Laboratórios Martínez
Portugal usou quatro avançados e muita gente fora de posição. Diz Martínez que quer experimentar coisas novas, mas de ontem só tirou a certeza de que não é por ter mais avançados que ataca melhor.
Pela frente, estava uma das mais frágeis seleções do Mundo, a do Liechtenstein, que tinha perdido os últimos 18 jogos de competição. Roberto Martínez já tinha dito que queria utilizar estes quatro jogos que faltam até ao estágio final com vista ao Europeu de 2024, os últimos dois da fase de qualificação e os dois particulares de Março, para testar coisas novas. E como já se sabe que não testa jogadores, que para estágio vão sempre os mesmos, só lhe restava testar formas diversas de jogar. Foi por isso que Portugal surgiu ontem com Ronaldo, Gonçalo Ramos, Diogo Jota e João Félix no onze, juntando-lhes ainda Bernardo Silva e um João Cancelo à solta na direita. A equipa apareceu num estranho 3x3x4, em que Rúben Neves era central do meio na saída de bola – e portanto depois em transição defensiva... – e central esquerdo a defender e em que Toti Gomes se estreava como central-esquerdo na linha de três com que a equipa atacava e se convertia em lateral esquerdo na fase defensiva. João Félix apareceu exilado na esquerda, encostado à linha, a contar com a falta de jogo atacante do adversário para nunca ter de verdadeiramente defender, apostando antes o treinador na sua capacidade de dividir o espaço exterior e o interior com Diogo Jota. Do outro lado, a parceria era definida entre Bernardo Silva e João Cancelo, que se assumia como jogador de todo o corredor mas procurava o meio do campo em sucessivas diagonais com bola, nas quais superava quem lhe aparecesse na frente. A terceira sociedade era estabelecida entre os dois pontas-de-lança que apareciam mesmo na sua posição, Cristiano Ronaldo e Gonçalo Ramos. E Bruno Fernandes, de repente convertido em único médio, não tinha ninguém com quem conversar. É muito por isto que se explicam as dificuldades que a equipa sentiu para ligar jogo. Havia muita gente fora de posição, havia em campo um excesso de jogadores rotinados em esperar pela bola em zona de criação e falta de quem a lá levasse em boas condições, havia incerteza posicional, que levava à incapacidade de jogar, como costuma dizer-se, “de olhos fechados”, porque não havia quem soubesse com um grau mínimo de certeza onde estava o companheiro que anda por ali. E isso prejudica a velocidade e a intensidade do jogo. Não foi uma questão de falta de alegria ou de frustração ante um adversário fechado, como no final defendeu Martínez, que adversários fechados há-os aos montes – e Portugal já defrontou alguns nesta qualificação. O selecionador nacional quis experimentar coisas novas, porque acredita muito na diversidade tática – e isso é uma coisa boa, ainda que seja algo muito difícil de implementar numa seleção nacional, que tem pouco tempo para treinar. A equipa já domina o 3x4x3, cresceu quando foi capaz de jogar em 4x3x3 e em 4x4x2 com a inserção do lateral esquerdo a meio-campo nos momentos com bola, mas esborrachou-se naquele 3x3x4 cheio de gente fora do lugar. Tudo bem, o jogo ganhou-se na mesma, igualou-se o recorde de nove vitórias consecutivas que a equipa trazia de 1966, mantiveram-se vivos os objetivos do pleno de sucessos e do melhor ataque de sempre numa qualificação, para os quais será preciso ganhar e marcar dois golos à Islândia no domingo, e a verdade é que aqueles 90 minutos contra o Liechtenstein acabariam na mesma por se perder na espuma dos dias quando, daqui a seis meses, se encarar a fase final. Testou-se uma nova forma de jogar, mesmo que o senso comum nos diga que ela não vai ser útil para nada, porque numa fase final nunca se colocarão circunstâncias minimamente semelhantes às de ontem. E no fundo o jogo serviu apenas para provar de forma científica – pela experimentação – que não é por ter mais avançados em campo que se ataca melhor. Mas isso, francamente, bastava a Martínez ter perguntado, que qualquer um lho diria. E ele até já o saberia, que não anda nisto desde ontem.
Boas sensações na estreia. Houve três estreias na equipa ontem e se João Mário, que entrou aos 87’, nem terá chegado a perceber bem o que é jogar ali, José Sá e Toti Gomes deixaram boas sensações. O guarda-redes só fez uma defesa, mas importante, numa boa mancha ante um Salanovic isolado pela falta de velocidade de reação de Rúben Neves como central do meio em transição defensiva. E Toti pode de facto ser uma solução interessante para fazer um híbrido de defesa-central e lateral esquerdo. Já se percebeu que a esquerda da equipa nunca vai ser bem o que é. Se lá jogam Cancelo ou Dalot, tornam-se médios para dar a largura a Leão. Se lá joga Toti, faz de terceiro central para dar asas ao lateral do outro lado e manter a estabilidade dos três atrás. Se lá chegar a jogar Raphael Guerreiro, veremos no domingo no que dá. A questão é a de perceber se lá pode jogar Nuno Mendes, o único verdadeiro ala de pé esquerdo com quem Martínez ainda poderá eventualmente contar.
“A minha noite dava um filme”. Vai dar argumento, a noite vivida ontem por Luis Manuel Díaz, o pai do ex-atacante portista Luís Díaz, que é conhecido em Barrancas como Mané. Então um tipo anda ali, a tratar da sua vida, a ajudar na campanha do irmão Gabriel para as eleições municipais na cidade em que em tempos teve de vender comida pela rua, quando é raptado numa estação de serviço por uns tipos mascarados e depois entregue a uma organização de guerrilheiros que, vai-se a ver, nem sabiam muito bem quem tinham em mãos. Não era só o irmão do candidato, uma das figuras mais queridas da cidade, pela forma como criou escolas de futebol para os filhos dos mineiros. Era mais do que isso. Era o pai do jogador do Liverpool FC. Mané foi levado para lá da fronteira com a Venezuela pelos guerrilheiros do Exército de Libertação Nacional, onde ficou até se terem reunido as condições de segurança – para os raptores, bem entendido... – para que fosse libertado, que apesar dos raptos e dos homicídios estarem a crescer naquela zona tão remota da Colômbia, a ele não queriam fazer-lhe mal. Ontem, uma semana depois de ver terminados os doze dias de cativeiro a que foi sujeito, Mané já estava nas bancadas do Estádio Metropolitano de Barranquilla, o mesmo estádio, a cerca de 300 quilómetros de casa, onde o FC Porto descobriu os talentos do filho Luís e o contratou. A ocasião era um Colômbia-Brasil de apuramento para o Mundial, que marcava o reencontro de Luís com o pai. Os brasileiros marcaram cedo, por Martinelli, mas um “bis” de Luís Díaz, na segunda parte, virou o jogo. Eufórico no golo do empate, Mané quase desfaleceu no segundo. É que um tipo aguenta doze dias a andar de mota, de mula e a pé, montanha acima, montanha abaixo, sem água e com pouca comida, mas dois golos ao Brasil já são dose para qualquer um.
Isso é para meninos. A Federação Inglesa de Futebol (FA) abriu um processo contra Mikel Arteta, o treinador do Arsenal, que agora terá o período regulamentar para se defender das acusações de “conduta insultuosa para com os árbitros” e de comportamento “prejudicial para o jogo”, mas aquilo que os jornais dizem é que a preocupação entre os responsáveis é grande e que já se estuda a forma de impedir que os protestos que se seguiram à derrota dos Gunners em Newcastle alastrem aos outros treinadores e clubes da Premier League. Afinal, passei décadas a achar que os ingleses, os inventores do futebol, estavam uns anos à nossa frente, mas eles ainda estão a chegar àquilo que nós por cá vivemos nos anos 70 do século passado: começam agora a ter de lidar com treinadores que protestam com as arbitragens. Já se sabe que a rapidez da evolução é exponencial e que provavelmente no caso deles não serão precisos 50 anos para atingirem o nível supremo de manipulação que já atingimos aqui. Até porque o fenómeno está amplamente estudado e já não é preciso ser pioneiro e dar novos mundos ao Mundo. Não tarda, para ajudar na lobotomização dos adeptos, os clubes estarão a armar-se em arautos da verdade, a escrever newsletters boçais e a divulgá-las nas redes sociais. É que isso de o treinador protestar, desculpem lá, mas é para meninos.