O contra-dérbi
O Sporting-Benfica de ontem pode ser encarado como momento de afirmação dos leões e de incapacidade das águias, mas também na perspetiva da quebra verde-e-branca e de uma reação encarnada.
Palavras: 1122. Tempo de leitura: 6 minutos (áudio no meu Telegram).
O dérbi lisboeta de ontem disse-nos muita coisa acerca da capacidade das duas equipas. Em termos de jogo-jogado, aceita-se a vitória do Sporting pela margem mínima, como se aceitaria um 2-0 ou até um empate a uma bola, que um golo a mais ou a menos depende sempre de tomadas de decisão como aquela de Catamo, na segunda parte, em contra-ataque de quatro para dois, ou de acertos na finalização, como noutro lance, em que Amdouni meteu um vólei promissor sobre a barra da baliza de Israel. Mas em termos de momento, o que o jogo nos trouxe foi um Sporting a agarrar-se desesperadamente ao seu estatuto de campeão e um Benfica pouco afirmativo. Rui Borges sabe que ainda pode fazer esta equipa crescer na sua ideia, mas não terá saído totalmente despreocupado face à quebra que ela patenteou na segunda parte. Bruno Lage tem razão quando diz que nada é, neste momento, definitivo, que há muito campeonato para diferenças tão pequenas – e convém não esquecer um FC Porto em claro crescendo –, mas ontem era dia para o Benfica meter o pé no pescoço de um rival que parecia caído por terra, em crise de resultados e cheio de lesões, e não para se mostrar complacente como mostrou e permitir que ele recuperasse momento, mesmo estando ainda “muito longe” daquilo que o seu novo técnico quer ver.
Nenhum dos treinadores foi surpreendido pelas escolhas do adversário. Rui Borges recorreu a um 4x3x3 ainda assim diferente do que usava em Guimarães, o que era um risco por causa do preenchimento da última linha, pois mesmo com quatro centrais – Quaresma foi lateral-direito e Matheus Reis foi lateral-esquerdo – nunca Catamo ou Quenda se lhes juntaram para ajudar a dividir a largura do campo mais atrás. Ainda assim (e Lage também já o tinha dito), o técnico que se estreou à frente do Sporting decalcou alguns comportamentos que a equipa já trazia do tempo de Ruben Amorim, que em muitos momentos já defendia a quatro, sobretudo quando o fazia mais alto no campo, em início de organização defensiva. Bruno Lage trocou o ponta-de-lança, abdicando de Pavlidis para dar a titularidade a Amdouni, que tem mais golo, vê mais baliza – ainda que beneficie do facto de costumar entrar já com os jogos decididos e, por isso, mais espaço – e podia surpreender a última linha sportinguista na profundidade, sobretudo se atrás dele houvesse quem atraísse os centrais viciados no conforto da linha de cinco e na perseguição individual a quem os puxa para as entrelinhas. Sucede que, por défice de rendimento de Di María e Akturcoglu, bem seguidos por Matheus Reis e Quaresma, esse homem-extra nunca apareceu.
Instale a App. É gratuita e em 2025 vai dar jeito:
Várias razões justificaram que tudo na primeira parte tenha corrido para o lado do Sporting. Primeiro, a pressão dos leões funcionou bem – Rui Borges meteu Gyökeres, Trincão e Catamo em cima da saída a três dos encarnados, feita por Tomás Araújo, Otamendi e Carreras, e assim conseguiu emperrar esse momento ao adversário. Depois, aquele que podia ser um quadro de superioridade do Benfica a meio-campo, com Florentino, Aursnes e Kökçü para Hjulmand e Morita, virou para o lado do Sporting, pois aos dois médios leoninos juntavam-se sempre, por dentro, numa espécie de quadrado, Trincão e Quenda. O Sporting fez o golo, por Catamo, em lance trabalhado por Gyökeres e mal abordado por Tomás Araújo, e podia ter marcado mais um, pois Trubin chegou ao intervalo com quatro defesas, duas delas impactantes, a um remate de Quenda à queima e a um tiro de Gyökeres com espaço à entrada da área. Só que a segunda parte foi diferente. Lage mexeu bem, trocando o ontem inoperacional Florentino por Leandro Barreiro, baixando Kökçü para onde havia espaço e encarregando Barreiro e Aursnes de impedirem Hjulmand e Morita de manobrar, mas a chave aí foi mesmo o estoiro do médio japonês, que vinha de lesão e já não “apareceu” para o segundo tempo. O Benfica passou a ter mais bola, mas nem por isso a criar mais perigo. Houve o tal volei de Amdouni, lançado por um passe picado de Kökçü, e um cruzamento de Bah que ia para a baliza, não tivesse Israel sido rápido a desfazê-lo, mas os encarnados não foram fortes na criação, quase se limitando a somar cruzamentos para a área, onde no último quarto-de-hora passaram a ter Pavlidis e Cabral. Podiam ter empatado? Sim. Da mesma forma que o Sporting podia ter feito o segundo golo, não tivesse Catamo deixado que a sede de glória e da repetição de um bis como o que fez no dérbi da Liga anterior o inibisse de tomar a melhor decisão: rematou contra Carreras, quando podia deixar Maxi na cara de Trubin.
A conclusão final do dérbi é de aproximação de forças. E, ainda que seja possível ver o copo meio cheio ou meio vazio, foi naturalmente bastante mais simpática para os leões. O Sporting apresentou-se sem alguns titulares – Pedro Gonçalves e Gonçalo Inácio, de certeza, mas ainda eventualmente Nuno Santos ou Bragança, para fazer rotação a meio-campo –, em crise de resultados e com três treinos de Rui Borges, mas mesmo assim foi capaz de ganhar ao Benfica, que vinha na máxima força e moralizado pelo percurso invicto de Lage na Liga. Os leões voltam a dizer presente na luta, mas com a certeza de que para nela se manterem terão de dar muito mais do que na segunda parte de ontem. O Benfica reagiu bem à adversidade, apareceu para a segunda parte indiferente ao facto de estar em desvantagem no terreno do maior rival, o que também nos diz que estará na luta – mas com a certeza de que para nela se manter terá de ser muito mais proativo do que foi ontem, indo à procura do jogo e não se limitando a ver o que ele tem para dar e, sobretudo, aproveitando as ocasiões de fragilidade alheia em vez de lhes reagir com indiferença. As próximas duas semanas serão sintomáticas do que ambos têm para dar – antes de eventualmente voltarem a defrontar-se, caso ambos se apurem para a final da Taça da Liga, o Benfica terá um duplo confronto com o SC Braga e o Sporting a visita a Guimarães e uma meia-final com o FC Porto. Mas se o dérbi nos trouxe um Sporting bem mais afirmativo do que se esperava e um Benfica fortemente reativo, o contra-dérbi, o jogo do copo meio vazio, deixa-nos a certeza de que os dois terão de melhorar muito para chegarem aos objetivos.
Excelente análise, como habitualmente