Na universidade com Gasperini
O problema do Sporting não foi falta de atitude ou impreparação tática. Foi, pelo contrário, um excesso de vontade do assistente na busca de medidas para contrariar o futebol do professor regente.
Giampiero Gasperini, aquele senhor de 65 anos e cabelos brancos de professor jubilado que ontem estava no banco da Atalanta, é uma referência. Gasperini é uma referência do 3x4x3, porque meteu os defesas-centrais a invadir espaços no ataque, tanto por dentro como por fora – e sempre que Matheus Reis o faz a partir da posição de central-esquerdo no Sporting, foi ali que o aprendeu, da mesma forma que sempre que Sequeira, Galeno e Ricardo Horta esticavam o corredor esquerdo no SC Braga de Carvalhal também foi ali que o viram primeiro. Gasperini é, ainda, neste caso a par de Marcelo Bielsa, o senhor com ar de cientista louco que comanda a seleção do Uruguai, uma referência na adaptação de marcações individuais ao futebol de hoje – e sempre que vemos qualquer das nossas equipas fazer pressão alta com referências individuais, também foi ali que a aprenderam. Quando Rúben Amorim chegou ao SC Braga e adotou o 3x4x3 como sistema preferencial, eram evidentes os decalques daquilo que fazia Gasperini na Atalanta. Estávamos na passagem de 2019 para 2020, o professor italiano ia já na quarta época à frente da equipa de Bergamo, e a forma como os seus defesas-centrais – Toloi, Palomino e Djimsiti, todos em campo ontem em Alvalade, ainda que os dois primeiros a partir do banco – serviam ao mesmo tempo de base de suporte estável e de princípio de desequilíbrio ofensivo era a razão maior para que, nesse mesmo ano, Guardiola tenha comparado os confrontos com a Atalanta com “uma ida ao dentista”. “É muito, muito duro”, sublinhou o treinador do Manchester City. “Até podes sair de lá bem, mas vais sempre sentir dores”, reforçou Maurizio Sarri, que por esses dias comandava a Juventus. A questão não foi bem explicada por Amorim, que na intervenção anterior ao jogo de ontem se centrou nas dificuldades para decifrar a Atalanta. É que a Atalanta de Gasperini personifica de forma perfeita aquilo que um dia Sérgio Conceição disse precisamente acerca do Sporting de Rúben Amorim: “é fácil de decifrar e difícil de contrariar”. O jogo de ontem não foi tanto uma hora e meia no dentista, mas sim uma ida à comissão científica da universidade do professor assistente. Durante 45 minutos, Amorim deixou-se levar pelos seus próprios fantasmas, pelo pânico que lhe impunha a dimensão estratégica, pelos modos de contrariar o modelo que lhe serviu de inspiração – e fez tudo ao contrário do que devia. Enquanto andou à procura de maneiras de contrariar as dinâmicas da Atalanta, o Sporting foi obliterado do campo, levando o público à perceção errada segundo a qual os jogadores não se empenhavam ou de que o treinador estava impreparado. Os jogadores empenhavam-se e corriam, mas faziam-no para os locais errados, precisamente porque o treinador incorreu em excesso de preparação. A primeira parte do Sporting explica-se de uma forma muito simples: não houve Sporting, mas sim Atalanta e uma equipa obcecada em contrariar a Atalanta. A aproximação de Morita à direita, em troca com Hjulmand, tenha sido para ter o japonês do lado em que Kolasinac, Ruggeri e Lookman faziam o desdobramento tantas vezes repetido em Portugal pelo SC Braga ou para dar ao Sporting uma via de saída da pressão através das receções orientadas não só não travou o lado esquerdo dos italianos como afetou a exibição do meio-campo leonino. A colocação de mais uma referência de jogo direto na frente – Paulinho com Gyökeres – para ter duas vias de saída da pressão individual feita pelo trio da frente da Atalanta levou os leões a perder a calma em início de organização e a enfiar-se na boca do lobo que era a busca de duelos físicos com centrais fortes. Só quando, ao intervalo, se concentrou em si mesmo, introduzindo pausa atrás e mais mobilidade na frente, buscando jogar nas entrelinhas com Edwards e Catamo – ainda que beneficiando do desgaste físico e da saciedade do opositor aos 2-0 – é que o Sporting chegou ao jogo. O Sporting-Atalanta de ontem foi um daqueles momentos em que o assistente encontra o regente e fica obcecado com a vontade de mostrar serviço. O futuro nos dirá se aproveitou a lição.
Southgate e o VAR. O VAR é o assunto do momento no futebol inglês, por causa do erro que feriu de morte o Tottenham-Liverpool FC. Jürgen Klopp já disse que quer repetir o jogo, coisa que é evidente que não vai suceder, e o selecionador nacional, Gareth Southgate, aproveitou para assumir a liderança do grupo anti-modernidade. Southgate tem razão numa coisa, que o futebol tem de resolver com urgência – é que quem está no estádio, quem paga bilhete, está em clara desvantagem face a quem está em casa, a ver repetições na TV. “Estou sentado num estádio, e tenho a sorte de ter bilhetes grátis, mas ao meu lado estão pessoas que pagam bem pelos lugares e não fazem a mínima ideia do que se passa a não ser que telefonem a alguém que está a ver na TV”, disse. Depois, a conclusão é que está fundamentalmente errada. “Não gosto do VAR. Acho que devíamos aceitar as decisões do árbitro como sendo definitivas”. E nem devia ser preciso recordar que, no caso do Tottenham-Liverpool FC, a decisão inicial foi errada e o que se discute agora é o clamoroso falhanço do VAR na sua retificação. No fundo, o que Southgate quer dar a quem está com ele nos jogos e paga os olhos da cara pelos lugares nas tribunas VIP não é um ecrã de televisão que lhes permita estarem a par do que está a acontecer. É, sim, uma espécie de Gaiola de Faraday que os impeça de ligar aos amigos que os elucidem. É o regresso à escuridão em que eramos todos felizes porque ele, Southgate, foi educado a aceitar as decisões dos árbitros como finais. E é o regabofe nos dias que se seguem com a repetição em loop das imagens a mostrar os erros de arbitragem que quem está em casa continuará a ver. A seguir propõem que se deixe de filmar os jogos.
Não querem organizar isto, pois não? Minutos depois do anúncio da abertura às federações da Ásia e da Oceânia da possibilidade de se candidatarem à organização do Mundial de 2034, a Arábia Saudita deu um passo em frente. Surpreendente? Nem por isso. Não vou ao ponto de dizer que a coisa estava combinada, mas é seguro que os sauditas já queriam este Mundial há muito e toda a gente sabia disso. Entretanto, a FIFA já anunciou também que quem quiser opor-se à proposta saudita terá até ao final deste mês de Outubro para se chegar à frente. Um mês inteiro? Chega e sobra, naturalmente. Pelo menos para garantir que não haverá oposição. O que a FIFA está a dizer ao Mundo é mais ou menos algo como: “Não querem organizar isto, pois não?” É verdade que, pelo menos em princípio, não será necessário entregar já o dossier completo de candidatura, mas a Austrália, derrotada pelo Qatar na candidatura para a edição de 2022 e satisfeita com o sucesso do Mundial feminino, está mesmo assim a ponderar avançar. Tem a partir de agora 24 dias para congregar apoios políticos, que naturalmente na Arábia Saudita estão garantidos, tendo em conta que há uma pessoa que manda em tudo. Isto das democracias tem muito que se lhe diga.