Borges e a terceira via
João Pereira não resistiu aos maus resultados e o Sporting foi a Guimarães contratar Rui Borges. Porquê ele? E quais são as reais probabilidades de a substituição correr melhor do que a anterior?
Palavras: 1238. Tempo de leitura: 6 minutos (áudio no meu canal de Telegram).
Há muitas maneiras de escolher um treinador. O Liverpool FC, por exemplo, quando percebeu que ia ficar sem Jürgen Klopp, fez o retrato-robot do futebol que a equipa praticava debaixo das ordens do alemão – o futebol para o qual tinham sido escolhidos aqueles jogadores... – e foi à procura do treinador que mais daquilo se aproximava em todas as métricas relevantes. Foi assim que chegou a Arne Slot, que até tinha acabado de perder o campeonato neerlandês e, por isso mesmo, não encaixava na lógica do sucesso imediato. Mas basta olhar para a tabela da Premier League para ver que a coisa não lhes correu mal. O Sporting, quando foi a Braga resgatar Ruben Amorim, não só não tinha um registo interno de sucesso para comparar, como apostou num treinador que não tinha milhas suficientes no percurso para que lhe analisassem o DNA tático e futebolístico, pelo que o terá feito mais por ver na liderança, na personalidade, nas convicções e na capacidade de comunicação de Amorim a senha para o que apareceu mais tarde. É arriscado seguir esta via não testada, como se viu depois na aposta fracassada em João Pereira – ainda assim bem menos experiente do que era Amorim –, pelo que os leões seguiram agora uma terceira via com Rui Borges: foram à tabela classificativa dos últimos anos e atiraram ao treinador que, fora dos grandes, obteve melhores resultados de forma mais ou menos repetida. Vai dar certo? É impossível garanti-lo, como não é razoável afastar desde já essa possibilidade.
A única forma que Frederico Varandas tinha de impedir a crise em que o Sporting se encontra neste momento era não ter cometido o pecado original – aceitar na renovação de contrato de Ruben Amorim que a cláusula de rescisão pudesse ser acionada a meio de uma época – ou, então, melhorar a mil por cento a sua capacidade de persuasão, de maneira a convencer o treinador a fazer aquilo que ele não queria, que era ficar mais tempo. Já li gente defender que, ao ser-lhe dito pelo técnico que não ficaria em Alvalade além do final da época, o presidente devia tê-lo afastado imediatamente, ainda no defeso, mas se isso teria até sido melhor para João Pereira, pois dar-lhe-ia toda uma pré-época para implementar as suas ideias, não seria racional, porque se estaria a abdicar de uma relação fortíssima entre treinador e plantel e de dinâmicas de vitória criadas em torno dela ao abrigo do risco de uma situação que poderia até não se verificar. A escolha de João Pereira, presumindo que nos dois anos em que ele esteve a trabalhar enquanto treinador nos sub23 e na equipa B se percebeu que ele e a sua equipa técnica já estariam preparados para o nível superior, é uma das formas certas de fazer a coisa. Preparar e promover uma solução de continuidade é razoável, mas a maneira como, primeiro, ela foi anunciada – como um golpe de asa genial de uma espécie de Rei Midas, que viu o que mais ninguém ali tinha visto – e, depois, alimentada pelo próprio treinador, numa intenção de sublinhar o “cunho pessoal”, destruíram quaisquer possibilidades de sucesso que ela pudesse vir a ter.
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Como disse Frederico Varandas, “João Pereira não pôde ser João Pereira”, em primeiro lugar, porque o próprio Varandas quis fazer dele um Ruben Amorim 2.0, quando anunciou que dali a três ou quatro anos ele estaria a sair para um grande clube internacional. Ao ser guloso, o presidente destruiu desde logo quaisquer hipóteses de continuidade de um treinador no qual acredita há muito tempo – porque bastaria ele não ter sido tão sedento de glória a reivindicar a sapiência da substituição para agora poder devolver Pereira aos B, onde ele continuaria a fazer o seu percurso e, quem sabe, um dia até vir a ser útil. É que a necessidade de aceleração de uma mudança que deveria ser muito gradual tornou bem mais drásticas as alterações de posicionamentos do 3x4x3 de Pereira face ao de Ruben Amorim e meteu na cabeça da equipa que uma solução que era suposto ser de continuidade afinal era de rotura. Há pormenores táticos a explicar o apagamento progressivo de algumas das maiores armas vindas do período Amorim, como Gyökeres ou Trincão, bem como a mudança geral do futebol da equipa, com o aumento exponencial da cadência de cruzamentos e a recusa de jogar por dentro dos blocos adversários, mas não deixa de ser curioso que, para dar o passo em frente, o Sporting recorra agora ao treinador cuja equipa tem a mais elevada média de cruzamentos da Liga. Isto quer dizer o quê? Que Rui Borges vai transportar para Alvalade o futebol que jogava em Guimarães? Provavelmente, não. De acordo com os dados da Opta, o Vitória SC é a equipa que mais cruza na Liga de 2024/25, mas o Moreirense de Rui Borges até foi a sexta equipa com menos cruzamentos por 90 minutos na Liga anterior. E não só o treinador era o mesmo, como o sistema tático era o mesmo e o lugar na tabela final também foi o mesmo que os vimaranenses ocupam agora – o sexto.
Quando o Sporting apostou em Rui Borges, pode tê-lo feito por uma série de razões. Por não ter conseguido chegar a quem queria, como se disse de Abel Ferreira. Por não ter querido ir ao estrangeiro buscar um treinador, seja por não acreditar nesse tipo de solução – o que já é estranho, pois o primeiro treinador de Varandas até foi Marcel Keizer – ou por achar que não chegaria a um nome de prestígio inquestionável – o que também é bizarro, porque não só o paradigma de contratação de jogadores mudou muito no clube, com a chegada recorrente a 20 milhões de euros, como ainda há um par de meses o presidente afirmou que já ia longe o tempo em que os melhores treinadores internacionais nem queriam falar com os leões. Outra hipótese é por ter visto em Rui Borges a capacidade de adaptação a um grupo de jogadores que precisa sobretudo de ser compreendido e desbloqueado. O grande trabalho de Rui Borges na chegada ao Sporting não é o de transformar o 3x4x3 em 4x3x3 – e isso nem seria assim tão complicado, que com Hjulmand, Morita, Bragança, Pedro Gonçalves e Simões há cinco médios para o 4x3x3, Trincão podia fazer de extremo por dentro e entre os centrais há vários (Saint Juste, Quaresma, Matheus Reis...) a poderem funcionar como laterais. Mas isso é de somenos importância. O grande trabalho de Rui Borges é tranquilizar os jogadores, torná-los, como ele bem indentificou, “mais cómodos”, devolver-lhes a capacidade de acreditar no todo que é a equipa, nem que seja apagando-se a ele próprio e sabendo ouvir o que o plantel tem para lhe dizer e reivindicar.
Vai conseguir? Ninguém sabe. Ninguém pode garantir que sim nem que não. Porque esse é o problema maior da terceira via, ainda por cima quando aplicada a um ecossistema que já teve sucesso e agora anda longe dele. O salto de um clube de classe média alta para um clube que tem sempre os títulos como objetivo não vem nunca com certificado de garantia.
Excelente análise. De qualquer forma, acho que o Rui Borges vai manter o 3-4-3, pelo menos até final da época. Já jogou nesse sistema também e, mesmo que o António tenha razão acerca das soluções para as laterais e meio campo, a equipa ficaria com excesso de extremos.
Sou um enorme fã do 343 e de todas as variantes que se podem fazer com três defesas, sendo uma das razões o dar para incluir qualquer jogador no mesmo, podemos adaptar tanto laterais como extremos a ala, tanto extremos como médios ofensivos a segundos avançados, talvez o único sistema em que se podia colocar qualquer dos grandes jogadores da História do Sporting sem grandes problemas. Neste caso preferia a manutenção do 343, e penso que um treinador experiente não seja de se limitar a uma tática e usará a que melhor se adapta ao plantel que tem.
Lembro um texto sobre o Barcelona, em que se falava do hábito do 433, utilizado desde as camadas jovens e que o próprio clube procurava treinadores que usam o sistema de 433 e de pensar para mim que todos os clubes deveriam, pelo menos, adotar a regra de se utilizar o mesmo sistema desde as camadas jovens até ao seniores. Mas entretanto o falhanço de João Pereira no Sporting, que foi escolhido porque supostamente também jogava em 343 e esta nova moda de termos três táticas, a inicial, a com que se defende a aquela com se ataca, que fez com que o 343 de um seja completamente diferente do 343 do outro, fez-me questionar qual a relevância do esquema inicial nesta nova moda do futebol.
Usando também o exemplo da seleção Portuguesa, será relevante que um treinador inicie o jogo em 433 ou em 343, se depois ataca sempre em 325? Será relevante que o novo treinador jogue em 343 por o plantel estar pronto para um 343, se depois um ataca em losango e o outro não, fazendo do jogo algo completamente diferente? Será que a equipa inicial deve iniciar com os jogadores certos para um 433 ou colocar os jogadores para o 325 com que ataca, por exemplo, deve Portugal iniciar com um lateral direito mesmo que depois jogue como médio centro, ou deve iniciar logo com um médio centro ali, se o 433 é apenas o esquema inicial?