toque da sineta
O Sporting-Benfica de amanhã é como o tocar da sineta para a última volta de uma corrida de dez mil metros. Já se correu tanto até aqui, mas é do que se fizer depois que dependerá o nome do campeão.
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O título de campeão nacional passa por Alvalade. Quando, amanhã, Sporting e Benfica ali se defrontarem, em desafio da 28ª jornada da Liga, sabem que estarão a protagonizar o jogo do ano, fundamental para a atribuição do primeiro lugar da Liga. Mas será decisivo? Não creio. Mesmo em caso de vitória, que deixaria a equipa de Rúben Amorim com quatro pontos de avanço e um jogo a menos, o facto de os leões ainda terem de se deslocar ao Dragão, em jogo no qual o FC Porto nesse caso podia ter de defender com unhas e dentes o título oficioso de “campeão do século”, não os deixa com a folga necessária para encarar o que falta jogar com a leveza dos vencedores por antecipação. O dérbi de amanhã é como o toque da sineta que se ouve quando os corredores de dez mil metros entram para a última volta: já deram 24 voltas à pista, mas é do que fizerem na última que dependerá a escolha do que corta a linha de meta na frente.
Seja qual for o resultado de amanhã, só o Sporting deixará o relvado a depender apenas de si próprio. Mesmo ganhando, o Benfica atingirá, no máximo, os 88 pontos, mais um do que fez na Liga de 2022/23, mas a verdade é que isso pode não chegar, pois caso o Sporting vença as partidas que lhe sobram – incluindo a que tem em atraso, em Famalicão – chegará aos 89, um pecúlio que só ficaria à sombra dos 91 que o FC Porto fez em 2021/22. Ora são precisamente esses 91 pontos que o Sporting pode ainda superar, ainda que para tal – para fazer 92, que são o máximo a que pode aspirar – tenha de ganhar os oito jogos que lhe faltam. Não só o de amanhã, contra o Benfica, como o de dia 28, quando visitar o FC Porto no Dragão. E todos os outros, a começar já com três saídas no mês de Abril, a Barcelos, a Famalicão e ao Porto. O que isto quer dizer é que o jogo de amanhã evoca o de Março de 2016, quando o Sporting de Jesus recebeu o Benfica de Vitória com um ponto de avanço, mas que dificilmente veremos repetido o que se passou na altura depois do toque da sineta.
Em 2016 ganhou o Benfica por 1-0, com um golo de Mitroglu logo a abrir e um falhanço de Bryan Ruiz que se transformou em meme, já na segunda parte. Os encarnados assumiram então a liderança, a nove jornadas do fim, e abriram caminho a um sprint impressionante, no qual as duas equipas somaram um pleno de 27 pontos em nove jogos, mantendo a diferença até final. Tal como agora, na altura o Sporting ainda tinha de ir ao Dragão – onde ganhou por 3-1. E além disso também tinha de ir a Braga – onde também venceu e por 4-0. Só que também o Benfica se impôs nos seus nove jogos, cinco pela margem mínima (Boavista, Académica, Vitória FC, Rio Ave e Vitória SC), e foi campeão. O que aquelas duas equipas fizeram então foi tão excecional que é muito por isso poder dar-lhe o direito ao erro que o Sporting se baterá amanhã por uma vitória. Do outro lado, pelo contrário, os encarnados sabem que mesmo ganhando podem não ter a possibilidade de errar, pelo menos enquanto os verde-e-brancos não voltarem a escorregar. Têm mais pressão, mas uma equipa que traz na camisola a divisa de campeã nacional.
E também o Benfica terá vida difícil até ao final da época, não só por ter de fazer coabitar a Liga com a UEFA como por já não lhe sobrar um jogo fácil – o Sporting ainda tem dois que, no papel, podem ser menos complicados, que são as receções aos aflitos Portimonense e GD Chaves, ainda que já se sabia que, muitas vezes, na ponta final dos campeonatos, depois do toque da sineta, estas equipas possam tornar-se mais complicadas do que as que estão a meio da tabela e gozam a tranquilidade pré-férias. As três partidas que faltam ao Benfica na Luz serão todas contra boas equipas, ainda que já sem grandes objetivos. Além do SC Braga, ainda lá irão o Moreirense e o FC Arouca, que estão no Top7 da tabela e que, não tivesse Portugal perdido uma vaga europeia esta época, ainda podiam estar a lutar por uma presença na Liga Conferência. Assim, como já estão a 11 e a 16 pontos do quinto lugar, não lhes resta mais do que acabar a Liga com bom futebol, que as preocupações com a linha de água também já não as afetam – têm 19 e a 14 pontos de vantagem para o 16º lugar. Mas atenção, que as saídas também serão complicadas, a Faro, Famalicão e Vila do Conde.
Não acredito na possibilidade de Benfica e Sporting ganharem todos os jogos que lhes restam – mas valha a verdade que, em 2016, quando o José Nunes me sugeriu essa hipótese, em off, durante um programa na RTP, eu também não acreditava e achava que ele estava louco. Mas isso não implica um reduzir da importância do chegar à frente ao toque da sineta. Porque tal como o corredor de dez mil metros que, ao ouvir da sineta, estuga o passo e se chega à frente do pelotão para mostrar que está forte e que, venham quantos vierem, está em condições de responder – e muitas vezes nem está, que é só show-off – também há um ascendente mental em jogo na relva de Alvalade amanhã. Ganhando amanhã, o Sporting não será campeão, mas ficará com uns 85 por cento de possibilidades de vir a festejar em Maio, porque isso lhe daria o direito a perder dois (ou a empatar três) dos sete desafios que ficarão a faltar-lhe. Ganhando amanhã, o Benfica não será campeão, mas ficará com uns 70 por cento de hipóteses de vir a celebrar em Maio, algo que, desde que faça a sua parte e ganhe as suas partidas, só não fará se também o Sporting ganhar todos os seus jogos. O empate deixa tudo mais embrulhado: permitiria aos leões perderem um – mas só um – dos jogos que lhes faltarão até final da Liga, mas já não lhes consentiria um par de empates a não ser que as águias também escorreguem por aí num campo qualquer.
Venha daí, então, o toque da sineta, para vermos quem se chega à frente.
O Sporting teria sempre de fazer o seu melhor nos jogos que restam e ganhar, ser o Porto ou o Famalicão, é igual, teria sempre de fazer o seu melhor. Espero que desta vez seja eficaz e que não entre em pânico ao sofrer um golo, como tem acontecido nos últimos dérbis. O jogo apenas é decisivo para o Benfica, pois o Sporting depende sempre de si próprio para ser campeão e pode vencer todos os jogos até final, como o Benfica também pode.