Mourinho sénior
José Mourinho faz hoje 60 anos. E a chegada à senioridade do último treinador de culto do futebol português devia fazer-nos pensar no que ele representa e no local a que a sua carreira nos trouxe.
Há uma reportagem passada na RTP há dez anos, quando José Mourinho fez 50, que revi hoje de manhã e já me fez sorrir. Nela, o Manuel Fernandes Silva recuperou imagens de 1982, de quando o atual treinador da AS Roma só tinha 19 anos e jogava – enfim, tentava jogar... – no Rio Ave treinado pelo pai, Mourinho Félix. A dado momento, durante um treino no mítico Campo da Avenida, os jogadores alinharam-se em fila indiana para passarem frente à câmara, enquanto o treinador os identificava pelo nome. Quando chegou a vez do filho, que em toda a época só foi uma vez para o banco, mas não chegou a entrar, Mourinho Félix exclamou: “Mourinho Júnior”. O rapaz não escondeu um sorriso largo, a mostrar a dentição num misto de admiração embevecida pelo pai com orgulho no percurso que, como jogador, contudo, o tinha levado a aparecer na televisão mas nunca o conduziria até onde ele certamente sonhou chegar. O mito de Mourinho, porém, começou ali, nas equipas treinadas pelo pai. Na verdade já começara antes, quando ele ainda era juvenil e júnior e, servindo-se da possibilidade de ser apanha-bolas e de circular em volta dos campos, funcionava como pombo-correio do técnico. Continuou depois, na formação universitária, na adesão e aplicação de novos conceitos, e conheceu o pináculo na arrogância e na rebeldia sem as quais nunca teria sido o treinador que foi, o irmão mais velho dos jogadores das suas primeiras equipas, o puto que enfrentava os poderes bafientos sempre de peito aberto, mas também o treinador preparado, que soube rodear-se de gente competente de forma a dar à escola da periodização tática a ponta visível do icebergue que a dada altura se tornou o segredo do sucesso no futebol mundial. Mourinho foi o último treinador de culto do futebol português. Depois dele, tivemos muitos treinadores vencedores. André Villas-Boas, Vítor Pereira, Jorge Jesus, Leonardo Jardim, Sérgio Conceição, Abel Ferreira... Rúben Amorim tem uma aura parecida, com menos belicosidade. Mas aqui não se trata de eleger o melhor de todos ou de decretar os defeitos que têm, que todos eles os têm. Trata-se de entender onde as coisas mudaram. Onde o futebol ganhou um discurso, onde a nova metodologia, que já era dominada por Queiroz, Castelo ou Jesualdo, se tornou “pop” e sexy. Os sucessos de Mourinho com a UD Leiria, o FC Porto, o Chelsea e o Inter, tudo antes dos 50, fizeram dele uma espécie de James Dean do futebol nacional. Só que Mourinho, o mesmo Mourinho que um dia, no auge da juventude e da testosterona, disse que quando fosse velhote pensava treinar uma seleção – era a forma que ele tinha de desmerecer o que faziam os selecionadores – recusou o “vive depressa, morre jovem e deixa um cadáver atraente”, o lema adotado pelo ator de “Rebelde Sem Causa”, mas que na verdade foi dito por John Derek. Foi nessa altura que o adolescente que sorriu para a câmara da RTP em 1982 se transformou no que é hoje: no Mourinho sénior. Ultrapassado, como dizem? Não creio. Ressentido? Talvez. Não é fácil perceber que todos nos transformamos em carcaças, que não ficamos na moda a vida toda e que há uma altura em que aparecem jovens pretendentes ao nosso trono.
A razão de Conceição. Ainda que com dois golos de ressaltos inesperados, a vitória do FC Porto sobre o Académico de Viseu foi, tal como se esperava, relativamente tranquila. Nem os 20 jogos sem derrotas que a equipa de Jorge Costa trouxe para Leiria lhe valeram quando as diferenças de potencial são tão grandes como são se pela frente tem os campeões nacionais. No final, Sérgio Conceição criticou o calendário, que vai dar à sua equipa menos um dia de descanso do que terá o Sporting antes da final de sábado. Tem razão. Claro que tem razão. O ideal era as duas equipas chegarem à decisão nas mesmas condições, com os mesmos dias de repouso, tendo defrontado os mesmos adversários. Mas nem isso é possível nem será a Liga Portugal a resolver um problema que é universal, nasceu com a venda do futebol às TVs – de que os clubes são, naturalmente, todos eles culpados e beneficiários – e é comum a qualquer prova, nacional ou internacional. A Argentina foi campeã do Mundo no Qatar tendo mais um dia de descanso após as meias-finais do que a França, que bateu na final. Portugal foi campeão da Europa em 2016 tendo mais um dia de descanso do que a França antes da decisão de Paris. Mas no ano passado o Sporting até ganhou a Taça da Liga ao Benfica depois de ter jogado a segunda meia-final e de, por isso, ter tido menos um dia de recuperação do que o rival citadino. E, embora o sentido contrário seja mais frequente, na última ocasião em que leões e dragões se defrontaram na final desta prova, em 2019, os verde-e-brancos também se impuseram com menos um dia de repouso. A última vez que um Mundial teve as duas meias-finais no mesmo dia foi em 1986. E toda a gente sabe por que razão as grandes competições marcam semifinais para dias separados: é que quem paga são as televisões e as televisões querem o produto no qual gastam o seu dinheiro em “prime-time”, em dois serões e não num, de maneira a recuperarem o investimento. Gostamos disto? Não? Mas gostamos do dinheiro da Liga dos Campeões, por exemplo? Então temos aqui um problema.
A perda de Porro. O Sporting irá, ao que tudo indica, perder Pedro Porro para o Tottenham, só faltando saber se o espanhol ainda poderá jogar a final de sábado ou não. Se os ingleses fizerem uso da capacidade financeira que só eles têm e baterem os 45 milhões da cláusula de rescisão, nada a dizer. Se assim não for e a não ser que esteja desesperada e atolada em dívida – o que se entenderia mal, tendo em conta os resultados positivos dos últimos Relatórios e Contas – a SAD leonina deve resistir, como resistiu o Benfica à investida do Chelsea por Enzo Fernández. Porro é o jogador mais importante no atual Sporting. Dá à ala direita um poder de aceleração, uma capacidade de desequilíbrio no um para um e, ao mesmo tempo, uma solidez defensiva que não será fácil de encontrar sem gastar boa parte do valor que os leões agora receberão. E mesmo gastando há riscos... Esgaio não é tão mau como dizem – ainda na época passada fez oito assistências, quatro delas na Liga Portuguesa e duas na Liga dos Campeões – mas não desequilibra como o espanhol. Gonçalo Esteves já teve muito hype a rodeá-lo, mas o fracasso no Estoril, onde foi suplente de um rejeitado de Alvalade como é Tiago Santos, já terá contribuído para fazer baixar as expectativas. É a lei da vida e do mercado: há alturas em que os clubes portugueses não podem resistir. Mas não há dúvidas de que o Sporting ficará muito mais fraco sem Porro.
30%, do valor da transferência do Porro, não vão cair direto nos cofres do city?