O caminho da redenção
A primeira meia-hora do jogo de San Sebastián mostrou as fragilidades da adaptação do Benfica ao 3x4x3. E o importante é perceber porquê e o que Schmidt pode fazer para tratar da questão.
Aos 30 minutos do jogo com a Real Sociedad, quando vi Jurásek na linha lateral pronto para entrar em campo, achei que Roger Schmidt ia encerrar o capítulo do 3x4x3. Naquela meia-hora, o Benfica tinha sofrido três golos, visto mais dois anulados – um deles pelo VAR – e ainda tinha levado com um penalti marcado “à patrão” por Brais Méndez no poste da baliza de Trubin. A catástrofe que se anunciava era de dimensões bíblicas e partia da constatação de que assim que o nível dos adversários subira se notavam as lacunas, não do sistema, mas da capacidade deste Benfica, com o trabalho tático e estratégico que fez, para o pôr em prática. Jurásek ia saltar para o campo e achei que Schmidt ia abdicar de Morato, ali transformado em cordeiro sacrificial, passar a defesa a quatro, mudar Aursnes para a direita e João Neves para o meio-campo, subindo João Mário para a linha de Rafa e Di María. Foi esse 4x2x3x1 que a equipa consolidou na pré-época, depois de assim ter jogado durante toda a temporada passada, pelo que é normal que seja nele que se sente mais à vontade. Schmidt, contudo, não fez isso. Saiu Florentino, Aursnes foi para a direita, João Neves passou a formar dupla de meio-campo com João Mário e o onze continuou disposto no 3x4x3 inicial. Ainda assim, as coisas melhoraram: dos 31’ aos 90’, o Benfica ganhou o jogo por 1-0... O fundamental neste momento é perceber porquê, porque dessa constatação nascerá a definição do caminho a percorrer a seguir. Já li e vi muitas explicações, de um natural abrandamento da fome de golos basca à impossibilidade de jogar em 3x4x3 sem tem em campo dois alas puros, com passagem pela importância que João Neves passou a ter assim que voltou à sua posição natural, e devo dizer que acredito sobretudo na primeira destas hipóteses. Aliás, quando o adversário abrandou, o Benfica ainda tentou meter um pé em cima do jogo: fez um golo, por Rafa, tentou o segundo, por Otamendi, e nessa altura os bascos perceberam que de nada lhes teria servido o início a mil se depois deitassem tudo a perder com um final tão contemplativo, pelo que voltaram a mandar no campo na última meia-hora. Não acredito em sistemas bons e em sistemas maus nem, por sinal, em formas certas e erradas de interpretá-los. Durante anos, os sistemas com três defesas centrais dependiam da capacidade para criar superioridade por fora, nas alas, pelo que eram ideais para a adaptação de extremos à posição de laterais. Mas o estudo do jogo leva à criação de antídotos e à necessidade de montar fórmulas de outras maneiras. Durante anos, também, quem saía de trás no sistema de três centrais era o do meio, o líbero – ainda por cima o homem que não tinha quem marcar, porque os outros é que se ocupavam dos pontas-de-lança adversários, e por isso podia ser mais fino, mais fora do estereótipo do centralão que só sabe encostar o cabedal. Mas depois apareceram as nuances, os sistemas em que quem sai são os centrais do lado, convertidos à vez em laterais. E também funciona. Desde que, lá está, os jogadores escolhidos tenham condições para as funções e tenha havido trabalho tático para os deixar em plena consciência do que têm de fazer. A catástrofe que o Benfica enfrentou na primeira meia-hora do jogo de San Sebastián não decreta que Aursnes e João Neves não poderão nunca ser alas num 3x4x3 – e eu acho que teoricamente até podem, desde que alguém à frente deles dê largura. Quando muito, pode servir de alerta para que se reflita em torno da eventualidade de eles fazerem falta noutros locais do campo e a cumprir outras funções, mas é aí que se coloca a questão acerca da verdadeira razão que levou Roger Schmidt a mudar o sistema em andamento esta época. Foi por achar que era melhor para os jogadores que tem ao dispor ou por ter visto que era a forma de integrar Aursnes, João Neves, Florentino e João Mário no mesmo onze sem abdicar de Di María, Rafa e do ponta-de-lança? A catástrofe que o Benfica enfrentou na primeira meia-hora do jogo de San Sebastián decreta, outrossim, que qualquer sistema necessita de trabalho tático aturado antes de ser posto em prática – o que não é suscetível de ser feito em boas condições em microciclos marcados por competição intensa, de três em três dias, como os que Schmidt tem enfrentado. Adotar uma mudança destas a confiar apenas na inteligência específica e na capacidade de adaptação tática de um par de jogadores é um salto de fé cujas fragilidades ficaram à vista, por exemplo, no golo de Barrenetxea, com toda a equipa inclinada para o lado da bola e uma imensidão de espaço dado ao extremo oposto à distância de um passe de Merino. E decreta ainda que todos os jogos precisam de trabalho estratégico, dimensão da função em que Schmidt não acredita, preferindo concentrar-se nas suas próprias forças. O jogo de ontem, com a saída a quatro da Real Sociedad a suplantar facilmente a primeira linha de pressão benfiquista – de três homens – e depois Florentino e João Mário encaixados em Merino e Brais Méndez dava a Zubimendi uma imensidão de espaço para mandar no relvado. E foi por não ter impedido isso, mais do que por ter jogado em 3x4x3 ou com alas adaptados, que o Benfica sucumbiu. O jogo de San Sebastián pode ter marcado o início do caminho da redenção do 3x4x3 em direção ao 4x2x3x1 que acredito Schmidt possa voltar a favorecer já no domingo, contra o Sporting, mas ainda que o facto de voltar a vestir um fato em que se vê mais confortável deva ajudar a equipa, o tema só ficará concluído quando o treinador aceitar as razões que o levaram a dizer que ontem tinha feito “um mau trabalho”.
O bloco do SC Braga. Teria sido diferente o jogo do SC Braga em Madrid se Álvaro Djaló não tivesse permitido a defesa de Lunin ao penalti que bateu logo aos seis minutos? É provável que sim, mesmo que no final acabasse por conduzir ao mesmo desfecho e à qualificação dos madridistas. Mas mais até do que na totalidade de um jogo que acabou por ser negativo, por ter sido o primeiro em que os minhotos não fizeram sequer um golo esta época – e por terem perdido, naturalmente... –, o que a primeira parte do Santiago Bernabéu nos disse é que este SC Braga tem argumentos para encarar os desafios de mais do que uma maneira. De que serve ter profundidade no plantel e poder, por exemplo, alternar entre um defesa-central fogoso e rápido como Serdar, talhado para jogar com bloco mais subido, e um jogador experiente mas mais lento, como é José Fonte, se não for para mexer com a altura do bloco? O SC Braga tem um ideal – e ainda há um par de semanas um amigo comum me dizia que achava que Artur Jorge não iria nunca abdicar de um bloco alto, porque isso era absolutamente marcante na personalidade da equipa. A entrada em jogo ontem, com o onze mais atrás, a ganhar espaço para as corridas de Gómez, Borja e, sobretudo, Djaló e Bruma, pareceu uma alternativa válida. Matou Ricardo Horta, que precisa de mais gente próxima para o seu jogo associativo? Sim, mas ainda que jogando mais atrás ele seja menos ameaçador nas finalizações, que são uma das suas maiores armas, se a equipa se afastou daquele que é o seu jogador mais influente não foi tanto por estar mais alta ou baixa no campo, mas sim por ter sacrificado o meio-campo. O que não me convenceu mesmo foi a dupla tarefa de Vítor Carvalho, que tal como no desafio anterior contra este adversário foi outra vez médio com bola e terceiro central sem ela. E foi na falta de densidade para travar à frente da linha de cinco as corridas de Brahim, Rodrygo, Valverde ou Camavinga que esteve o maior problema do SC Braga no Bernabéu.
Se calhar não é boa ideia. Começa por ser extraordinário como é que um tweet demagogo e sobretudo destinado a chocar e a espalhar a narrativa de que “está tudo contra nós”, feito por uma conta que tem pouco mais de 500 seguidores – e não sei quantos tinha antes deste buzz todo – faz notícia em vários jornais nacionais e chega a ser mencionado na TV. Portanto, não: o Celta de Vigo não está a pensar migrar para a Liga Portuguesa nem há nenhuma proposta séria a esse respeito. Aliás, se o jornalismo ainda fosse mais do que a caça ao like e ao clique disposta por isso a correr riscos de deixar ideias erradas na cabeça de quem só lê os títulos, teria de haver um pouco mais de ponderação antes de se escrever uma notícia que diz que há quem considere que o Celta devia mudar para a Liga Portuguesa, porque aqui as arbitragens são melhores, porque os nossos clubes estão mais próximos de Vigo do que os espanhóis – o que é um facto indesmentível –, porque em Portugal teriam hipóteses de se qualificar para a Liga dos Campeões e além do mais “não há andaluzes”. Mas vamos supor que isto era a sério e que de repente chegava aos responsáveis da equipa que segue em 18º lugar da La Liga, em posição de descida e apenas à frente de Granada CF e UD Almería – ora aí estão os andaluzes sem os quais, afinal, o Celta seria último. As quatro vitórias em outros tantos jogos de Real Madrid e Real Sociedad sobre SC Braga e Benfica na jornada dupla da Champions podiam ter deixado os adeptos do Celta iludidos. Mas não. O Celta em Portugal não lutaria por uma vaga na Champions, as arbitragens são sempre más quando se perde – basta ver o que esta semana disseram do VAR Arteta, Postecoglu e Ten Hag, sempre depois de derrotas, tanto na Premier League como na Liga dos Campeões – e se com as receitas de TV da Liga Espanhola e sem competição próxima pelo afeto dos adeptos o Celta não monta uma equipa ganhadora, não seria certamente vendo essas receitas baixar drasticamente e com SC Braga, Vitória SC e FC Porto por perto que iria fazê-lo. Até eu, que não sou andaluz mas ainda sou meio alentejano, acredito que só deve haver um limite para o humor: é que se tenha ou piada ou razão. Esta patranha no Celta na Liga Portuguesa não teve uma coisa nem a outra.
O Benfica jogou com 3 centrais e 2 laterais adptados, com os dois laterais no banco, num jogo em que não era favorito face ao que se viu na luz.
Este treinador deve ter perdido o balneário e o jogo com o Sporting pode lhe colocar o bilhete dd avião na mão