O catecismo de Luís Castro
Há um oceano a separar as palavras de Luís Castro e o comportamento de Sérgio Conceição. E assim se percebe como o catecismo do transmontano conflitua com a visão que se estimula no FC Porto.
O Botafogo de Luís Castro perdeu ontem pela primeira vez, à sexta jornada do Brasileirão, em Goiânia, mas não só continua na frente da classificação como a lição dada pelo transmontano depois dos 3-0 ao Corinthians, a meio da semana, ainda ecoa na mente de todos. “Rir não tem a ver com os resultados”, decretou. Lembrei-me das palavras de Castro, entre outras coisas antigo treinador do FC Porto, campeão da II Liga pelo FC Porto B e um dos ideólogos do Visão 611, o projeto de formação do qual os dragões colheram bastantes frutos, no momento em que vi o semblante carregado de Sérgio Conceição transformar-se em gargalhada gozona em direção ao banco do Casa Pia, imediatamente após o golo de Namaso, que deu o 2-1 já em tempo de compensação e manteve a equipa azul-e-branca agarrada à hipótese matemática de ainda ser campeã. Afinal, estará Castro errado? Os resultados são fundamentais na vida de todos nós, mas há coisas que não podem depender deles. No FC Porto já se entendeu uma, como se vê na consistência permitida ao trabalho de Sérgio Conceição, que vai completar a sexta época seguida ao comando da equipa, apesar de alguns focos de contestação nos anos em que não ganha. “Deem tempo aos treinadores”, reclamou Castro, explicando a quem o ouvir que “nos outros trabalhos, as pessoas erram uma, duas ou três vezes e ninguém diz que têm de ser afastadas”. Foi dado esse tempo a Conceição, que nele alternou a construção com brilhantismo tático e estratégico de três equipas campeãs com outras três que, não sendo tão fortes, foram sempre pelo menos competitivas. Mas no FC Porto persiste a recusa em aceitar o resto da lição de Luís Castro, nomeadamente a parte em que ele fala do comportamento após o desaire ou do respeito devido aos derrotados. “O trabalho com dignidade sobrepõe-se sempre aos resultados”, diz Castro. O gesto ontem feito por Sérgio Conceição, a bater com as costas de uma mão na palma da outra, aparentemente uma insinuação de que havia dinheiro a circular para explicar a atitude competitiva do Casa Pia, somado a outro, a chamar alguém do banco rival para o confronto, enquanto se lhe lia nos lábios um “Anda cá, anda cá”, é intolerável e, mais a frio, devia ser repudiado até pelo próprio. Porém, não só não o foi, como foi justificado com atitudes que antes tinham vindo do outro lado – e se há coisa que ganhou raízes no Dragão com os anos de luta “contra tudo e contra todos” é esta recusa de dar a outra face ante o desaforo. Lembro-me de ver Castro chegar ao palco mediático, já lá vão uns 20 anos. Era um treinador excessivamente formal no vestir, com aquelas gravatas às riscas que lhe davam um ar mais cerimonial ainda. No Rio de Janeiro, mais cosmopolita, trocou o colarinho apertado e a gravata de pároco de aldeia por uma T-shirt branca de guru de auto-ajuda, mas não rejeitou a base espiritual por trás do pensamento que o comanda. E percebe-se agora que foi aqui, neste pensamento, que Castro e o FC Porto se separaram, depois de mais de uma década de ligação. É que Castro não acha que para ganhar seja preciso este clima de confronto permanente. E no FC Porto esse confronto é a base de tudo desde Pedroto e Pinto da Costa, que puseram termo a um clube “abusado pelos poderes” . É aqui que, vista do Dragão, a lição de Castro se transforma em catecismo antigo – mas antigo de quase meio século.
Benfica e o fulgor. Muitas teses poderão circular em torno do regresso do Benfica ao fulgor que se percebe nas quatro vitórias seguidas que se seguiram a quatro jogos sem vencer e que recolocaram a equipa no trilho do título, como se viu nos 5-1 com que ganhou no sábado em Portimão. Foi a falta de jogos a meio da semana, a mascarar as debilidades que a equipa vinha mostrando no plano do fulgor físico? Foi a entrada na equipa de João Neves, a garantir uma circulação mais segura de bola e, logo, mais posse e iniciativa? Foi a colocação de Aursnes a defesa-direito, permitindo o regresso da criatividade de Neres ao onze, ganhando capacidade para desbloquear jogos na frente? Foi a noção de responsabilidade de quem tinha o objetivo tão perto que não podia dar-se ao luxo de falhar, depois de se ter visto tolhido por uma espécie de medo cénico no confronto com o FC Porto? Provavelmente foi isso tudo. Nesta ponta final de Liga, o Benfica voltou a ser a equipa mais forte do campeonato – o que já não lhe acontecia desde Novembro. Falta-lhe uma vitória para se perceber se regressou a tempo.
O que vale a defesa. Marítimo, FC Paços de Ferreira e Santa Clara perderam todos, o que deixa o Estoril mais tranquilo antes do jogo de hoje, com o FC Arouca. Dificilmente aquelas equipas fugirão dos três últimos lugares, havendo depois a discutir entre eles, sobretudo, quem vai ter a via de saída do playoff para testar uma fuga de última hora à II Liga. De todos, quem está melhor na tabela é o Marítimo, que quase levava pontos de Alvalade, num jogo em que fez golo na primeira vez que foi à baliza de Adán, aos 10’, e quase voltava a marcar na segunda, aos 90+7’. Pelo meio ficaram 87’ de resistência pura e simples, é certo que face a um Sporting nada inspirado. Vê-se jogar o FC Paços de Ferreira, a propor jogo, mesmo com dez, em Chaves, ou o Santa Clara, a desperdiçar ocasiões de golo umas atrás das outras antes de ser batido pelo SC Braga, com dois golos nos últimos minutos, e vê-se mais futebol. Mas o que a tabela nos diz neste momento é que, sobretudo nas partes baixas da classificação, o futebol não se joga só com bola. Joga-se muito sem ela. E aí o Marítimo tem sido mais competente.
Campeões, campeões. Feyenoord e FC Barcelona sagraram-se no fim-de-semana campeões dos Países Baixos e de Espanha. Foi uma conquista mais clínica, a dos catalães, assente acima de tudo na segurança defensiva e num guarda-redes dominador, como Ter Stegen. Se há nota no campeonato ganho pelo Barça são as balizas virgens e não o tiki-taka de que Xavi poderia até ser digno herdeiro – e talvez ainda venha a sê-lo, que Pedri dá-lhe essa opção em campo. Mas em Barcelona este foi mais o campeonato de Gavi do que de Pedri. Nos Países Baixos, foi ofensivamente mais brilhante, o campeonato da equipa de Arne Slot, cada vez mais um dos treinadores sensação do futebol europeu. Aos 44 anos, na sua quarta época como treinador principal, Slot já viu a pandemia impedir o seu Alkmaar de discutir o campeonato com o Ajax de Ten Hag, em 2020, levou o Feyenoord à final da Liga Conferência, em 2022, e sagrou-se campeão dos Países Baixos em 2023. Ainda assim, sempre que há vagas nos grandes clubes, o que nos dizem é que para onde eles olham é para os nossos treinadores. E isso parece-me tão estranho.
Quem ama o futebol não pode ficar indiferente ao que, mais uma vez, se assistiu no Dragão. Assisti a muitos Portistas a criticar abertamente estes últimos comportamentos de Sérgio Conceição sobretudo porque a insinuação de pagamento é uma acusação de crime, e isso é indefensável! Então, quem comenta não se pode ficar por ligeiras palavras de circunstância! Tem antes que demonstrar repugnância e veemente condenação! O que assim não seja é aceitar a normalização do clima de terror, de ódio e intimidação que se gera no Dragão (iniciado e instigado, reincidente e recorrentemente, pelos elementos do Banco de Técnicos) sempre que um adversário ousa disputar o resultado! É surreal, em 2023, ver um treinador a festejar um golo com os punhos na cara do adversário, ou a desafiar para a porrada, ou a acusar de recebimento de dinheiro, misturado com impropérios e insultos! Mas, mais surreal é que isto se tenha tornado um "não assunto" e se tenha aceitado como normal!
Seja o desaforo real ou perspectivado.. fico com a sensação que para Conceição e restantes a ambição que uma equipa tenha em roubar-lhes pontos é entendido como desaforo quando se trata, só, de desporto e de cada um defender os seus interesses. Lamentável.