O erro no sistema
Conceição terá razão para se indignar com o lixo de que ninguém gosta mas todos veem, mas importante mesmo é descobrir o erro no sistema que no FC Porto separa o investimento da imposição no onze.
Já todos vimos num ou noutro momento que Sérgio Conceição é um treinador sanguíneo, que perde as estribeiras com alguma facilidade, especialmente quando os resultados em campo não lhe correm de feição. Não foi o caso, ontem. A indignação de Conceição perante aquilo que, com todas as letras, chamou de “notícias mentirosas”, foi planeada – ou não tivesse ele até recorrido aos números que o diretor de imprensa do FC Porto, Rui Cerqueira, tinha ali à mão, sacados do Transfermarkt, que como se sabe é um portal alemão e por isso não segue a agenda política de nenhum dos clubes em Portugal. Ora, o que me espanta aqui nem é tanto que a generalidade das pessoas que andam no futebol e que gostam de futebol continuem a consumir sobretudo degenerescências comunicacionais construídas à volta do tema, que a isso já me habituei. “Você já viu aquela vergonha?”, dizem-me no café, no ginásio, seja onde for, ao que eu respondo que não, não vi, nem quero ver, que tenho coisas mais úteis a fazer com o meu tempo. Também não é que Conceição confunda as notícias com uns palpites mandados para o ar, muitas vezes por gente que, ao contrário do Transfermarkt, não é alemã e segue a agenda política de um ou de outro clube. Pois se há jornalistas que continuam a não saber distinguir os conceitos de contra-ataque e de transição, porque é que um treinador de futebol há-de ser versado em géneros jornalísticos? Mas, a ver se nos entendemos: aquilo que levou à indignação estruturada e trabalhada do treinador do FC Porto não foram notícias, foram opiniões. Foram afirmações de que ele tinha deitado “45 milhões de euros ao lixo” ao desaproveitar as mais caras aquisições do FC Porto. São tanto notícias como as notas que os jornalistas lhe atribuíam quando ele jogava e cuja consulta ele ainda ontem confessou que o levava a sair da cama de madrugada para comprar os jornais, sobretudo depois das derrotas. Agora, que sei porque é que às vezes acordava com as orelhas a arder, posso lançar ainda um pouco mais a confusão. É que, embora este seja um espaço de opinião, vou deixar aqui uma notícia, recorrendo também ao Transfermarkt. Como é uma notícia, vem com factos, que são estes: Varela (ex-Boca Juniors, oito milhões de euros) foi o único dos sete jogadores que o FC Porto contratou acima dos cinco milhões nos últimos três mercados que se impôs na equipa. O argentino foi titular em 17 dos 26 jogos desta época, sendo que ainda não estava na equipa para os quatro primeiros, o que lhe incrementa o sucesso (são 17 em 22, na verdade). Foi um tiro no alvo. Os outros estarão, como diz Sérgio Conceição a propósito de David Carmo (20 milhões, ex-SC Braga) “em processo de evolução” que se torna tanto mais angustiante quanto se sabe que o FC Porto, como qualquer clube da Liga Portuguesa, tem de ser particularmente criterioso nas compras. Grujic custou nove milhões, quando o clube ativou a opção de compra, após um ano de empréstimo, e foi titular 32 vezes em 74 jogos. David Carmo ficou pelas 25 (nas mesmas 74 hipóteses). Veron (10,3 milhões de euros, ex-Palmeiras) tem apenas cinco, com um par de lesões a prejudicar-lhe a resenha. Ivan Jaime (10 milhões, ex-FC Famalicão), a mais cara das aquisições do último verão, tem cinco presenças no onze em 26 partidas desta época. Nico González (8,4 milhões, ex-FC Barcelona) soma outras cinco. E Fran Navarro (sete milhões, ex-Gil Vicente) não foi além das duas. Como ainda não vos disse o que é que, aqui, me espanta, vou agora dizer – e aqui a coisa volta a virar para o domínio da interpretação e da opinião. O que me espanta aqui são duas coisas. A primeira é que, estando o FC Porto em situação complicada, que o leva a ter de faturar mais em vendas do que aquilo que gasta em compras – mas, afinal, quem é que não funciona assim no futebol português? – as aquisições privilegiem jogadores a que depois o treinador acaba por não dar o devido reconhecimento. O que está a falhar? Conceição ainda ontem disse que dá sempre a opinião, mas que depois não é ele que “traz, vende ou empresta”. Será que não lhe levam essa opinião a sério e trazem quem ele não recomenda, que ele muda de opinião quando trabalha com os jogadores ou isto é tudo só um azar dos Távoras? E a segunda coisa que me espanta, ainda que para esta não tenha sido necessária a indignação de Conceição, é que, tendo o treinador voltado a chamar a atenção ontem para o superavit que a SAD portista tem conhecido nos sete anos que ele leva à frente da equipa – são 650 milhões de euros de lucro entre compras, de um lado, e vendas e prémios da Champions, do outro – como é que a situação financeira está como está, com o nada invejável recorde nacional de capitais próprios negativos estabelecido em Junho nos 175,9 milhões de euros. E esta, deixem que vos diga, creio que é coisa que espantará até o próprio Conceição.
O que é e o que parece. O SC Braga nunca teve a maioria do capital da sua SAD, conforme pode perceber pela consulta à atualização referente a 2023 do artigo sobre os Donos da Bola em Portugal (pode lê-lo aqui). É certo que, durante muito tempo, os seus quase 37 por cento do capital faziam panelinha com os 17 por cento da Câmara Municipal e chegavam para ter o controlo total sobre os destinos do emblema, mas o conluio já acabou em 2016, no momento em que o executivo camarário alienou a sua participação ao opaco fundo Sundown, que na verdade ninguém sabe muito bem o que ou quem é. Gerir o SC Braga possuindo pouco mais de um terço das ações passou a ser um exercício de equilíbrios para António Salvador, que já comanda o clube há duas décadas, mas passou a partir desse momento a depender sobretudo de um bom entendimento com os outros parceiros e da capacidade de prevenir que eles se aliem contra ele, que os 17 por cento do Sundown dariam muito jeito aos 29 dos qataris do QSI (donos do Paris Saint Germain) para definirem um rumo diferente, assim quisessem fazê-lo. Entendo a preocupação de associados e ex-dirigentes do SC Braga, que já se manifestaram contra a revisão estatutária destinada a suprimir o artigo que estipula que o clube terá de manter a maioria no capital da sociedade. Mas o que António Salvador quer fazer é adequar os estatutos à realidade. Está ali montado um cenário que pode vir a gerar uma confusão? É verdade que sim. Seria importante recuperar o controlo da SAD através da compra de parte dos 16 por cento das ações que estão em free-float? Admito que sim, ainda que essa seja uma decisão estratégica que teria de ser tomada em prejuízo de outros investimentos. Mas por mais que possa parecer o contrário, já não é só o SC Braga que manda ali há muito tempo.
Um cheirinho a Dani. Como acontece sempre que aparece uma promessa na Juventus, os italianos andam eufóricos com a afirmação do turco Kenan Yildiz, 18 anos e ontem autor de um golaço nos 6-1 à Salernitana na Taça de Itália. Vi-o partir da linha lateral na esquerda e levar a bola sempre colada ao pé direito, desviando-se dos adversários como um esquiador vai evitando as portas num slalom gigante montanha abaixo, e parecia que estava a ver o jovem Dani a fazer a mesma coisa à defesa da Argentina, no Mundial de sub20 do Qatar, em 1995 – com uma diferença, porque ainda não havia essa coisa dos extremos de pé trocado e Dani fazia as coisas de maneira ainda mais difícil, levando a bola na bota esquerda. Não é preciso lembrar que o jovem prodígio português acabou por ficar muito aquém da carreira que nessa altura prometia para dizer que nada nos garante que Yildiz ou Güler (Real Madrid) venham a ser aquilo que hoje se adivinha, mas isso não impede que fiquemos com vontade de ver mais desta geração turca que Portugal vai ter pela frente no próximo Europeu.
"O erro do sistema", 👏👏 li, reli e voltei a ler, estou totalmente convencido com uma certezinha absolutinha que depois deste artigo o treinador que em tempos lhe negou uma entrevista, por não ter gostado do que o AT na altura escreveu, desta vez e para breve lhe irá conceder essa tertúlia, que quiça possa galardoa-lo com o One World Media Awards.
💪💪