Martínez e os jogadores-chave
Portugal ganha mas não cria o ambiente tático que permita aos jogadores-chave brilhar. Quem são? Eu diria Bernardo, Bruno e Leão. Dos três, só o médio do United tem estado ao seu nível na seleção.
Portugal enfrenta hoje a seleção do Luxemburgo, no Algarve (19h45, RTP1), sabendo que uma vitória deixará a equipa com oito pontos de avanço do terceiro classificado, a quatro jogos do final – o que significa que nesses quatro, que incluem a visita ao Liechtenstein e a receção à Islândia, bastará ganhar um e empatar outro para garantir a qualificação. Além disso, a equipa segue com pleno de vitórias, com um registo goleador de 15-0. Os adversários são fáceis? Sim, não são propriamente potências do futebol mundial, mas também assim é nos outros grupos, onde não só apenas se encontram mais duas seleções a contarem por vitórias todos os jogos disputados – a França e a surpreendente Escócia – como se notam problemas inesperados para equipas como a Itália ou a Suécia, por exemplo. Ainda assim, Roberto Martínez tem sido contestado, porque, como escrevi aqui na sexta-feira, a sua contratação não foi – pelo menos aos olhos dos adeptos – feita apenas para se qualificar. Deixando até de parte as explicações pouco convincentes acerca das exclusões de alguns jogadores e das convocatórias de outros, talvez provocadas pelo esforço de falar num português que não domina, o treinador espanhol não está a resolver o que sempre foi o grande problema desta equipa, que é a incapacidade para fazer corresponder a qualidade do futebol praticado ao imenso potencial do seu plantel. O problema maior de Portugal é que muitos dos seus mais talentosos elementos – Bernardo Silva, Vitinha, Rafael Leão... – são muito mais jogadores nos seus clubes do que na seleção. E isso significa que, tal como Fernando Santos, o treinador não está a ser capaz de criar o melhor ambiente tático para eles. Louva-se-lhe o esforço que tem sido feito – e o jogo de Bratislava foi um interessantíssimo tubo de ensaio, pelas diferentes formas de encarar a pressão que a equipa foi experimentando – e até o reconhecimento de que, com bola, a seleção não esteve bem na vitória frente à Eslováquia, mas o que se pede a Martínez é que encontre a forma de mudar isso. Na sexta-feira, na primeira vez que abdicou do seu preferido 3x4x3, ele tentou de diversas formas. Primeiro numa saída a três, com João Palhinha entre António Silva e Rúben Dias, o que só serviu para sublinhar o perfil demasiado idêntico dos três, mais confortáveis no passe do que na subida em posse, por exemplo, o que simplifica a tarefa a quem os enfrenta. Depois, baixando os laterais, para tentar um desencaixe dos três da frente da Eslováquia, e colocando Palhinha atrás dessa primeira linha de pressão – a coisa melhorou, mas não muito, porque o médio do Fulham não é bem um monstro de construção curta e rendilhada, como pediam muitos dos que estavam à sua frente. A seguir, chamando, à vez, Vitinha ou Bernardo a mostrarem-se para receber mais cedo, o que no papel fazia todo o sentido, mas nunca foi a solução ideal, porque tanto um como o outro se deixaram intimidar pelo jogo mais físico do meio-campo eslovaco. Depois, avançando Cancelo – que defendia como lateral – para o papel de médio-centro quando a equipa estava em posse, colocando-o ao lado de Palhinha para dar duas vias de saída por dentro. Melhorou mais um pouco, mas deixava a esquerda órfã, porque Leão, que era quem dava largura por ali, não baixava o suficiente para ser visto no primeiro momento. Por fim, tocando Leão por Neto, que aparecia mais baixo a dar saída pela esquerda, com Semedo a fazer o mesmo na direita e com Dalot a funcionar como central esquerdo: só não digo que foi um improviso, porque este simulacro de 3x4x3 já era seguramente a ideia de Martínez quando chamou Neto, mas também não creio que seja a solução, porque aliena uma boa parte dos talentos e, na verdade, só funcionou porque a entrada de Otávio foi a melhor resposta ao jogo físico dos eslovacos, pela capacidade do luso-brasileiro de segurar a bola nos pés até sofrer falta.
Os jogadores-chave. Todos os bons treinadores têm uma ideia. Roger Schmidt explicou isso na sua intervenção no Thinking Football Summit, organizado pela Liga Portugal. “Tenho uma ideia de jogo e tento ajustá-la à cultura do clube e aos jogadores-chave. Sou muito aberto a isso”, disse o treinador do Benfica, que chegou à Luz e aplicou os mesmíssimos princípios de jogo que já se lhe conheciam do PSV Eindhoven e, a dada altura, enfrentando dificuldades na saída de bola, trocou o 2+2 (os dois centrais e os dois médios, dispostos num quadrado) por um 3+1 que fazia baixar um dos médios para a esquerda de Otamendi – primeiro Enzo e, mais tarde, Chiquinho – na primeira fase de construção. Porque é que nunca foi Florentino a baixar, se é ele o médio mais defensivo? Porque ali do que se trata é de atacar e era importante dar uma possibilidade diferente à equipa e gerar a dúvida na primeira linha de pressão adversária. Porque com Enzo – e em certa medida com Chiquinho também – o adversário nunca sabia o que ele ia fazer. É claro que a definição dos jogadores-chave de uma equipa é fundamental, mas acontece que os que havia no Benfica já casavam com a ideia de Schmidt, pelo que ele só teve de fazer pequenos ajustes – e já vai ser diferente este ano. Na seleção, além de ter urgência em resolver o problema da saída de bola, pois não temos centrais confortáveis a sair em posse – Inácio será um pouco superior, mas não é uma diferença abismal, razão pela qual até Rúben Amorim opta por Matheus Reis à esquerda quando quer soltar o central para zonas avançadas do campo, empurrando o lateral – Martínez tem de identificar os jogadores-chave e adotar uma forma de jogar que os deixe confortáveis. Quais são esses jogadores-chave neste momento? Quais são os jogadores que podem fazer a diferença com maior grau de certeza? Eu diria Bernardo Silva, Bruno Fernandes e Rafael Leão. Dos três, só Bruno está ao seu nível na seleção. E aí é que está a raiz do problema.
As contas do Sporting. A SAD do Sporting apresentou as suas contas relativas a 2022/23, com um destaque, que foi a saída da situação de falência técnica em que estava há anos. Mas há mais notas a tirar do lucro de 25,2 milhões de euros, no que foi o quinto exercício seguido no verde. É bom para os leões verificar que este resultado foi conseguido ainda sem contabilizar as transações de Porro e Ugarte, às quais certamente lhes dará muito jeito recorrer nas contas de 2023/24, onde não haverá receita da Liga dos Campeões – e isso são sempre pelo menos uns 40 milhões. Como é bom ver que houve um volume de negócios recorde (222 milhões de euros). Onde se verifica alguma regressão é no facto de, ao contrário do verificado no exercício anterior, as contas sem transferências já não serem positivas. Mas, mesmo não destacando o facto, Frederico Varandas aceitou-o e comentou-o, afirmando que “o Sporting vende e vai ter de continuar a vender”. São declarações no sentido das que foram proferidas por Rui Costa há dias, quando o presidente do Benfica disse que “não há clube em Portugal que consiga pagar ordenados sem vender jogadores”, pelo que a conclusão é a de que o problema não é vender. É vender em desespero. E o sucesso faz-se mantendo o controlo sobre as vendas, projetando na medida do possível uma por ano e limitando a sangria a essa operação única. Esse é o cenário ideal, mas é um cenário que vem acentuar a importância da visibilidade na Liga dos Campeões e da conquista de títulos a nível interno. Porque sem isso não há grandes vendas e passa-se imediatamente ao patamar seguinte, que é o das saídas para tapar buracos.
As lágrimas de Otávio. Quem não entra nessas conversas é o FC Porto, cujas contas ainda não são conhecidas. Pinto da Costa comentou a venda de Otávio para o Al Nassr, afirmando que só cedeu à tentação dos 60 milhões que os sauditas ofereciam porque o futebolista lhe entrou pelo gabinete a chorar e a pedir que o deixasse sair. Admito que o jogador, que na sequência da saída chegou a escrever nas redes sociais que não conseguia despedir-se do clube da sua vida, não tenha ficado propriamente radiante com esta revelação, que mais não foi do que a tentativa do presidente portista reforçar a posição negocial do clube para situações futuras. O que Pinto da Costa estava a afirmar é que, afinal, ao contrário do que tinha sido dito em Junho pelo administrador financeiro, Fernando Gomes, a SAD portista não precisava nada de vender e que escusam de vir à procura de pechinchas que ele é inflexível. Nem iria aceitar os milhões do Al Nassr, vejam lá. Agora é esperar pelo Relatório de Contas – onde não estará ainda este negócio de Otávio, que já foi feito depois do fecho do exercício – para se avaliar a fotografia que lá está.