Mora, Martínez e o “grupo”
Foi justa a convocatória de Mora para a seleção nacional, mas ainda falta ver se a ideia não é só que ele vá “aprender” a treinar com os consagrados. Tem sido essa a gestão do grupo de Martínez.

Palavras: 1105. Tempo de leitura: 6 minutos (áudio no Telegram).
O país futebolístico, que anseia todos os dias pela descoberta da nova grande sensação, da esperança em torno da qual podemos acalentar sonhos de glória, regozijou-se com a chamada de Rodrigo Mora à seleção principal de Portugal, para a Final Four da Liga das Nações, no início de Junho. Esta é a altura em que me cabe pedir-vos calma, a todos vós, crédulos que gravitam em torno dos desafios da equipa nacional. E não é por achar, como acho, que talvez Mora não seja ainda o produto acabado, como vos expliquei aqui. É por estar a ser confrontado há mais de dois anos com a gestão do grupo feita por Roberto Martínez – que aliás não mudou em relação à que ele fazia da Bélgica – ou por ter percebido que mais depressa o Chelsea pagou 52 milhões de euros por Quenda do que o selecionador lhe deu um minuto em campo. Nem num jogo irrelevante. E isso não prenuncia nada de particularmente excitante no que toca às novidades em torno de Mora.
Quenda é bom termo de comparação para o tema-Mora. O ala do Sporting foi convocado por Martínez duas vezes e elogiado como oitava maravilha do Mundo em muitas outras. Mas já se sabe que se há coisa em que Martínez não é avaro é nos elogios aos jogadores convocáveis. A primeira chamada de Quenda deu-se quando ele era titular indiscutível numa equipa que Ruben Amorim conduzia com pleno de vitórias, mas foi só para ele sentir o ambiente e treinar com os consagrados. “Ver Quenda desfrutar da festa e aprender com jogadores que têm 100 internacionalizações é ouro futebolístico”, disse Martínez depois do segundo estágio para que o convocou sem o meter em campo. Isto aconteceu em Março, nos quartos-de-final contra a Dinamarca, mas em Novembro, quando o adolescente chegou a aquecer, na Croácia, podendo tornar-se o mais jovem internacional A por Portugal de sempre, Martínez também não o estreou. E chegou a dizer, na conferência de imprensa que se seguiu à partida – na qual já não havia hipótese de perdermos o primeiro lugar do grupo e ele nem esgotou as substituições – que isso de jogar ou não “não é o mais importante”.
Quenda reagiu então com uma story de Instagram, com a canção “No Lie to Me”. Mas, antes que perguntem, deixem-me esclarecer que não, não acho que tenha sido por causa disso, de estar aparentemente a denunciar desagrado ante promessas não cumpridas – e transpirou na altura que a estrutura da FPF não gostou de tanta libertinagem – que Quenda ficou agora de fora da lista de 27 elementos que começará a preparar a Final Four da Liga das Nações. E não, também não é por ser do Sporting, clube cujos adeptos se queixam recorrentemente de ser desfavorecido na Cidade do Futebol. Ou por não estar nas boas graças de Jorge Mendes – ele até passou a ser agenciado pela empresa do homem que as teorias da conspiração sempre acusaram de ser uma espécie de selecionador-sombra. Ou ainda por este já não precisar de o ter na seleção, porque já fechou o negócio que daqui por um ano o levará para Inglaterra. E também não há-de ser por, de repente, neste final de época, ter passado a ser mais vezes suplente do que titular do Sporting – Conceição, Palhinha e João Félix também raramente começam jogos na Juventus, no Bayern Munique e no Milan e continuam de pedra e cal entre os eleitos. É mesmo porque esta é a visão de Martínez. E, de resto, só quem andasse muito desatento ao que ele fez durante toda a vida é que pode ter ficado surpreendido, que já era assim na Bélgica (está aqui contado, numa análise de Março de 2021, muito antes de ele ter sequer sonhado vir a ser selecionador de Portugal).
Para Martínez, o lote a que ele chama “o grupo” é muito alargado. Demasiado, até, do meu ponto de vista, sendo que eu entendo perfeitamente a necessidade de um selecionador ter um núcleo duro e inamovível que o poupe da necessidade de estar sempre a explicar tudo a cada vez que começa um estágio. No “grupo” está Francisco Conceição, que desde o estágio de Março só foi uma vez titular na Juventus. No “grupo” está João Félix, que desde essa altura foi três vezes titular do Milan e no último fim-de-semana fez apenas o seu segundo golo com a camisola do clube onde entrou em Janeiro. No “grupo” está Palhinha, só uma vez titular do Bayern desde o estágio de Março. No “grupo” está Dalot, que poderá eventualmente alinhar hoje na final da Liga Europa, pelo Manchester United, mas não joga desde que se lesionou, a 20 de Abril, contra o Wolverhampton. O “grupo” não é uma entidade fechada, como se prova com a importância que nele ganhou, por exemplo, Renato Veiga, hoje jogador fundamental no renascimento da Juventus, mas cuja afirmação na seleção antecedeu a conquista do estatuto de titular nos seus clubes – já era convocado por Martínez para jogar a defesa central quando no Chelsea não passava de uma sombra de Cucurella, utilizado a defesa-esquerdo nos jogos da Liga Conferência em que Enzo Maresca chamava as segundas escolhas. Mas falta ver o que é preciso ter para entrar no “grupo”. Pedro Gonçalves, que agora está de volta, vá lá saber-se porquê, porque está a jogar muito menos do que quando foi reiterada e injustamente esquecido, nunca conseguiu lá entrar, mesmo sendo anos a fio o jogador mais desequilibrante da Liga Portuguesa. Sendo, no fundo, aquilo a que Rodrigo Mora aspira neste momento em que celebramos a sua estreia.
Gostava de ver Mora estrear-se na seleção, como gostaria de ter visto Quenda jogar ou Pedro Gonçalves ser chamado com a regularidade que sempre mereceu. Até pelo facto de a lista ser de 27 jogadores – e vamos fazer só dois jogos, não é uma fase final extenuante com desafios de três em três dias a pedir rotatividade – temo que isso acabe por não acontecer e que haja outras duas razões para a sua convocatória. Uma, já sabem, é para ele aprender com gente que tem mais de 100 internacionalizações. A outra é que, indo ele jogar o Mundial de clubes pelo FC Porto, não estará disponível para o Europeu de sub21, onde em princípio acabará por estar Quenda.
"mais depressa o Chelsea pagou 52 milhões de euros por Quenda do que o selecionador lhe deu um minuto em campo": esta frase resume toda a questão. Não pelo Quenda, mas por Martinez.