Lopetegui e o porco lusitano
O Wolverhampton andou a engordar o porco do futebol português. Mas a Fosun fechou a torneira e Lopetegui percebeu que na altura da matança não tem material suficiente nem para os enchidos.
Julen Lopetegui já tinha mandado para o ar um aviso, em Maio, quando o Wolverhampton WFC consumou uma permanência na Premier League que, no momento em que ele chegou, em Novembro, parecia difícil de atingir. Antes do Mundial, os Wolves eram últimos. No fim, ficaram na 13ª posição, sete pontos acima da linha de água, e o treinador espanhol disse logo o que pensava: “É agora que temos de falar, não daqui a dois meses”, afirmou, acerca de uma cada vez mais provável correção de trajetória na política desportiva do clube dos chineses da Fosun. Afinal de contas, dois meses e uma mão cheia de saídas de jogadores importantes mais tarde, o treinador espanhol voltou a falar, em entrevista a Guillem Balague: “Perdemos oito jogadores fundamentais no grupo que conseguiu a permanência na época passada”, salientou o treinador do clube mais português da Premier League. “Tentei com o Plano A, tentei com o Plano B, com jogadores ‘low cost’, mas também não será possível”, concretizou, claramente à procura de uma tomada de posição da outra parte, que até ver se tem mantido em silêncio e sem explicar o que mudou no emblema que, associado a Jorge Mendes, passou estes últimos anos a engordar o porco do futebol português, direta ou indiretamente, e se vê agora numa crise que não pode dizer-se que seja inesperada ou surpreendente – afinal já se passou a mesma coisa, por exemplo, no Valência CF de Peter Lim. O que alegadamente estará aqui em causa é o risco de os Wolves entrarem em incumprimento das regras de sustentabilidade da Premier League, que ditam que nenhum clube possa apresentar perdas superiores a 105 milhões de libras (130 milhões de euros) num qualquer período de três anos. A apresentação de contas em Inglaterra é diferente da que é feita em Portugal, pois os clubes divulgam os relatórios por volta de Março, mas eles referem-se às contas que encerraram em Maio do ano anterior – para já, o que os Wolves têm em cima da mesa é um exercício mais ou menos neutro de 2020/21, o prejuízo de 55 milhões de euros de 2021/22 e uma época de 2022/23 que, pelo menos no domínio das transferências, que é onde se pode chegar antecipadamente, foi muito penalizadora, com um balanço negativo de 115 milhões de euros, uma desproporção entre compras e vendas que só se vira nos dois anos de chegada à Premier League (89 milhões em 2018/19 e 92 em 2019/20). Tanto dinheiro gasto deveria, à partida, corresponder à criação de valor, mas o que se tem visto é que o foco do clube inglês tem estado sobretudo na aquisição de jogadores vindos de clubes que também se relacionam com o super-agente português – e as alavancas que ele trouxe aos grandes de Portugal assumem aí grande peso. A julgar pelo Transfermarkt, nestes anos os Wolves deixaram 70 milhões de euros no FC Porto por Rúben Neves, Boly e Fábio Silva, 63 milhões no Sporting por Rui Patrício e Matheus Nunes, 41 milhões diretamente no Benfica por Jiménez, mas mais 65 entre FC Barcelona e Valência CF, ajudando a dispersar o capital investido em Nélson Semedo e Gonçalo Guedes. Este ano, sendo certo que tiveram de acionar as opções obrigatórias de compra de Matheus Cunha (50 milhões de euros... para o Atlético Madrid) e Boubacar Traoré (11 milhões para o FC Metz), as entradas de jogadores para os Wolves foram todas a custo zero – e provavelmente só Matt Doherty, regressado do... Atlético Madrid) poderá lutar por uma vaga no onze. Esta é a altura em que a prioridade é vender e baixar a carga salarial. Moutinho, Diogo Costa e Traoré, dos mais bem pagos, saíram a custo zero. Mendes deu uma ajuda colocando Rúben Neves no Al Hilal por 55 milhões de euros (o FC Barcelona não conseguiu chegar-se à frente). Nathan Collins, Connor Coady e Raul Jiménez também abandonaram, a troco de 42 milhões. E Matt Hobbs, o diretor desportivo do clube inglês, alude a uma “situação financeira muito dura” e à necessidade de “ser criativo”. De Jeff Shi, o CEO colocado no clube pela Fosun, ainda não se ouviu nada. A vida de Lopetegui, caso a coisa não evolua para a separação que esta entrevista a Ballague parece anunciar, vai ser muito complicada, porque chega a altura da matança e o porco não parece ter crescido o suficiente. E, vendo a coisa daqui, com a certeza de que afinal os “mendilhões” de que os mal-intencionados tanto falam são mesmo reais (tanto que fazem lá falta), sobra uma curiosidade muito simples: com Cerezo e Gil escaldados e empenhados em resolver o problema-Félix, com Laporta e Alemany à procura de alavancas para poderem inscrever quem já têm no Barça, com Lim fora de jogo e a Fosun a tirar as fichas, quem é que vai alimentar o nosso porco a partir de agora?
A consolidação do SC Braga. O SC Braga de Artur Jorge mostrou, no jogo contra a AS Roma de Mourinho, a consolidação de processos que já trazia do final da época passada, oscilando no seu 4x2x3x1 em função das caraterísticas do segundo médio: André Horta contra opositores menos exigentes, Vítor Carvalho a cumprir com ganho o papel que era de Racic perante rivais mais poderosos. A diferença para a equipa aberta e britanizada que começou o campeonato anterior num 4x4x2 sobretudo focado na pressão é enorme e fala-nos de um crescimento no plano tático que promete. O SC Braga perdeu Iuri Medeiros e os seus golos no célebre chuto de banana, perdeu Sequeira e Racic, mas acrescentou Zalazar, Marín e Vítor Carvalho. Além de José Fonte, que vem para liderar. Abel Ruiz enfrenta o ano do tudo-ou-nada, no que a uma afirmação ao mais alto nível diz respeito. Os manos Horta continuam, com Ricardo certamente menos distraído pelo mercado, como continuam Bruma, que motivado e concentrado pode ser um caso muito interessante, Al Musrati e os promissores Víctor Gómez e Niakaté. Este SC Braga está mais forte e vai ser um adversário duro para os favoritos do costume.
Complicaram-se as contas fáceis. Quando publico, Portugal ganha por 2-0 ao Vietnam, na segunda ronda do Mundial feminino. Confirma-se, aparentemente, que a seleção nacional vai entrar na última jornada em condições de discutir o apuramento para os oitavos-de-final. Em função do empate entre EUA e Países Baixos, de madrugada, são contas fáceis de fazer. Basta ganhar o último jogo para nos apurarmos e eliminarmos as norte-americanas, campeãs do Mundo nas duas últimas edições e finalistas vencidas na antepenúltima. Vamos ver a coisa assim: se o conseguirmos, ninguém falará de outra coisa no encerramento da fase de grupos.